Acórdão nº 698/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. OLIVEIRA MENDES
Data da Resolução24 de Setembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso n.º 698/03 *** Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum singular n.º 82/00, do Tribunal Judicial da comarca de Vagos, após o contraditório foi proferida sentença que absolveu o arguido Rui Miguel R...

, com os sinais dos autos, do crime de difamação previsto e punível pelos arts.180º, n.º1, 183º, n.ºs 1, al.

  1. e 2 e 184º, do Código Penal, e 30º e 31º, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro.

    Mais foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente Carlos Fernando R...

    contra o arguido e João dos S...

    .

    O assistente interpôs recurso da sentença, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da motivação apresentada: 1. Pelas razões aduzidas no ponto 1 desta motivação, a matéria de facto dada como provada é insuficiente para uma boa decisão da causa.

    1. A sentença recorrida deveria ter dado como provado que o terreno preterido, apesar de maior e mais barato era menos valioso do que o terreno preferido.

    2. Deveria também ter dado como provado que o terreno escolhido era mais valioso do que o preterido e estava melhor situado que este, bem como o terreno preterido se situava em área da reserva agrícola nacional e não se localizava no centro da freguesia.

    3. Deveria também ter dado como provado que se fosse escolhido o terreno preterido, a autarquia teria de gastar mais de 20 mil contos em obras de infra-estruturas, nomeadamente pavimentação e iluminação dos acessos ao terreno preterido.

    4. Deveria também ter dado como provado que o contrato de compra e venda do terreno não foi uma decisão do assistente mas sim uma deliberação da Câmara Municipal.

    5. Deveria ter dado como provado que não houve pagamento/recebimento de qualquer comissão – «choruda» ou não, por parte de algum amigo do assistente.

    6. Deveria ter dado como provado que o proprietário do terreno adquirido pela Câmara era sobrinho da pessoa que tratou da sua venda, ou seja, do tal «grande amigo» do assistente.

    7. Deveria ainda ter dado como provado que o arguido participou nas reuniões da Câmara Municipal onde o assunto foi discutido e onde foram explicadas as razões por que se optou pelo terreno mais pequeno e, aparentemente, mais caro.

    8. Deveria, por fim, ter dado como provado que o arguido sabia ou tinha obrigação de saber que o terreno escolhido era mais valioso que o terreno preterido e que se a opção caísse sobre este último, a autarquia gastaria a mais cerca de 20.000 contos em infra-estruturas.

    9. A não consideração destes factos na sentença recorrida impediu que fosse aplicada ao caso sub specie o estatuído nos arts.180º, n.º 4 e 183º, n.º1, al.

      b), do Código Penal.

    10. A não consideração desses factos na sentença recorrida permitiu ao tribunal a quo concluir pela inexistência de comportamento calunioso, quando se fossem dados como provados o tribunal teria de chegar a essa conclusão.

    11. A sentença recorrida não ponderou devidamente todas as circunstâncias relevantes do artigo em causa, nomeadamente, as insinuações, as ironias, a articulação insidiosa de factos falsos, tudo (como preço e dimensão dos terrenos), com factos falsos, tudo para fazer com que se concluísse um facto calunioso (o prejuízo do Município para benefício de «um grande amigo» do assistente).

    12. A sentença ignorou que o arguido imputou ao assistente todos os elementos típicos do crime de participação económica em negócio previsto no art.377º, do Código Penal e no art.23º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.

    13. Pelos fundamentos alegados no ponto 3 da motivação a sentença recorrida não procedeu a uma correcta distinção entre o direito de expressão em sentido amplo e o direito de informação, originando um inadequado enquadramento jurídico dos factos típicos e uma errada aplicação do direito.

    14. Por esse facto, não foram extraídas todas as consequências jurídicas da circunstância de o arguido não ter logrado fazer prova da verdade dos factos ofensivos que imputara ao assistente nem fazer a demonstração de que tinha fundamentos sérios para em boa fé os considerar verdadeiros.

    15. Dessa forma se violou o disposto nos arts.180º, n.º 2, al.

  2. e 183º, n.º1, al.

    b), do CP.

    1. Há na sentença recorrida e pelos motivos que se desenvolveram no ponto 4 da motivação, manifesta contradição entre alguns dos factos provados e as conclusões em que assenta a decisão absolutória.

    2. Tal contradição ressalta do cotejo entre os pontos 5, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos provados e as conclusões vertidas a fls.12, linhas 25 e sgs.; a fls.13, linhas 6 e sgs., linhas 12 e sgs., linhas 20 e sgs., linhas 25 e sgs., linhas 28 e sgs.; a fls. 14, linhas 7 e sgs. e linhas 10 e 11 da sentença.

