Acórdão nº 1257/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DR. HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 18 de Maio de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: BB e mulher CC propuseram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra DD, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a reconhecer os autores como donos e legítimos proprietários do prédio, sito na EE, freguesia e concelho de Leiria, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 1174, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n.º 68045, folhas 198 verso, do livro B-186, a restituir e entregar, imediatamente, aos autores o primeiro andar direito do referido prédio, inteiramente, livre de pessoas e bens, e, em bom estado de conservação, e, finalmente, a pagar, a título de indemnização pela ocupação do andar, a quantia de cem mil escudos mensais, a contar de 1 de Outubro de 2000 e até efectiva restituição do mesmo, sendo que se encontrava já vencida, na data em que foi proposta a acção, a quantia global de duzentos mil escudos, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, por acordo verbal, celebrado em 1 de Novembro de 1973, deram de arrendamento ao Dr. FF o primeiro andar do referido prédio, destinado a consultório médico, tendo este, mais tarde, subarrendado ao réu uma sala do mesmo, não obstante os autores sempre receberam a renda daquele, com quem sempre trataram de todas as questões respeitantes ao arrendamento, emitindo em nome do mesmo os recibos de renda.
Em 23 de Setembro de 2000, o Dr. FF comunicou aos autores a rescisão do contrato e, em 30 de Setembro seguinte, entregou-lhes as chaves do andar, tendo-se o réu recusado a desocupar a fracção, apesar de contactado pelo autor, para o efeito, arrogando-se a qualidade de inquilino, pretendendo efectuar o pagamento da renda pelo valor de 21.665$00, correspondente à última mensalidade paga pelo inquilino, Dr. FF.
Acrescentam os autores que o subarrendamento caducou com a entrega do locado pelo respectivo inquilino e, não tendo o réu desocupado o andar, está obrigado a indemnizar os autores pelo prejuízo sofrido, atendendo ao facto daquele ter um valor locativo não inferior a cem mil escudos.
Na contestação, o réu alega, além do mais, que o Dr. GG era o inquilino do andar, desde 1 de Novembro de 1973 e até quando este se ausentou para exercer a sua medicina em Lisboa, tendo, então, o réu ocupado o seu lugar, com a permissão dos autores, comparticipando nas despesas, na mesma proporção em que o fazia o referido GG, incluindo o pagamento das rendas, tendo sido com os autores que o réu e o Dr. FF falaram, para que aquele ocupasse a parte vaga do andar.
Porém, acrescenta, desde 1973 nunca teve a qualidade de sub-inquilino, mas sim de co-inquilino, com conhecimento e consentimento dos autores, sendo certo que, desde 1998, data em que o Dr. FF adoeceu e ficou incapacitado para o exercício da medicina, o réu, com o conhecimento e consentimento dos autores, vem pagando a totalidade da renda, apesar da emissão dos recibos, em nome daquele.
Em reconvenção, alega a realização de benfeitorias, com as quais despendeu 250.000$00, mas que importariam agora, entre 3.000.000$00 a 5.000.000$00, a considerar, em caso de procedência da pretensão dos autores, devendo estes ser condenados a pagar-lhe a quantia de 3.000.000$00, a título de indemnização por benfeitorias.
Na réplica, os autores impugnam a matéria alegada pelo réu, na contestação-reconvenção, e refutam o alegado conhecimento, quanto às obras que o mesmo diz ter realizado.
A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido e, em consequência, julgou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional formulado pelo réu, absolvendo, relativamente a este, os autores da instância.
Porém, condenou os autores no pagamento de uma multa correspondente a oito unidades de conta, como litigantes de má fé.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - Por acordo verbal, os autores, a partir de 1 de Novembro de 1973, deram de arrendamento a FF, médico, o primeiro andar direito do prédio urbano de que são proprietários, sito na Rua João de deus, nº 25, em Leiria.
2ª - Em data anterior a 1 de Novembro de 1973, pelo menos desde 1966, já o Dr. FF ocupava uma parte do locado, na situação de subarrendatário de GG, também médico de profissão.
3ª - Em data que não foi possível apurar do ano de 1974, o Dr. FF, com autorização dos autores, cedeu o uso e fruição de uma sala do primeiro andar ao também médico Manuel Costa Pereira, aqui réu.
4ª - A retribuição (renda) acordada entre o Dr. FF e o réu era a correspondente a 60% do valor da renda devida aos autores.
5ª - As rendas eram habitualmente liquidadas por funcionários simultaneamente do Dr. FF e do réu, a um funcionário do autor marido.
6ª - O réu nunca teve qualquer contacto com os autores com respeito a arrendamento, rendas, obras ou outras questões inerentes ao locado.
7ª - Os recibos de renda sempre foram emitidos em nome do arrendatário FF.
8ª - O réu nunca foi reconhecido pelos autores como seu inquilino, nem esta questão se colocou até Setembro de 2000.
9ª - As circunstâncias em que o réu ocupava uma parte do primeiro andar propriedade dos autores caracterizam uma situação de subarrendamento.
10ª - Em Setembro de 2000, o Dr. FF comunicou a rescisão do contrato de arrendamento e entregou as chaves que tinha do locado.
11ª - Extinto o arrendamento, caducou o subarrendamento.
12ª - O réu deve, pois, ser condenado a entregar aos autores a fracção livre e desocupada e 13ª - Indemnizar os autores, pela ocupação desde Outubro de 2000, em quantia a fixar com recurso à equidade.
Sem prescindir, 14ª - A decisão de aplicação de multa por litigância de má fé, além de infundada, é nula por ausência de audição prévia dos autores.
15ª - Foram violados, entre outros, os artigos 44º, 45º, 50º e 51º do RAU, 1060º do CC, 3º, nº 2, 653º e 655º do CPC.
Nas suas contra-alegações, o réu entende que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.
* Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da qualificação do contrato celebrado entre as partes.
III – A questão da condenação em litigância de má fé.
I DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Os autores entendem que devem ser modificadas as respostas dadas aos pontos nºs 10, 13, 15, 19, 27, 28, 34 e 51 da base instrutória.
Assim, quanto ao ponto nº 10, a resposta a proferir deverá ser a de “provado”, embora com a correcção de que os montantes das rendas eram entregues por funcionária do FF, e não a de “não provado”, como aconteceu.
Resulta, neste particular, da audição dos depoimentos gravados das testemunhas Manuel Bernardino, técnico de contas, encarregado de proceder à escrita do autor, Maria Alzira, empregada de consultório do Dr. FF, Maria Ducília, assistente de consultório do réu, e Alexandre Pedro, contabilista do réu, que, durante a fase da doença do FF, no período temporal compreendido entre 1998 e 2000, foi o réu quem sempre pagou, na totalidade, a renda do andar.
Por isso, carece de fundamentação fáctica a pretensão dos autores em ver alterada a redacção do sobredito ponto da matéria de facto que, consequentemente, se manterá.
Por outro lado, continuam os autores, deve ser eliminada da resposta ao ponto nº 27 a menção “...aceitando o pagamento da totalidade da renda, a partir dessa data, exclusivamente pelo réu”, e declarado “não provado” a resposta ao ponto nº 34.
Relativamente ao ponto nº 27, considerando a versão daquelas aludidas testemunhas, é inequívoco que ficou demonstrado que, durante o período da doença do Dr. FF, que se estendeu pelo prazo de dois anos, os autores aceitaram que o pagamento da totalidade da renda do andar fosse efectuado, exclusivamente, pelo réu.
Assim sendo, não há que alterar a resposta ao ponto nº 27 da base instrutória.
Consequentemente e, com base em idênticos considerandos, porquanto da mesma questão se trata, carece de qualquer consistência a argumentação dos autores no sentido de verem modificada a resposta afirmativa produzida em relação ao ponto nº 34 da base instrutória.
Quanto ao ponto nº 28, entendem os autores que se deverá eliminar da respectiva resposta o segmento em que nela se refere “o conhecimento por parte dos autores da repartição de despesas entre o réu e o Dr. FF”.
Neste particular, diz a testemunha Manuel Bernardino que, durante um período de cerca de seis anos, anterior a 1998, mas, pelo menos, desde 1994, que as rendas mensais eram desdobradas em dois cheques, um passado pelo Dr. FF e o outro pelo réu, a testemunha Maria Alzira referiu que “levava o cheque de um e dinheiro do outro para pagamento da renda”, a testemunha Maria Ducília esclareceu que “pagava a renda ao empregado de escritório, e levava sempre dois cheques, pois que cada um deles pagava o seu cheque” e, finalmente, a testemunha Alexandre Pedro disse que “cada um passava o seu cheque, mas o recibo...
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