Acórdão nº 464/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2006 (caso NULL)

Data30 Maio 2006

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. n.º … (autos de instrução), no qual, na sequência da instrução requerida pelo assistente … (melhor identificado a fol.ªs 271 destes autos), foi decidido rejeitar - por inadmissibilidade legal - o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ao abrigo do disposto nos art.ºs 287 n.ºs 1 al.ª b), 2 e 3, 283 n.º 3 al.ª b), ex vi art.º 287 n.º 2 in fine, todos do Código de Processo Penal.

  1. Recorreu o assistente (…) de tal despacho - que rejeitou o requerimento de abertura da instrução - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões (fol.ªs 341 a 348): a) No dia 20 de Agosto de 2002, o veículo com a matrícula …, conduzido por …, atropelou violentamente o menor …, o qual sofreu lesões físicas muito graves, que determinaram incapacidade permanente global de 83%, tendo o Ministério Público aberto o Processo de Inquérito n.º …, considerando serem tais factos passíveis de integrar um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144 al.ª b) do CP ou, no limite, um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.º 148 n.º 1 do CP.

    b) Em 14 de Dezembro de 2004 o Ministério Público decidiu o arquivamento do inquérito, já que considerou não ter tido o arguido qualquer responsabilidade na produção das lesões sofridas pela vítima, decisão que tomou após análise manifestamente insuficiente dos factos, apenas com base nas "... declarações do arguido, no esboço elaborado pela GNR e vestígios existentes no local" (fol.ªs 2 do despacho de arquivamento), tendo ignorado, nomeadamente, o contributo das testemunhas oportunamente indicadas pelo assistente em 14 de Abril de 2003, o que é susceptível de configurar a nulidade prevista no art.º 120 n.º 2 al.ª a) do CPP.

    c) Não se conformando com a insuficiência de elementos que fundaram a decisão de arquivamento do processo, o assistente veio arguir a nulidade prevista na al.ª d) do n.º 2 do art.º 120 do CPP e requerer a abertura de instrução, tendo em vista a realização de investigação mais aprofundada e considerando outros elementos, que não apenas as declarações do arguido.

    d) No requerimento de abertura de instrução veio o assistente alegar factos novos, reapreciar os factos existentes e juntar aos autos elementos de prova e de análise mais aprofundada relativamente aos factos não considerados pelo Ministério Público (nomeadamente relatórios de peritos), tendo adicionalmente requerido a realização de diligências probatórias essenciais ao apuramento da verdade dos actos ocorridos na data do acidente.

    e) O assistente veio esclarecer, nomeadamente: - que a GNR não presenciou o acidente, pelo que devia ter recolhido outros elementos além das declarações do arguido; - que, de acordo com o relatório de peritos, pode concluir-se, com alto grau de probabilidade, que o arguido circulava a velocidade superior à velocidade declarada à GNR e superior ao limite legal; - que existem elementos que indiciam a falsidade de factos, no que se refere à viatura envolvida no acidente, que não terá sido a viatura apresentada à peritagem; - que, em função da distância real de travagem (sendo incorrecto o local onde o relatório da GNR afirma ter a vítima ficado imobilizada), da extensão e profundidade das lesões sofridas pela vítima e do tipo de ferimentos em causa, o acidente terá ocorrido de forma diferente da que foi declarada pelo arguido.

    f) Do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e dos elementos de prova e análise nele fornecidos resultam fortes indícios da prática, pelo arguido, dos crimes que lhe são imputados no presente processo.

    g) Não obstante, o Tribunal de Instrução Criminal de … entendeu "que deve ser rejeitado liminarmente, por inadmissibilidade legal de instrução, o requerimento de abertura de instrução", invocando que, "se o requerimento de abertura de instrução é omisso em relação aos factos, a sua inclusão na decisão instrutória significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, estando tal decisão ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 309 n.º 1 do Código de Processo Penal".

    h) O despacho recorrido invoca que "(...) o assistente, embora apresente, «em súmula», as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento ordenado pelo Ministério Público, o seu...