    3. O cerne do carácter ofensivo e calunioso do artigo do arguido não reside na imputação de discriminação política, mas sim, precisamente, na parte que foi ignorada na sentença recorrida, ou seja, reside na afirmação/imputação de que «O presidente da autarquia, por pura coincidência, escolheu um terreno mais pequeno, mais caro e cujo procurador do proprietário é um grande amigo seu»! Reafirma-se, por pura coincidência (os sublinhados não estão no texto do arguido).

    4. Uma tal afirmação/imputação não assume qualquer relevância no contexto do direito de crítica que a sentença recorrida enalteceu, mas teve unicamente como objectivo ofender a honra pessoal e funcional do assistente e lançar «suspeitas desonrosas» sobre a sua pessoa.

    5. A sentença recorrida desvalorizou em termos manifestamente excessivos a honra funcional do assistente e não relevou as ofensas à sua honra pessoal.

    6. A sentença recorrida ao absolver o arguido violou as seguintes normas: - arts.180º, n.ºs 1, 2, al.

    b), 4, 183º, n.ºs 1, al.

  3. e 2 e 184º; - 25º, n.º1, 26º, n.º1, 20º, n.ºs 4 r 5, 18º, n.º 2 da CRP, os quais são directamente aplicáveis e vinculam o tribunal a quo.

    1. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido como autor material de um crime de calúnia, ou então como autor material de um crime de difamação com todas as consequências legais daí provenientes, nomeadamente em sede de responsabilidade civil.

    O recurso foi admitido.

    Responderam Ministério Público, arguido/demandado e demandado João dos S..., pugnado pela confirmação da sentença impugnada, sendo do seguinte teor o segmento final da contra-motivação apresentada pelo arguido/demandado: Com o seu artigo aqui em causa, o arguido quis criticar – e criticou vivamente – determinada conduta do assistente, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Vagos.

    Designadamente escreveu que o assistente atrasou, longo tempo a decisão de adquirir os terrenos necessários à realização de um projecto de uma Junta de Freguesia (o que prova documentalmente) e manifesta suspeita de que esse atraso encontrou a sua explicação no facto de se tratar de uma Junta afecta ao PSD.

    No mesmo texto, o arguido, preocupou-se em demonstrar a inconsistência dos argumentos com que o assistente “estranhamente acompanhado pelos seus vereadores” procurou justificar a opção tomada, de comparar outro terreno, muito mais pequeno e muito mais caro – inconsistência flagrante que o assistente não podia deixar de conhecer.

    Sublinhou, é certo, a circunstância de no negócio efectivamente realizado ter servido de intermediário um amigo e correligionário político do, então Presidente da Câmara, que terá recebido a adequada e habitual comissão, no negócio.

    É evidente que esta referência às particulares relações entre o autarca e o intermediário comporta uma apreciação negativa desta cumplicidade (para não dizer promiscuidade) e tem subjacente alguma suspeição.

    Só que esta suspeição não pode deixar de se considerar compreensível e justificada no arguido, que ouviu o próprio assistente referir a “comissão do Leonel” e que tinha a informação de que o negócio foi feito por mais quinhentos contos do que o pedido pelo dono do terreno.

    Todavia, em parte alguma do seu texto, o arguido afirma, sugere ou sequer deixa subentendido que, quer o dono do terreno, quer o seu representante auferiam qualquer vantagem económica ilegítima, designadamente à custa dos dinheiros do município.

    Quanto a um, o texto deixa entender que o terreno foi mais caro por se tratar de terreno urbano.

    Quanto a outro, houve o cuidado de, expressamente, se declarar a legitimidade da eventual comissão recebida, o que exclui a possibilidade de ter sido paga pela Câmara. Ou seja, o que no seu artigo, o arguido quis criticar foi uma actuação do assistente, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Vagos que se traduziu num dispêndio desnecessário de dinheiros públicos, na aquisição de um terreno mal adequado aos fins a que se destinava, num estilo de fazer política chamando à ribalta os seus correligionários, à custa das ideias dos adversários e, porque não, o gosto preferencial de fazer negócios da autarquia com um amigo e camarada de lides partidárias, numa cumplicidade poço saudável que proporcionou a este um ganho extra a que, todavia, “tinha direito, diga-se” (sic).

    O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual também se pronuncia no sentido da improcedência do recurso.

    Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre agora decidir.

    *** Começando por delimitar o objecto do recurso, o qual nos é dado pelas conclusões extraídas da motivação apresentada, verifica-se que o recorrente submete à nossa apreciação e julgamento as seguintes questões, questões que aliás enumerou na...

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