Acórdão nº 01412/04.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDr. Carlos Lu
Data da Resolução14 de Abril de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO A… e P…, residentes no Bairro do Outeiro, bloco …, entrada …, casa …, Porto, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto – 2º Juízo, datada de 12/11/2004, que indeferiu a providência cautelar deduzida contra a “CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO”, na qual era peticionada a suspensão de eficácia do despacho do Vice-Presidente daquela edilidade de 22/04/2004 que determinou o despejo dos requerentes da casa …, da entrada …, bloco … do Bairro do Outeiro, no Porto.

Formulam, nas respectivas alegações (cfr. fls. 324 e segs.

), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) 1. A presente providência cautelar foi objecto de decisão de indeferimento porquanto no entender da Meritíssima Juiz a quo não se verificar o requisito do fumus boni iuris relativa à decisão da acção principal em relação à qual os presentes autos têm uma função instrumental.

  1. Tal decisão foi tomada sem que fossem ponderados os demais requisitos previstos no artº 120º do CPTA para a adopção da providência requerida in casu a suspensão do acto administrativo em crise (Despacho de 22.04.04 do Vereador do Pelouro da Habitação da CMP que determina o desalojamento da requerente e agregado familiar da casa onde aquela vive desde que nasceu).

  2. Em nosso entender deveria ter sido ponderada a verificação, ou não, de todos os requisitos exigidos por aquele normativo legal, ainda que a sua aplicabilidade seja cumulativa, porquanto os demais requisitos para além de resultar dos autos que se verificam no caso concreto, a entidade recorrida na sua contestação, não os impugnando, aceitou-os.

  3. E, sendo relevante para a decisão verificar se é evidente a procedência daquela acção (alínea a) do artº 120º do CPTA), tal juízo terá de ter em conta todo o teor do requerimento inicial, mormente, quanto à clara violação do direito, constitucionalmente consagrado, a uma habitação condigna (artº 65º da CRP) que aquele acto viola.

  4. Acto do qual, a proceder, resultam claramente danos irreversíveis e prejuízos irreparáveis para os recorrentes (e filha de tenra idade), os quais por se encontrarem numa situação economicamente deficitária não têm acesso a outra habitação que não de cariz social, o que os colocaria numa situação de facto consumado ficando literalmente a viver na rua até à decisão do processo principal.

  5. Por outro lado, se bem que os recorrentes, como se refere na decisão recorrida, não tenham expressamente referido a “evidência” da procedência da acção principal, a mesma resulta de todo o teor do requerimento inicial onde clara e inequivocamente alegam tal convicção, nomeadamente quanto à ilegalidade e nulidade do acto administrativo ora em crise.

  6. Caso em que, deveria desde logo ter procedido a presente providência, sem necessidade de aferir da verificação de qualquer outro requisito, pois ainda que as situações elencadas naquele preceito legal como pressupostos da adopção das providências cautelares sejam meramente exemplificativas, a sua verificação levaria desde logo à procedência dos autos.

  7. Mas o indeferimento da presente providência teve por fundamento a inexistência de fumus boni iuris relativamente à acção principal, ou seja, no entender da Meritíssima Juiz a quo a acção principal a intentar com base na nulidade do acto administrativo em crise será improcedente.

  8. No que concerne a tal juízo de probabilidade resulta do CPTA que este deve ter um grau de exigência menor se estivermos perante uma providência conservatória do que se estivermos perante uma providência antecipatória.

  9. No caso sub judice estamos perante uma providência conservatória, pelo que ainda que fosse objecto, como deveria sê-lo, de ponderação, a tal requisito não deveria ter sido atribuída a posição de único requisito ponderado (a menos que, como se disse, a Meritíssima Juiz a quo entendesse evidente a sua procedência), em detrimento dos restantes.

  10. Tendo sido imprimido demasiado rigor e certeza na análise do sucesso ou insucesso da acção principal, quanto formular tal juízo para além de constituir uma tarefa delicada e difícil, pode levar a uma decisão diferente daquela que a final vier a ser proferida na acção principal. Como aliás, salvo o devido respeito, em nosso entender, acontecerá no caso dos presentes autos...

  11. Posição aliás defendida na doutrina, nomeadamente por Mário Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Edições Almedina.

  12. Acresce dizer que, em nosso entender, a improcedência da acção principal não se verificará porquanto o acto administrativo ora em crise é um acto definitivo e executório, passível de impugnação, que enferma de nulidade, por violação de um direito constitucionalmente consagrado, como é o direito a uma habitação condigna (artº 65º da CRP).

