Acórdão nº 01214/04.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDr. Carlos Lu
Data da Resolução14 de Abril de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “E…, LDA.”, sociedade comercial com sede no Largo da Vitória, n.º …, Lamego, com o NIPC …., inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 30/11/2004, que indeferiu o pedido cautelar de providência relativa à formação de contrato que havia deduzido nos termos do art. 112º e 132º ambos do CPTA contra o “MUNICÍPIO DE LAMEGO” e a contra-interessada “V…, LDA.”, sociedade comercial com sede Expansão Oeste, lote …, Tarouca.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 171 e segs.

), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) 1) Na providência interposta, a aqui recorrente identificou o vício do acto como caracterizador e causal de nulidade do mesmo (cfr. p. ex. arts. 27º e 28º da petição inicial da providência).

2) A impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo (art. 58º, n.º 1 do CPTA).

3) No caso dos actos cuja anulação esteja sujeita a prazo este é, para os actos objecto de processo de contencioso pré-contratual, de um mês a contar da sua notificação ou, não havendo lugar a esta, do seu conhecimento (art. 101º do CPTA).

4) Admitir que no caso de acto nulo a sua impugnação fique sujeita a prazo, significa alterar a partir de uma disposição de natureza meramente adjectiva, a própria natureza substantiva de tal forma de invalidade do acto administrativo.

5) Tal interpretação da norma do artigo 101º do CPTA, que se colhe da decisão recorrida, no sentido em que altera a própria natureza jurídica substantiva da nulidade e sujeita a prazo a impugnação dos actos que se encontrem viciados por invalidade que a ela se reconduza, é inconstitucional, porque violador do direito fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se argui.

6) A decisão recorrida é portanto ilegal, porque violadora do disposto nos artigos 101º, 100º, n.º 1 e 58º, n.º 1 do CPTA, sendo ainda inconstitucional, nos termos expostos, por violação do direito fundamental do acesso e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição (…), devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

(…).” O ente público demandado e a contra-interessada, ora recorridos, apresentaram contra-alegações (cfr., respectivamente, fls. 193 e segs. e fls. 184 e segs.

) nas quais concluem, em suma, pelo improvimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146º e 147º ambos do CPTA veio apresentar parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 211 e segs.

).

Notificadas as partes daquele posicionamento do MºPº apenas a contra-interessada veio responder (cfr. fls. 218/219).

A Mm.ª Juiz “a quo” sustentou a respectiva decisão (cfr. fls. 199/200).

Sem vistos, dado o disposto no art. 36º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

*2.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 6ª edição, págs. 420 e segs.

).

As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, a determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao indeferir o pedido cautelar de providências relativas a procedimentos na formação de contratos deduzido nos termos dos arts. 112º e 132º ambos do CPTA violou ou não os arts. 58º, n.º 1, 100º, n.º 1 e 101º do CPTA e 20º, n.ºs 1 e 4 da CRP [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

*3.

FUNDAMENTOS 3.1.

DE FACTO Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade: I) A Câmara Municipal de Lamego abriu concurso público para a realização dos circuitos especiais de transportes especiais de transportes escolares do concelho de Lamego para o ano lectivo de 2004/2005, conforme processo administrativo (p.a.) a fls. 1; II) A requerente e a contra-interessada concorreram à realização de diversos circuitos escolares tendo apresentado as respectivas propostas, conforme acta do acto público do concurso a fls. 190 do p.a.; III) O acto público realizou-se no dia 23/07/2004, conforme fls. 190 do pa.; IV) A contra-interessada, no dia 26/07/2004 pediu cópia certificada da acta da sessão de abertura de propostas e em 04/08/2004 apresentou reclamação do acto público de abertura de propostas, dirigida ao júri, que foi indeferida em 17/08/2004, conforme fIs. 224 e ss do p.a.; V) Em 26/08/2004 a contra-interessada interpôs recurso hierárquico, conforme fIs. 284 do p.a.; VI) Em 06/09/2004 a requerida deferiu o recurso hierárquico interposto pela contra-interessada admitindo-a ao concurso identificado em I) conforme doc. n.º 4 junto com a p.i.; VII) Em 30/09/2004, a requerente interpôs a presente providência contra a deliberação da requerida referida em VI).

VIII) Até à presente data, a requerente não propôs a competente acção principal de que o presente processo depende.

3.2.

DE DIREITO Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, fazendo um prévio enquadramento jurídico quanto ao actual regime de contencioso administrativo, em especial, em matéria dos procedimentos cautelares relativos a procedimentos de formação de contratos mormente, dos seus critérios de decisão, dos seus pressupostos ou requisitos para a sua decretação.

Os procedimentos cautelares vêm regulados, com autonomia, no Título V do CPTA (cfr. arts. 112º e segs.

), nele estando abrangidos as providências relativas a procedimentos de formação de contratos (cfr. art. 132º), como se nos afigura estarmos em presença nestes autos.

Com este meio contencioso veio a dar-se continuidade ao regime especial que vigorava com o D.L. n.º 134/98, de 15/05, incorporando-se no CPTA aquele regime legal e assegurando-se assim a manutenção da adequada transposição para a ordem jurídica interna das Directivas do Conselho n.º 89/665/CEE de 21/12 (chamada “Directiva recursos”) (publicada no Jornal Oficial n.º L395 de 30/12/1989) e n.º 92/13/CEE de 25/02.

Note-se que com a primeira das citadas Directivas se teve em vista assegurar a abertura dos “contratos públicos” à concorrência comunitária através da implementação nos Estados-membros de meios de recurso rápidos e eficazes e de medidas provisórias destinadas a corrigir a ilegalidade e a impedir a produção de danos relativamente aos concorrentes afectados nos seus direitos e interesses (cfr., entre outros, Dr. Carlos A. Fernandes Cadilha em “Contratos Públicos: do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, à Reforma de Contencioso Administrativo. Uma Análise da Jurisprudência” in: “Scientia Iuridica”, Jan./Abril 2002, Tomo LI, n.º 292, págs. 51 e segs.; Dr. Pedro Gonçalves em “Apreciação do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio …” in: “Lusíada - Revista de Ciência e Cultura”, n.º 1, 1998, págs. 53 e segs.

).

Aliás a preocupação do legislador comunitário nesta sede revela-se logo nos próprios “considerandos” insertos na citada Directiva, pois, com efeito, constituem objectivos da mesma, como pode ler-se no seu preâmbulo, instituir mecanismos que garantam “(…) o respeito das disposições comunitárias, sobretudo numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas (…)”, no âmbito de matérias a que se reportam as Directivas 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativamente à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas e a Directiva 77/62/CEE, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento, no direito público.

E mais adiante pode ler-se que “(…) dada a brevidade dos processos de adjudicação dos contratos de direito público, as instâncias de recurso competentes devem nomeadamente estar habilitadas a tomar medidas provisórias para suspender um processo dessa natureza ou a execução de decisões eventualmente tomadas pela entidade adjudicante (...)”, ou ainda que “(…) É necessário assegurar que, em todos os Estados-membros, procedimentos apropriados permitam a anulação das decisões ilegais e a indemnização das...

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