Acórdão nº 1154/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2006 (caso NULL)

Data21 Junho 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I – Relatório.

1.1. Submetida a julgamento, após pronúncia pela alegada autoria material consumada de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 454/91, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Setembro, a arguida A..., melhor identificada mormente a fls. 755, acabou absolvida da prática do ilícito assim apontado.

1.2. Irresignada com tal veredicto dele interpôs recurso a assistente B..., o qual, depois de devidamente motivado, contém o quadro de conclusões seguintes visando obter a condenação da recorrida: 1.2.1. No momento da outorga do acordo celebrado nos termos do artigo 882.º do Código de Processo Civil [CPC], no âmbito do Processo Executivo n.º 563/00 do 1.º Juízo Cível de Loulé, a arguida reconheceu e aceitou a existência de uma divida, e, após a entrega de um requerimento com o respectivo plano de pagamento em anexo, ficou absolutamente ciente quer da redução/fixação da quantia exequenda, quer dos direitos e obrigações que adquiria e assumia (“pacta sunt servanda”), procedendo à novação de outra anterior quantia exequenda, que ficava substituída pela ora acordada entre as partes (artigos 857.º; 859.º e 862.º, todos do Código Civil [CC]).

1.2.2. Por sua livre vontade, exequente (assistente) e executada (arguida), alteraram a causa de pedir, o pedido, e, consequentemente, o título executivo originário.

1.2.3. No mesmo acordo estão expressamente ínsitas a novação, redução e fixação da quantia exequenda, o que constitui uma verdadeira confissão expressa de dívida por parte da executada (arguida) e a substituição da obrigação exequenda originária (cfr. artigos 293.º; 294.º e 300.º do CPC e 857.º; 859.º e 862.º do CC).

1.2.4. Como consequência da citada novação, redução e fixação da quantia exequenda, e, sobretudo, visando evitar a remoção de bens, a arguida entregou à assistente no dia 12 de Julho de 2001, o cheque n.º 8567019824 sobre o Banco Comercial Português, em causa nos presentes autos, no montante (então) de 10.000.000 Esc.

1.2.5. Com efeito, como consta dos factos provados em audiência de julgamento, tendo por base relações comerciais anteriores entre arguida e assistente, das quais resultava uma dívida superior a Esc. 55.000.000$00, a assistente sofreu prejuízo patrimonial, desde logo, quando reduziu o montante da quantia peticionada na Acção Executiva, na convicção de que imediatamente receberia o montante de Esc. 10.000.000$00, titulado pelo cheque.

1.2.6. Na sequência da emissão do cheque constante dos autos, a assistente teve elevados prejuízos e padece de uma situação financeira paupérrima.

1.2.7. Destinando-se o cheque ao pagamento parcial da quantia exequenda, a assistente tem o direito de receber o valor desse cheque, não simplesmente porque é dele portadora, mas porque tinha e tem a posição de credora na relação jurídica que subjaz à emissão do cheque e que este se destinou a satisfazer.

1.2.8. Foram perfeitamente preenchidos pela conduta da arguida todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, mormente a existência de uma relação patrimonial homologada judicialmente que subjaz à emissão cartular, bem como elemento prejuízo patrimonial.

1.2.9. Pois, apesar do acordo de pagamento ter sido apenas parcialmente homologado, a relação obrigacional subjacente à emissão do cheque existe validamente, o crédito nele titulado encontrava-se vencido e era exigível na data da sua entrega, alicerçando-se a emissão do titulo cartular na divida novada, reconhecida e confessada pela arguida na parte que o citado acordo foi validado (homologado) pelo Ex.mo Juiz de Loulé.

1.2.10. A emissão do referido cheque pela arguida, representou, em termos monetários, a assunção válida de uma dívida própria desta para ser cumprida na data da emissão e entrega desse titulo, sendo que, o cheque funciona como meio de pagamento imediato da relação que lhe está subjacente.

1.2.11. Em consequência, ante a verificada falta de provisão, a conduta da emitente do cheque lesou interesses patrimoniais da assistente enquanto tomadora, interesses esses legitimamente constituídos.

1.2.12. Sendo que, a mera frustração do crédito pelo tomador do cheque apresentado a pagamento gera, no seu património, um prejuízo patrimonial.

1.2.13. A homologação parcial da transacção efectuada na acção cível ocorreu após o incumprimento por parte da arguida, razão pela qual se restringiu à fixação e redução da quantia exequenda, mostrando-se, por isso, prejudicado nos demais pontos.

1.2.14. Pelo que, a relação negocial da qual emergiu a obrigação de efectuar o pagamento do montante titulado pelo cheque em causa preexistiu à homologação do acordo para suspensão da instância executiva, sendo que o crédito titulado nesse titulo era válido e exigível.

1.2.15. Mostrando-se, consequentemente, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em análise por parte da arguida.

1.2.16. Atentos os factos, deveria a arguida ter sido efectivamente condenada em primeira instância, pela prática, como autora material, do assacado crime de emissão de cheque sem provisão.

1.3. Admitido o recurso, notificados para o efeito, responderam a arguida sustentando a manutenção do decidido e o Ministério Público, em contrário, sufragando a sua alteração nos moldes peticionados pela recorrente.

1.4. Remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente à subsistência do decidido na 1.ª instância.

Cumpriu-se com o disposto pelo artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal [CPP].

No exame a que alude o n.º 3 de igual preceito consignou-se que nada obstava ao conhecimento de meritis.

Colhidos os vistos dos M.mos Adjuntos, seguiram os autos para realização de audiência, a qual se processou nos termos do artigo 423.º do último diploma indicado.

Cabe, então apreciar.

*II – Fundamentação de facto.

2.1. A matéria de facto emergente como provada na decisão recorrida é a seguinte: 2.1.1. No âmbito das relações comerciais existentes entre B..., e a arguida, esta contraiu junto daquela empresa uma dívida de montante superior a € 274.338,84, em virtude da aquisição de diversos materiais e equipamentos com que esta equipou a discoteca Princess of Night, que explorava.

2.1.2. A fim de obter o pagamento da referida dívida, B..., instaurou, contra a arguida, uma acção executiva que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Loulé com o n.º 563/00.

2.1.3. No âmbito da aludida acção, foi determinada a realização da penhora dos bens existentes no estabelecimento comercial da arguida com efectiva apreensão e remoção daqueles bens.

2.1.4. Tal penhora foi designada para o dia 12 de Julho de 2001, pelas 13.30 horas.

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