Acórdão nº 3204/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução22 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A..., divorciado, industrial, residente na Rua Direita, Povo Novo, Aranhas, concelho de Penamacor, propôs a presente acção, com processo ordinário, contra B...

, viúva, industrial, com domicílio profissional, no Café Triângulo, sito na Rua Alexandre Herculano, nº 1, em Albergaria-a-Velha, pedindo que, na sua procedência, se condene a ré a reconhecer ao autor o direito de propriedade sobre o prédio rústico infradiscriminado, declarando-se a posse da ré sobre o mesmo, insubsistente, ilegal e de má fé, condenando-se esta a demolir o prédio que ali construiu, bem como a restituí-lo ao autor, no estado em que se encontrava antes da construção do prédio urbano, e ordenando-se o cancelamento de qualquer registo que, em relação ao mesmo terreno ou à casa nele construída tenha sido feito, a favor da ré, alegando, para o efeito, e, em síntese, que adquiriu o prédio em causa, cujo direito de propriedade fez registar a seu favor, e, além disso, a aquisição originária, sendo certo que a ré iniciou a construção de uma edificação sobre o aludido prédio, há cerca de oito anos, vindo, posteriormente, a ocupar a totalidade do prédio.

Na contestação, a ré alega que, sendo embora o autor o proprietário do prédio em causa, adquiriu-o, porém, para que aquela primeira pudesse ali construir a sua casa, na sequência do relacionamento amoroso que, então, os ligava, o que veio a fazer, com a anuência do autor, que acompanhou tais obras e para elas chegou a contribuir, tendo, por fim, desanexado uma parcela de 1490 m2 desse mesmo prédio, e que, após a separação de ambos, em 1992, encetaram negociações para que a ré pudesse adquirir a parte do prédio em que havia construído a sua casa, pretendendo o autor vender a totalidade do mesmo.

Em reconvenção, a ré pede a condenação do autor a reconhecer que adquiriu, por incorporação, a aludida parcela de terreno, mediante o pagamento da quantia de 1.495.960S00, ou, em alternativa, a reconhecer que aquela adquiriu a totalidade do prédio, mediante o pagamento da quantia de 4.800.000$00, alegando, como fundamento, que foi este último valor o preço pago pelo autor pela aquisição do prédio em causa, sobre o qual permitiu que a ré implantasse a sua casa, suportando esta todos os encargos, acabando por desanexar a parcela de 1.490 m2, que deu lugar a um novo prédio, inscrito, matricialmente, a seu favor.

Na réplica, o autor invoca que, sendo certo que não se opôs à construção levada a cabo pela ré, por esta ter prometido que o indemnizaria, tal não veio a acontecer, pelo que deve improceder essa mesma pretensão, mas, caso assim se não entenda, porquanto a parte ocupada pela ré foi de 1.490 m2, com o valor de 5.000.000$00, à data do início das obras mencionadas, deve esta ser condenada a pagar-lhe tal quantia, fazendo sua essa mesma área.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, condenou a ré a reconhecer que o autor é o titular do direito de propriedade que incide sobre o prédio infradiscriminado, com excepção da parcela de 1.490 m2, ocupada por esta última, absolvendo a ré do mais peticionado, e o pedido reconvencional, procedente por provado, condenando o autor a reconhecer que a ré adquiriu, por incorporação, a aludida parcela de terreno, desanexada daquele prédio rústico, inscrito este na matriz predial, sob o artigo 5.442°, da freguesia de Albergaria-a-Velha, e descrito na Conservatória do Registo Predial desta mesma localidade, sob o n°30052, mediante o pagamento da quantia, equivalente em euros, a 1495.960$00, condenando, por fim, o autor, como litigante de má fé, numa indemnização, a favor da ré, no montante de 1.000 €, e, em igual importância, a título de multa.

Desta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª – A resposta dada ao artigo 13° da base instrutória deve ser corrigida para: provado apenas que actualmente vale o correspondente a 6.000$00, entendendo-se tal como o valor do metro quadrado do terreno do prédio identificado na alínea A) dos factos assentes.

  1. - Tendo tal quesito sido extraído dos factos alegados pelo recorrente, designadamente do artigo 13° da réplica onde se alude ao preço do metro quadrado de terreno e isso na sequência de anteriores artigos do mesmo articulado onde se alega preços por metro quadrado, não pode o mesmo quesito referir-se a outra matéria.

  2. - Importa apurar o valor actual do terreno ocupado pela ré, e tal valor é necessariamente maior que o valor em 1991. A peritagem demonstrou-o e as testemunhas, no dizer da própria fundamentação da decisão da matéria de facto também. Mesmo que a peritagem o não tivesse demonstrado sempre se deveria proceder à actualização dos valores de 1991 em função da depreciação da moeda e da inflação.