  13. Entendeu-se na decisão a quo que o acto exequendo seria uma carta, assinada pela Chefe de Divisão, que foi enviada em 14.04.03 à recorrente mulher contendo um ofício onde se informa de que deveria entregar as chaves da habitação que ocupava. (junta no PA integrado nos autos).

  14. Ora, tal missiva não continha sequer a referência à existência de qualquer procedimento administrativo contra a recorrente naquela edilidade, nem por qualquer outra forma tal lhe havia sido comunicado a sua existência, não contendo a mesma a comunicação de uma decisão e como tal também não possuía qualquer referência ao direito de defesa previsto nos artº 100º e seguintes do CPA.

  15. Na mesma fazia-se referência a que lhe havia sido transmitido por três vezes, concretamente em 1987, 1996 e 2001 que não lhe assistia o direito à sucessão na titularidade do fogo, quando resulta do próprio PA junto aos autos que as duas primeiras foram realizadas na pessoa da sua avó, que nunca comunicou aos netos (onde se inclui a recorrente mulher) que as mesmas haviam ocorrido, e obviamente que uma vez que desconhecia o seu conteúdo as mesmas não podiam ter efeitos jurídicos na esfera da recorrente.

  16. O que também se aplica ao ano de 2001, pois como resulta dos autos, à mesma nada nesse sentido lhe foi comunicado ou notificado, pois a ter ocorrido teria de haver no PA prova da mesma, nomeadamente declaração devidamente assinada pela recorrente.

  17. Ademais, posteriormente em 21.11.03 foi enviado à recorrente mulher um “Projecto de Decisão” onde se refere que o sentido provável da mesma será o do desalojamento. (junto como doc. 18 do requerimento inicial).

  18. E só em 23.04.04 lhe foi enviada “Notificação de Decisão” na qual se refere concretamente que, conforme Despacho do Vereador do Pelouro da Habitação datado do 22.04.04 a decisão daquele processo é de desalojamento do fogo que ocupa. (junto como doc. 21 do requerimento inicial).

  19. Despacho esse que, em nosso entender, constitui acto exequendo cuja suspensão se requer nos presentes autos pelos motivos plasmados no requerimento inicial e não um mero acto confirmativo. (junto aos autos por requerimento de fls...).

(…).” O ente público demandado, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 353 e segs.

) nas quais sustenta, em suma, o improvimento do recurso.

O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146º e 147º ambos do CPTA veio a apresentar parecer inserto a fls. 378/379 no qual sustenta a improcedência do recurso.

As partes foram notificadas daquele parecer e apenas os recorrentes vieram responder pugnando pela procedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 383 e segs.

).

Sem vistos, dado o disposto no art. 36º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

*2.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 6ª edição, pág. 420 e segs.

).

As questões suscitadas pelos recorrentes resumem-se, em suma, a determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao rejeitar a providência cautelar peticionada violou ou não os arts. 120º, n.º 1, als. a) e b) do CPA e 65º da CRP [cfr. conclusões supra reproduzidas].

*3.

FUNDAMENTOS 3.1.

DE FACTO Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade: I) A casa n.º … sita no Bairro do Outeiro, bloco …, entrada …, no Porto foi concedida a título precário, pelos serviços da entidade requerida, a J…, em 10/12/1973, pelo alvará n.º … – cfr. documento de fls. 48 da fotocópia do processo administrativo ínsito nos autos.

II) Na sequência do óbito de J…, a viúva, A…, solicitou, em 06/07/1987, a transferência do referido alvará para seu nome – cfr. fls. 61 da fotocópia do processo administrativo ínsito nos autos.

III) Por decisão de 20/05/1988, foi autorizada a mudança do titular do alvará para o nome de A… – cfr. fls. 67 e 68 da fotocópia do processo administrativo ínsito nos autos.

IV) Dessa mesma decisão consta a seguinte nota: os netos pertencem ao agregado dos pais.

  1. Em 23/07/1987, A… declarou que com ela coabitavam dois netos, o J… e a A… (ora requerente), filhos da sua filha A… que reside em Azevedo de Campanhã – cfr. auto de declarações n.º 646/87 a fls. 66 da fotocópia do processo administrativo ínsito nos autos.

    VI) Nessa mesma data, A… foi informada que os netos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT