Acórdão nº 1567/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Data26 Outubro 2004

Acordam, em conferência, na Relação de ÉvoraA- Nos autos de inquérito com o nº … do 2º Juízo da comarca de …, a Santa Casa da Misericórdia de …, apresentou queixa contra A, id. nos autos, por factos que integrariam o crime p. e p. pelo artº 180º do C.Penal, e pediu a sua constituição como assistente.

B- Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento dos autos, sem que entretanto fosse decidido o incidente de constituição de assistente.

C- Aquela ofendida, veio depois declarar que mantinha interesse no incidente de constituição de assistente e, requereu a abertura da instrução.

D- Oportunamente, o Mmo Juiz veio então a proferir o seguinte despacho: "Por estar em tempo, ser legal, estar devidamente patrocinada e se encontrar isenta do pagamento de taxa de justiça devida, admito a intervenção nos presentes autos como assistente da denunciante Santa Casa de Misericórdia de ….

Notifique." E- De tal despacho recorreu o Ministério Público, concluindo: A) O presente recurso incide sobre o despacho judicial proferido pelo Mmo JIC que, em suma, admitiu a intervenção da queixosa Santa Casa da Misericórdia de … na qualidade processual de assistente; B) Cremos, salvo o devido respeito, que tal decisão viola o disposto no artigo 68,, n, 1, alínea a), do Código do Processo Penal, porquanto entendemos que a pessoa colectiva identificada não é titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação; C) Com efeito, estando em causa factos susceptíveis de integrar o crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, previsto e punido, pelo artigo 187, do Código Penal, cremos que a queixosa não é sujeito passivo de tal ilícito penal; D) O mesmo se diga quanto à eventualidade de se considerar que os factos são susceptíveis de preencher o crime de difamação, previsto e punido, pelo artigo 180º, do Código Penal; E) Em termos estritamente formais, cremos que a decisão não está devidamente fundamentada uma vez que não toma posição expressa quanto à legitimidade da requerente, isto é, em momento algum, se diz qual o ilícito penal indiciado e, bem assim, em momento algum, se toma posição quanto ao que é defendido pelo Ministério Público e pela requerente no incidente em questão; F) Mas ainda assim e em termos materiais e substanciais, pugnamos que, em nenhuma das hipóteses, se poderá considerar que assiste legitimidade para o pedido formulado; G) Os nossos argumentos são os seguintes: H) Quanto ao crime previsto e punido, pelo artigo 187, do Código Penal, entendemos que o mesmo não se verifica uma vez que a queixosa não configura nenhum dos entes colectivos ali objectivamente identificados; I) Na esteira daquilo que é defendido pelo Professor Faria e Costa, é, em nosso entendimento, ainda necessário que qualquer uma das pessoas colectivas visadas pela acção ilícita exerça autoridade pública; J) Por autoridade pública entende-se, objectivamente, a afirmação de efectivo poder público; K) Nas palavras de Rodrigues Queiró, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1990, pág, 627, o efectivo exercício de funções de imperium; L) Tal como se motivou, em nosso entendimento, queixosa não exerce funções de autoridade pública; M) As Misericórdias. são instituições particulares de solidariedade social, que têm natureza indiscutivelmente privada, de acordo com o disposto no artigo 63., n. 3, da nossa Lei Fundamental- cfr. neste sentido, os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' Edição, págs. 339, 340, bem como Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo Vol. l 2. ' Edição, págs. 556, e 568 e 569; , , N) Com efeito e como se retira do seu próprio regime jurídico - DL 119/83, de 25/02 - embora possam cooperar com a Administração no desempenho das suas atribuições, a lei não Ihes confere poderes de autoridade pública; O) Nesse sentido e tratando de um caso em que também era parte uma Santa Casa da Misericórdia - a da cidade da Guarda - atente-se na decisão constante do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 12101/2000, in CJ, Ano xxv, Tomo I, 2000, in CJ, ano XXV, tomo I, 2000, págs 44 a 47 - sumariamente aí se consignou que uma Santa Casa da Misericórdia não tem poderes de autoridade pública.

P) No mesmo sentido, atente-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/10/2002, in Internet, www.dgsi.pt, onde se concretizou que as pessoas colectivas não podem ser sujeito passivo do crime de difamação, após a introdução do citado artigo 187., já que a tutela penal do bom nome ou reputação das pessoas colectivas é esgotantemente realizada pelo dito artigo 187º. Porém, ao nível objectivo, é essencial ao tipo de crime em análise, que a pessoa colectiva exerça autoridade pública ou poder público Q) Só esta interpretação está de acordo com o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal; R) Não desconhecemos a posição diversa - vide por todos, a que é defendida pelos Exmos Srs. Conselheiros Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3. ' edição, 2.º Volume, págs. 523 e 524; S) Salvo o devido respeito não concordamos e mais uma vez seguimos de perto a posição defendida pelo Prof Faria e Costa, quando argumenta que o artigo 188. do Código Penal mais não é do que uma estratégia legislativa do reenvio interno -cfr. pág. 686, § 3; T) Em coerência com a posição defendida, o Prof Faria e Costa pugna que o legislador na alínea b), do n. 1, do artigo 188., do Código Penal, disse uma redundância. Como tal, porque supérfluo, deve ser considerada como não escrita - cfr. pág. 689, § 15; U) Perfilhando na integra esta tese doutrinária, veja-se o arresto já citado - Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/01/2000, in CJ, Ano XXV, Tomo I, 2000, págs. 44 a 47 e ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/01/2004, in www.dgsi.pt, quando refere que o exercício da autoridade pública ou poder público é um elemento condicionante para todas as entidades que o tipo descreve; V) Mas vejamos agora se, ainda assim, se pode considerar que as pessoas colectivas que não exerçam autoridade pública podem ser sujeitos passivos do crime de difamação, previsto e punido, pelo artigo 180., do Código Penal; W) A nossa resposta é, mais uma vez, negativa; X) Atente-se que, nesta parte, há que consignar que a própria queixosa tipifica, na queixa, os factos como susceptíveis de integrar esse tipo penal; Y) O direito ao bom nome e reputação é reconhecido constitucionalmente - artigo 26., da Lei Fundamental; Z) A doutrina dominante adopta uma concepção dual da honra: a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou...

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