    ".

    i) Quanto a este primeiro argumento verifica-se que o mesmo é improcedente, pois o tribunal começa por reconhecer que o assistente refere, «em súmula» (tal como legalmente exigido), as razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão de arquivamento, o que equivale a reconhecer que se encontra indicada a matéria de facto sobre que deve incidir a instrução, vindo depois, em contradição, referir que o "requerimento para abertura da instrução não contém uma descrição factual, com menção ordenada e sequencial, que permita delimitar o campo sobre o qual irá incidir a instrução".

    j) Não procede o argumento em que o despacho recorrido fundamenta a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, nos termos do qual "não se descortina matéria factual relativa ao modo de actuação do arguido, às circunstâncias em que ocorreu o embate, à identificação e características da via, à localização, extensão e gravidade das lesões da vítima, ou quaisquer factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade física grave ou do crime de ofensa à integridade física por negligência que o assistente imputa ao arguido".

    k) Quanto à actuação do arguido, o requerimento de abertura de instrução revela: - que este terá indicado para a peritagem uma viatura diferente da que esteve envolvida no sinistro; - que não só o arguido circulava, provavelmente, a velocidade superior ao limite legal, como o mesmo terá prestado à GNR falsas declarações relativamente à velocidade a que circulava; - que o atropelamento da vítima se terá ficado a dever a comportamento negligente do arguido; - que este terá prestado declarações falsas a respeito das circunstâncias em que se deu o embate e no que se refere ao veículo envolvido (artigos 21, 31, 34, 35, 36, 38, 39, 41, 43, 44, 45, 52, 53, 63, 68, 69 e 71 do requerimento de abertura de instrução).

    l) Quanto às circunstâncias em que ocorreu o embate, o requerimento de abertura de instrução refere: - a necessidade de clarificação da matéria respeitante à viatura que esteve envolvida no sinistro e à viatura apresentada à peritagem; - elementos e suscita questões respeitantes à velocidade a que circulava o arguido no local dos factos no momento em que se deu o embate; - factos e indícios relativos ao local do acidente e às condições da via que sustentam a conclusão de que o arguido não observou o dever de diligência a que estava obrigado; - que o embate nunca poderia ter ocorrido conforme consta da versão da GNR (elaborada com base nas declarações do arguido), atentas as lesões sofridas pela vítima, sendo esta igualmente uma matéria que carecia de investigação mais aprofundada (artigos 18 a 27, 31 a 37, 41, 42, 43, 44, 46, 52, 55, 59 e 63 a 70 do requerimento de abertura de instrução).

    m) Quanto à identificação e características da via, o requerimento de abertura de instrução não só refere expressamente as circunstâncias específicas do local do acidente e as condições da via onde se deu o atropelamento, demonstrando existirem indícios da prática dos crimes imputados ao arguido, como vem juntar aos autos um relatório - totalmente ignorado pelo Ministério Público - elaborado por peritos e no qual vêm sobejamente identificadas as especificidades do local do atropelamento, incluindo a via de circulação automóvel, os muros da casa confinante e as condições de visibilidade para o condutor (artigos 41, 42, 43, 44 e 46 do requerimento de abertura de instrução).

    n) Quanto à localização, extensão e gravidade das lesões sofridas pela vítima, o requerimento de abertura de instrução aborda expressamente a questão das lesões sofridas pela vítima, relacionando-as com as circunstâncias do sinistro, vindo adicionalmente juntar aos autos um relatório médico relativo à incapacidade da vítima em consequência do acidente, bem como o relatório médico de alta do serviço de Reabilitação e Desenvolvimento de …, encontrando-se pormenorizadamente descritas, nos referidos relatórios, a localização, extensão e gravidade das lesões sofridas pela vítima (artigos 40, 54, 62, 69 e 70 do requerimento de abertura de instrução).

    o) Quanto aos factos susceptíveis de integrar o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade física grave, previsto e...

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