Acórdão nº 4302/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. BARRETO DO CARMO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

10 Acordam os Juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra: ______ O RECURSO: O presente recurso vem interposto pelo arguido A e refere-se à decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Lousã, que o condenou pela prática de um crime de incêndio, art. 272º/1/a)/f) do Código Penal na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Na motivação, diz nas conclusões: (Transcrição via scanner) a) o presente recurso, embora versando matéria de direito, tem, também, por fundamento a reapreciação da matéria de facto. Assim, b) o Tribunal Colectivo sustentou a condenação do ora recorrente pela prática do crime p. p. no art. 0 272, n.0 1, als a) e f) do CP nos depoimentos das testemunha B, C, D, E, F, G e das testemunhas indicadas pela defesa e do; documentos de fls.. 42, 44 a 52, 55, 71, 120 a 123 dos autos, como resulta do Acórdão recorrido, na parte relativa à fundamentação da convicção do Tribunal.

c) No caso concreto, o arguido não prestou declarações, nos termos do disposto no art. 343º do CPP, como resulta de fls.. 247 dos autos, pelo que, as declarações anteriormente prestadas por si não poderiam ser lidas.

d) Ora, da leitura conjugada dos art.0s 355º e 356º do CPP resulta que o Tribunal quo não pode valorar as provas contidas em actos processuais cuja leitura não seja permitida e, em especial, os órgãos de polícia criminal que tenham recebido declarações cuja leitura não é permitida não podem ser inquiridas, como testemunhas, sobre estes factos (cfr. Acórdão do STJ de 13.05.1992, 20.05.1992. 24.02.1993).

e) No caso concreto, é manifesto, dos depoimentos prestados por B (cf. cassete 1, lado A, desde O a 560), C (cf. cassete 1, lado A, desde 570 a 920), D (cf. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) e E (cf. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650), que estas testemunhas, no essencial, tinham conhecimento dos factos através de declarações do próprio arguido, prestadas em sede de inquérito.

f) Pelo que, tais depoimentos não podem ser valorados pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção.

g) Acresce que, das actas de julgamento de fls.. 239 e ss. e 247 e ss. não constam quaisquer dos elementos previstos no nº 8 do art. 356º do CPP, ou seja, não ficaram a consta qualquer permissão da leitura de autos, nem a sua justificação.

h) Assim, não pode este Venerando Tribunal deixar de decretar a nulidade da valoração de tais meios de prova, determinante do reenvio do Processo para novo Julgamento, com as legais consequências. Por outro lado e sem prescindir: i) o legislador português consagrou, para além do mais, o princípio da legalidade da prova, nos termos do art0 125º do CP.

j) Ora, de acordo com os presentes autos, as testemunhas B (cf. cassete 1, lado A, desde O a 560), C (cf. cassete 1, lado A, desde 570 a 920), D (cfr. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) e E (cfr. cassete 1, lado A, desde 925 a 1650) não têm conhecimento directo dos factos que são imputados ao ora recorrente, tendo-lhes sido narrados pela GNR, pela população — que lhes indicou o local de início do fogo, bem como quem seria o seu presumível causador - e pelo próprio arguido, em sede de inquérito.

k) Pelo que, tais testemunhos não podem servir como meio de prova, no caso concreto.

1) Assim, não pode este Venerando Tribunal deixar de declarar ter havido violação do princípio da legalidade da prova e, em consequência, decretar a sua nulidade, determinante do reenvio do Processo para novo Julgamento, com as legais consequências. Por outro Lado e sem prescindir: m) de acordo com o que já deixámos escrito e com a prova produzida em audiência de Julgamento, parece-nos manifesto que o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova, tendo incorrectamente julgado os pontos n.s0 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada.

n) Em especial, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação resulta, de forma clara, que nenhuma delas assistiu aos factos imputados ao arguido ou deles conhecesse directamente.

o) Aliás, as testemunhas H (cf. cassete 1, lado B, desde 80 a 1190) e I (cf. cassete 1, lado B, desde 1191 a 1728) referiram que nada viram o arguido a fazer.

p) Por outro lado, os depoimentos destas testemunhas são um repositório de presunções e de juízos conclusivos, resultantes do facto de terem visto o ora recorrente a correr do local onde, presumivelmente, se terá iniciado o incêndio, que não podem valer como meio de prova idóneo, urna vez que às testemunhas compete levar factos ao Tribunal, cabendo a este retirar conclusões.

q) Pelo que, ao dar como provado os pontos 1, 2, 3, 4, 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada cometeu o Tribunal a quo erro notório na apreciação da prova e, em consequência, deve considerar-se como não provada tal factualidade absolvendo-se o arguido com as legais consequências. Por outro lado e se prescindir: r) Face à apreciação que se veio de fazer da prova produzida em julgamento, não admissível que o Tribunal Colectivo não tenha, ao menos, ficado com fundadas dúvidas; s) dúvidas essas que, salvo o devido respeito, não poderão deixar de perpassar pela mente de quem, em sede de recurso, tem a missão de reapreciar a prova e decidir.

t) Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal Colectivo o princípio “i dubio pro reo”, articulado com o princípio da presunção de inocência, consagrado no art0 320 da CRP, o que não poderá deixar de determinar a revogação d Acórdão recorrido e, em consequência, a absolvição do recorrente. Por outro lado e sem prescindir: u) a entender-se manter a matéria de facto dada como provada — o que não se aceita só por necessidade de raciocínio se refere — sempre se dirá que a natureza do factos — atendendo que sempre seria um acto esporádico e ocasional -; personalidade do arguido — “É pessoa séria e honrada, com um comportamento social e familiar normal (..) e conceituado no meio em que se insere”, nos termo do Acórdão recorrido; a inexistência de antecedentes criminais; encontrando-se esposa desempregada e com um filho menor, de 3 anos de idade; e o facto de s encontrar em tratamento em Centro de Reabilitação, como resulta de fls .... do autos, parece-nos que, no caso concreto, é mais ajustada e mais consentânea com uma política criminal ressocializadora a aplicação do mínimo legal ( anos) e a suspensão da sua execução, com a eventual imposição de deveres ao arguido, ora recorrente, que este Venerando Tribunal julgar adequados. O que se requer.

v) Ao ter decidido como decidiu, violou o Acórdão recorrido, globalmente, o disposto, designadamente, nos arts 125º, 128º, 129º, 340º, 343º, 355º, 356º, 357º do CPP, no art. 272, nº 1, alíneas a) e f) do CP e no art. 32º da Constituição da República Portuguesa, nos precisos termos e com os fundamentos constantes das anteriores conclusões.

___ A RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA O Senhor Procurador adjunto, considera que deve ser mantida a sentença.

____ A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO Da decisão recorrida, retira-se: (Transcrição de suporte em disquete) (...) Factos Provados: 1. No dia 14 de Julho de 2002 (Domingo), pelas 17 h e 20 m, o arguido depois de ter ido levar a sua esposa e o filho a casa da sua sogra, à povoação de Porto da Pedra, Lousã, na viatura automóvel de matrícula XX, propriedade do seu pai, regressou à zona de Serpins.

  1. Depois de passar as povoações de Covão e de Sobreira e um fontanário estacionou o veículo automóvel do lado direito da estrada, no lugar conhecido por Covão, Vilarinho, área desta comarca.

  2. Saiu do carro e caminhou por uma estrada de terra batida, cerca de 100 metros, munido de um isqueiro e junto de um castanheiro, onde se encontrava mato, fenos secos e giestas, no talude superior do caminho...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT