Acórdão nº 3037/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Data11 Fevereiro 2005

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No presente processo comum com intervenção do tribunal colectivo vindo do Tribunal Judicial da Comarca de …, onde tinha o nº … por acórdão proferido em 12 de Outubro de 2004, foi o arguido F, devidamente identificado nos autos, julgado e condenado, pela autoria material de um crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão.

No mesmo acórdão, além do mais, foi decidido: a) julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, um pedido de indemnização formulado contra o arguido pelo H; b) julgar procedente um pedido de indemnização formulado pelo I e, em consequência, condenar o arguido no pagamento da quantia pedida de € 787,60 (setecentos e oitenta e sete euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a ocasião em que o mesmo foi notificado para contestar até efectivo pagamento; c) julgar parcialmente procedente um pedido de indemnização civil formulado por J e M, por danos patrimoniais e não patrimoniais que o arguido lhes causou no montante de € 90.787,60 (noventa mil setecentos e oitenta e sete euros e sessenta cêntimos) e, em consequência, condenar o arguido a pagar-lhes a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a ocasião em que o mesmo foi notificado para contestar até efectivo pagamento; e d) Declarar perdida a favor do Estado a "moca" apreendida nos autos.

Inconformado com o acórdão que assim o condenou, dele interpôs o arguido o presente recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões: 1ª- Reitera-se toda a matéria constante da motivação do presente recurso; 2ª- O Tribunal, conforme resulta do texto da decisão recorrida e dos depoimentos testemunhais, considerou provados e não provados, factos contraditórios como atrás se explanou, e, assim, infringiu o disposto na al. b) do nº 2 do art. 410º do C.P.P.; 3ª- O acórdão recorrido manifesta claramente erro notório na apreciação da prova nos termos na al. c) do nº 2 do art. 410º, quando considera não provado que "após a agressão, quando se dirigiu a socorrer a vítima, os bombeiros tenham sido informados ou tenham tomado conhecimento que aquele tinha levado uma pancada na cabeça, com uma moca", já que o contrário resulta amplamente das declarações da quase totalidade das testemunhas já referidas; 4ª- O Tribunal recorrido violou o art. 163º, nºs 1 e 2 e 379º, nº 1 al. a), ambos do C.P.P., quando considera não provado, contrariando as conclusões do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados, que a morte da vítima não teria ocorrido se o mesmo tivesse sido conduzido a instituição hospitalar imediatamente após a agressão de que foi vítima, quando da prova produzida não se pode retirar essa conclusão; 5ª- Tal conclusão, em sede de factos não provados, contraria, na sua essência, a afirmação dos factos provados de que "a morte poderia não ter ocorrido se o mesmo tivesse sido transportado ao Hospital com maior brevidade e aí recebesse assistência adequada; 6ª- Os factos praticados pelo arguido enquadram o crime de ofensas à integridade física graves - art. 144º, al. d) do C. Penal - e não o crime de homicídio voluntário, como o Tribunal a quo o qualificou; 7ª- O arguido apenas se quis defender, agredindo corporalmente se necessário fosse, e não admitiu a morte como possível nem aderiu a esse resultado letal; 8ª- Não quis matar, como aliás resulta da 1ª parte da al. g) dos factos provados, mas tão só agredir a integridade física da vítima; 9ª- O arguido somente desfere uma única pancada, ou seja, não reitera o propósito de agredir ou, por qualquer forma, provocar a morte da vítima; 10ª- A morte adveio, não só devido à pancada que criou perigo para a vida da vítima, mas também porque foram omitidos comportamentos que poderiam ter obviado este resultado letal; 11ª- Ainda que se considere que a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal a quo, esteja correcta, estamos perante um tipo legal de crime cujo bem jurídico é a vida humana e é um crime de resultado, na medida em que é necessária a verificação de um determinado evento para que ocorra a sua consumação; 12ª- A ausência de tratamento médico, impedido pela omissão dos bombeiros chamados ao local e, mais tarde, pelo transporte em condições técnicas inadequadas, determinou a interrupção do nexo causal; 13ª- De acordo com as opiniões médicas insertas nos autos, a vítima poderia ter sobrevivido, caso lhe tivessem sido ministrados os cuidados médicos necessários e adequados e que estavam ao seu alcance; 14ª- Existem meios técnicos que possibilitam o tratamento médico deste tipo de lesões, o que a terem sido atempadamente ministrados, poderiam ter evitado a morte da vítima; 15ª- Assim sendo, o arguido deveria ter sido condenado por crime de ofensas à integridade física graves, ou, no limite máximo de imputação, no crime de homicídio na forma tentada, aliás, como decorre da aplicação do princípio do in dubio pro reo, consagrado constitucionalmente, e como muito bem considerou o douto despacho de pronúncia, que não recebeu a acusação sob a forma de homicídio consumado; 16ª- O Colectivo não considerou, devidamente, as atenuantes modificativas e gerais, na ponderação da pena, fazendo errada interpretação dos arts. 40º, 70º, 71º e 72º do C. Penal; 17ª- Se o arguido não tem antecedentes criminais e, inexistindo circunstâncias que agravem ou diminuam por forma acentuada a ilicitude do seu comportamento ou a sua culpabilidade, a punição concreta inclina-se para o mínimo da penalidade; 18ª- Acresce que o arguido actuou sob provocação; 19ª- Quis apenas "castigar" fisicamente a vítima mas jamais previu que da sua conduta pudesse resultar a morte da vítima nem estava em condições intelectuais para o fazer; 20ª- Não tem antecedentes criminais e não prefigura apetência para o crime; 21ª- É pessoa estimada no seu meio, não conflituosa, nunca se tendo envolvido em brigas ou zaragatas, trabalhadora; 22ª- A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa, ex vi o art. 40º, nºs 1 e 2 do C.P.; 23ª- Por outro lado, a medida da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime se encontram enumeradas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 71º do C.P.; 24ª- Justificar-se-ia, atenta a idade do arguido, a sua personalidade, as circunstâncias em que os factos ocorreram que seria de aplicar uma atenuação especial da pena, nos termos do art. 70º do C.P., graduando-se a pena abaixo dos seus limites mínimos; 25ª- O Tribunal a quo, inexplicavelmente, aceitou o pedido de indemnização formulado pelo assistente, pedido que já tinha sido indeferido liminarmente, por extemporâneo, no despacho de 26 de Dezembro de 2002; 26ª- Tal despacho não foi objecto de recurso, motivo pelo qual transitou em julgado; 27ª- Assim, o despacho judicial inserto a fls. 477 dos autos, onde é admitindo liminarmente o pedido cível deduzido, só se pode referir, legalmente, à parte do pedido cível formulado pela ofendida (mãe do R); 28ª- Assim, e relativamente aos valores peticionados pelo assistente e constantes do pedido de indemnização cível formulado, inserto a fls. 363 a 365 dos autos, não pode o Tribunal deles conhecer, nomeadamente quanto ao valor de 25.000 Euros, pela perda do direito à vida e o valor de 15.000 Euros, relativos aos danos morais alegadamente sofridos.