  3. - A resposta aos artigos 4o e 5o da base instrutória deve ser corrigida de molde a que não conste como provado que "actualmente" o valor por metro quadrado do terreno é de 1.004$00 e sendo o valor (actual) do terreno ocupado pela construção e logradouro de 1.495.960$00, pois tal está em frontal contradição com a demais matéria provada, nomeadamente a matéria constante dos quesitos 11° e 13° e com a fundamentação da decisão que remete para meios de prova, designadamente a peritagem, que nos apontam para valores opostos. Ou seja, os meios de prova em que a decisão se apoia indicam que o preço, actualmente, quer do metro quadrado quer do terreno, é muito superior aos preços de 1991.

  4. - Caso se reconheça que a ré tem direito à acessão o valor a pagar pelo terreno que ocupou teria de ser um valor actual, calculado à data de hoje e não à data do início das obras. A não ser assim violar-se-ia o artigo 1340° do CC e bem como os princípios constitucionais contidos nos artigos 62° e 13° da CRP.

  5. - Para além de ser uma interpretação inconstitucional do artigo 1340° considerar-se que o preço a pagar seria o preço calculado à data da edificação tal constituiria um abuso de direito, pois não obstante a ré poder invocar o seu direito à acessão já, segundo a sua versão, desde 1991 apenas o veio a fazer onze anos mais tarde durante os quais gratuitamente usou um terreno que bem sabia lhe não pertencer.

  6. - Existe uma manifesta contradição entre as respostas aos quesitos 4o e 5o e as respostas aos quesitos 11o e 13°, pois nestes últimos se reconhece que o preço por metro quadrado era já em 1991 superior a 1.004$00 e em 2002 era de 6.000$00. Não obstante nos quesitos 4o e 5° deu-se por provado que o valor do terreno era o mesmo em 1991 e actualmente.

  7. - A douta sentença é nula nos termos do artigo 668°-1-d) pois que parte do pressuposto que actualmente o prédio na sua totalidade vale o correspondente a 6.000.000$00 reportando tal matéria de facto ao quesito 13°, quando este quesito não contem esta matéria e nenhuma das partes sequer a alegou.

  8. - Para que a ré possa ter direito reconhecido à acessão necessita de provar que o valor das obras era superior ao valor do prédio. No entanto apenas alegou qual o valor do metro quadrado de terreno. Ora, o terreno é uma das componentes do prédio. Sabendo que no prédio havia árvores e que até parte delas foram cortadas pela ré não é possível apurar qual o valor do prédio socorrendo-nos apenas do valor do metro quadrado de terreno, pelo que a reconvenção não poderia ser julgada procedente.

  9. - Acresce que sempre a ré teria de provar a sua boa-fé aquando da realização das obras. Ora, pelo menos em 1992 a ré foi informada que o dono do terreno pretendia ou que lhe fosse pago um valor a acordar pelo terreno ou comprar as edificações aí existentes. Tais edificações, então, não ultrapassavam os 14.000.000$00. Assim, tudo quanto se edificou após tal data não foi construído de boa-fé, pelo que não pode entrar no cálculo previsto no artigo 1340° do CC.

    Também por tal se deverá esclarecer a resposta ao quesito 2o no sentido de que o incentivo, consentimento e autorização do autor apenas se verificou até 1992.

  10. - O recorrente não devia ter sido condenado como litigante de má-fé pois que não ocultou os factos que lhe competia alegar. Apesar de não ter provado alguns dos factos que alegara, tal não significa que esses factos não fossem verdadeiros, só que apenas se não provaram. Acresce que a decisão, nesta parte, não está fundamentada, pois não indica quais os factos que o recorrente procurou ocultar e distorcer, pelo que sempre seria nula nos termos do artigo 668° 1-b) do CPC.

    Nas suas contra-alegações, a ré entende que a sentença recorrida não violou quaisquer preceitos legais, aplicando, correctamente, o direito aos factos, devendo, pois, manter-se, na sua totalidade.

    Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

    As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – A questão da nulidade da sentença.

    II - A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    III - A questão do reconhecimento do direito à acessão.

    IV – A questão da condenação em litigância de má fé.

    I DA NULIDADE DA SENTENÇA Defende o autor que a sentença é nula, porquanto existe uma manifesta contradição entre as respostas aos quesitos 4o e 5o e as respostas aos quesitos 11o e 13°, pois que, nestes últimos, se reconhece que o preço, por metro quadrado, era, já em 1991, superior a 1.004$00 e, em 2002, de 6.000$00, não...

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