Acórdão nº 3491/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. RUI BARREIROS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de agravo nº 3491/03, vindo do 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Aveiro (acção de venda de objectos perdidos a favor do Estado nº 37/84/03.0): I – Relatório.

  1. No Tribunal Judicial da comarca de Aveiro, o Ministério Público, em representação do Estado, requereu ao Juiz de Direito dos Juízes Cíveis que se ordenasse a venda judicial de um veículo declarado perdido a favor do Estado.

  2. Recebido o processo, o Sr. Juiz indeferiu liminarmente a petição inicial, por falta de um pressuposto processual inominado - interesse em agir -.

  3. Deste despacho, recorre o requerente, produzindo as seguintes conclusões: 3.1. A legitimidade e o interesse em agir do Ministério Público, em representação do Estado, para intentar a presente acção, advém-lhe dos comandos normativos do Decreto n° 12487 de 14.10.26 e da Portaria n° 10725 de 12.08.44, que se encontram em vigor, bem como do disposto no art. 10° nº 2 do D.L. 31/85.

    3.2. Diplomas que conferem legitimidade ao Ministério Público apenas para promover a venda judicial dos objectos declarados perdidos a favor do Estado e prescritos a favor da Fazenda Nacional e não para a ordenar ou efectivar.

    ...

    II – Fundamentação.

  4. A questão colocada é unicamente de direito, não havendo factos a considerar para além dos que já constam do relatório. Trata-se de saber se a venda de objectos já declarados perdidos a favor do Estado exige a tramitação de um processo judicial autónomo, para esse fim.

    6.1. Em 17 de Dezembro de 2002, foi proferido um Acórdão, na 1ª Secção cível deste Tribunal, no qual se decidiu negativamente relativamente à procedência de pedido igual ao que é objecto deste recurso. Nele se afirma que «nada impede o Representante do Estado de promover a venda dos bens deste, sem carecer, para o efeito, de tutela jurisdicional, lavrando o respectivo auto na secretaria e remetendo o produto da venda ao departamento estadual competente. O fundamento de tal decisão foi a falta do pressuposto processual inominado falta de interesse em agir. A decisão da primeira instância indeferira liminarmente a referida pretensão, por se ter considerado o Tribunal cível absolutamente incompetente para conhecer do processo, «por entender que o procedimento em questão cai no âmbito das matérias distribuídas, por lei, às Varas com competência Criminal, aos Juízes Criminais e ao Tribunal de Instrução Criminal, pelas seguintes razões: …»; os objectos a vender tinham sido apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado em processos criminais C.J. XXVII, 5, págs. 33 e 34.

    .

    Esta decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça: «os actos de venda de objectos declarados perdidos a favor do Estado, nos termos da Portaria n.º 10.725, de 12-08-44 e DL n.º 12.487, de 14-10-26, não têm natureza jurisdicional, devendo desenrolar-se burocraticamente nas secretarias judiciais, não se justificando a intervenção do tribunal cível (em comarca com competências especializadas crime e cível), para decidir a venda promovida pelo Ministério Público, sendo de confirmar o aresto da Relação que entendeu ocorrer falta de interesse em agir por parte do Ministério Público» Acórdão de 29 de Abril de 2003 (Agravo nº 1059/03 - 6.ª Secção, in www.stj.pt).

    .

    6.2. Estamos de acordo com a solução dada à questão, embora aderindo ao fundamento invocado pelo STJ. Pensamos que não se trata de uma questão de falta de interesse em agir, nem, mesmo, de competência material.

    6.2.1. À parte a questão de saber se o interesse em agir é pressuposto processual exigido pela nossa lei - o que é negado pelo Sr. Professor João de Castro Mendes Direito Processual Civil, Apontamentos das Lições, 1978/79, A.A.F.D.U.L., vol. II, págs. 187 e ss.

    -, a questão está em que, se é necessário vender um bem e há um processo para o fazer no qual o Mº Pº tem uma função a desempenhar, então, quando ele decide exercê-la, tem interesse quando formula essa sua pretensão. O interesse em agir pressupõe a invocação de um direito ou um interesse e da necessidade de recorrer ao processo para o tutelar Professor João de Castro Mendes, obra e volume citados, pág. 187.

    ; conforme ensina o Sr. Professor Manuel de Andrade, o interesse em agir «consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 79. Professor Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1982, vol. II, pág. 251.

    . Ora, o requerente invoca um dever de vender bens e a necessidade de seguir determinado processo para o fazer. Antes desta questão, podem colocar-se outros vícios de maior abrangência, conforme resulta da ordem estabelecida nos artigos 288º e 510º do Código de Processo Civil (CPC), de tal forma que já nem se chegue à ponderação deste requisito. A partir daí, podem surgir outros, incluindo questões de fundo, como por exemplo, a inexistência do direito. Agora, focando a questão do interesse, unicamente, parece que o Mº Pº tem interesse e necessidade de promover a venda dos bens pertencentes ao Estado.

    De qualquer maneira, nunca a petição poderia ser indeferida liminarmente por falta de interesse em agir, por se tratar de pressuposto processual que não é de conhecimento oficioso Dr. Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, AAFDL, 1989, págs. 37 a 39. A não ser que se considere o interesse em agir uma condição da acção, como o Sr. Professor Manuel de Andrade admite, contrariamente ao Sr. Professor Anselmo de Castro.

    .

    6.2.2. E também não se trata de uma questão de competência material.

    A competência material tem a ver com a delimitação da actividade dos diversos tribunais quando confrontados entre si Professor Manuel de Andrade, obra citada, pág. 89.

    . Foi à luz deste conceito e critério que a decisão sob recurso no processo da 1ª Secção deste Tribunal, acima referida, tinha encarado o problema: tendo o Mº Pº intentado a acção no tribunal cível, o respectivo juiz entendeu que a competência pertencia ao tribunal criminal.

    Ora, a questão há-de pôr-se, não em termos de delimitação interna do poder jurisdicional atribuído aos diversos tribunais, mas do poder jurisdicional atribuído em conjunto aos tribunais cf. a distinção na obra e local referidos na nota anterior.

    ; é uma questão de...

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