Termina o recorrente pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido pelos motivos constantes das conclusões.

À motivação do recurso respondeu apenas o Digno Magistrado do Ministério Público, pugnando pela manutenção na íntegra da decisão recorrida e produzindo as seguintes conclusões: I- A contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410°, n° 2, do C.P.P., são vícios da sentença que têm, necessariamente, que basear-se no texto da decisão recorrida e em regras da experiência comum, e não em elementos a ele estranhos; II- Existe erro na apreciação da prova quando esse erro é facilmente apreensível pelo homem médio através da simples leitura do texto da decisão recorrida; III- Não pode o recorrente alegar estes vícios quando o que pretende é atacar os factos considerados como provados ou não provados pelo Tribunal a quo; IV- Tendo este Tribunal considerado provado que o arguido atingiu a vítima na cabeça com uma "moca", com um metro de comprimento e peso de um quilograma, as lesões causadas serem as constantes do relatório da autópsia e ter aquele agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta o faria incorrer em responsabilidade criminal, não poderia deixar de concluir, como o fez, que a sua conduta integra um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131° do Código Penal; V- Não existe qualquer contradição entre o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que as lesões causadas à vítima "... foram causa directa e necessária da morte do R ..." - al. t) - e que "... a morte do R ...poderia não ter ocorrido se o mesmo tivesse sido transportado ao Hospital com maior brevidade e aí recebesse assistência adequada" - al. v) -, e ter dado como não provado que "...a morte do R ...não teria ocorrido se o mesmo tivesse sido conduzido a instituição hospitalar imediatamente após a agressão de que foi vítima" - fls. 9 e l0 do acórdão; VI- Na realidade, o relatório do perito de neurocirurgia refere que a morte da vítima poderia ter sido evitada caso a mesma tivesse sido assistida em muito curto espaço de tempo em centro de traumatologia não afastando, contudo, a forte possibilidade de, mesmo neste...

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