Acórdão nº 1064/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2004 (caso NULL)

Data13 Julho 2004

Processo nº 1064/04-1 ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. No Proc. nº .... do Tribunal Judicial de ..., o arguido A. ..., com os demais sinais dos autos, foi acusado da prática de 4 crimes de incêndio, p.p. pelo artº 272º, nº 1, al. a) do Cod. Penal e de 2 crimes de dano, p.p. pelo artº 212º, nº 1 do mesmo diploma legal.

O Estado Português, representado pelo MºPº, formulou contra o arguido pedido cível de condenação no pagamento da quantia de € 1.500, acrescida de juros à taxa legal.

Contra o arguido foram, ainda, formulados pedidos cíveis por B. ...C... e D... .

Realizado o julgamento, a acusação viria a ser julgada improcedente, no que concerne aos crimes de incêndio cuja autoria vinha imputada ao arguido que, em conformidade, deles foi absolvido; foi, então, considerada verificada a prática, pelo arguido, de 6 crimes de dano, p.p. pelo artº 212º, nº 1 do CP, mas declarado extinto o respectivo procedimento criminal, por falta de legitimidade do MºPº para o exercício da respectiva acção penal; por fim, foram julgados improcedentes os pedidos cíveis formulados contra o arguido.

Com tal decisão se não conformou o Digno Magistrado do MºPº, que dela recorreu, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): 1. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação.

  1. O depoimento das várias testemunhas indicadas pela acusação foi claro na indicação dos valores das várias áreas ardidas e das que ficaram por arder, face à pronta e eficaz actuação das várias corporações de bombeiros envolvidas.

  2. Não é exigível que esses valores tenham que ser prestados por provas pericial ou documental, tendo em atenção a natureza do processo podendo, e devendo, serem os mesmos fornecidos por prova testemunhal.

  3. Do mesmo modo, não será exigível que a prova da titularidade do direito de propriedade dos vários prédios atingidos pelos incêndios tenha que ser efectuada por documentos, tanto mais que aquela não foi posta em crise.

  4. O Tribunal " a quo " deu como provado que o arguido provocou incêndios de relevo, pondo fogo a mata ou a arvoredo e que, desta forma, criou perigo para bens patrimoniais alheios.

  5. Os valores atribuídos pelas testemunhas inquiridas e arroladas pela acusação, bem como o conhecimento comum das áreas envolvidas pelos incêndios, e as não ardidas devido à pronta intervenção dos bombeiros, permitem integrar o conceito de valor elevado.

  6. Provou-se que os factos constantes do n° 6 da matéria dada por provada causaram um prejuízo ao queixoso, e proprietário do prédio envolvido, no montante de cerca de € 2000.

  7. Provada, que está, a conduta dolosa do arguido, deverá ser considerada provada a titularidade do direito de propriedade do Estado -Direcção Regional de Agricultura do Alentejo sobre o prédio referido no n° 3 dos factos dados como provados, 9. E atribuída ao Estado uma quantia não inferior a € 1000, a título de indemnização, acrescida de juros legais.

  8. Ao não condenar o arguido pela prática de quatro crimes de incêndio e um crime de dano, por não considerar provados os valores dos bens patrimoniais alheios postos em perigo pela conduta daquele, o Tribunal "a quo" violou o estatuído, respectivamente, pelos arts. 272°, n° 1, al. a) e 212°, n° 1, ambos do Código Penal.

  9. O arguido deverá, pois, ser condenado pela prática de quatro crimes de incêndio e um crime de dano, e no pagamento da quantia de € 1000 (mil euros) acrescida de juros legais, a título de indemnização devida ao Estado - Direcção de Agricultura do Alentejo.

  10. Assim sendo, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que condene o arguido nos termos expostos, se fará JUSTIÇA.

    Admitido o recurso, o arguido não respondeu.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

    Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, mais uma vez o arguido não respondeu.

    1. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a audiência.

      Cumpre decidir.

      II.1. Posto que houve documentação da prova oralmente produzida em audiência, este Tribunal conhece de facto e de direito - artº 428º, nº 1 do CPP.

      Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP - a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deve ser modificada a matéria de facto apurada na 1ª instância, em ordem a dar como provados os valores (dos prejuízos e dos bens colocados em perigo) indicados na acusação e a titularidade dos prédios afectados pela actuação do arguido, com a consequente condenação deste como autor de 4 crimes de incêndio e de um de dano, bem como no pedido cível formulado pelo Estado Português.

      Naturalmente, o âmbito do recurso assim delimitado não impede o conhecimento de eventuais vícios da sentença, previstos no artº 410º, nº 2 do CPP. E isto porque "é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artº 410°, n° 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito" - Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95.

    2. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte factualidade: 1. Em Junho de 2002, o arguido efectuou exames para ingressar, como bombeiro, na Associação dos Bombeiros Voluntários de ...; Ainda antes da decisão sobre a sua candidatura, mais precisamente no dia 25.06.2002, o arguido assumiu as funções de vigilante florestal, ao serviço da Associação de Bombeiros Voluntários de ..., fazendo equipa com F. ... e tendo por função patrulhar o Perímetro Florestal de .... e avisar logo que detectasse um incêndio; Para cumprir essa missão, o arguido e o seu companheiro deslocavam-se em ciclomotores; Dias depois de o arguido ter assumido as funções de vigilante florestal, o comandante da Associação dos Bombeiros Voluntários de ... comunicou-lhe que não seria admitido, como bombeiro, nesta associação, devido a ter sido, anteriormente, consumidor de produtos estupefacientes; em consequência disso, o arguido continuaria como vigilante florestal durante o Verão de 2002 e, findo este, cessaria funções; O arguido ficou decepcionado e revoltado com esta notícia e urdiu o seguinte plano: durante o período de serviço, atearia incêndios na área sob a sua vigilância; depois, ou ele, ou o seu companheiro, dariam o alarme, para que os bombeiros acorressem para combaterem os incêndios; o próprio arguido ajudaria a combater os incêndios; dessa forma, mostraria serviço - quer na vigilância, quer no combate aos incêndios - e provaria que tinha as condições necessárias para ser admitido como bombeiro na Associação dos Bombeiros Voluntários de ...; O arguido pôs este plano em prática; para atear os incêndios, atrasava-se em relação ao seu colega de vigilância até ficar a uma distância suficiente para que aquele não visse o que ele, arguido, fazia; e sabia que, ao actuar como planeara, cometia factos proibidos e puníveis por lei; 2. No dia 30.07.2002, cerca das 21.50 horas, durante o seu serviço de vigilância no lugar de ... o arguido, ao passar pela Estrada Nacional n.°..., lançou um cigarro aceso cercado por fósforos, tudo enrolado com fita isoladora, para o interior de um terreno onde existiam materiais de fácil combustão, com a intenção de provocar um incêndio em mata que sabia não lhe pertencer; Dessa forma, o arguido causou um incêndio, tal como pretendia; O incêndio foi combatido por cinco viaturas e vinte elementos dos Bombeiros Voluntários de ... entre os quais o arguido, e uma viatura e dois elementos do Parque Natural ... ,tendo sido dominado em uma hora e cinquenta e cinco minutos; O incêndio provocado pelo arguido consumiu cerca de três hectares de pinheiros mansos e sobreiros, pôs em perigo uma área de pinheiros mansos e sobreiros que acabou por não ser consumida nessa ocasião graças à actuação dos bombeiros e dos meios de combate a incêndios pertencentes ao Parque Natural ..., e causou prejuízos de montante que não foi possível apurar; 3. No dia 31.07.2002, pelas 13.25 horas, no lugar de ..., o arguido lançou dois cigarros acesos, cercados por fósforos, tudo enrolado com fita isoladora, para o interior de um terreno, com a intenção de provocar um incêndio no arvoredo aí existente, que sabia não lhe pertencer; Dessa forma, o arguido causou um incêndio, tal como pretendia; O incêndio foi combatido por uma viatura e cinco elementos dos Bombeiros Voluntários de ..., entre os quais o arguido, e por uma viatura e dois elementos do Parque Natural ..., tendo sido dominado em uma hora; O incêndio provocado pelo arguido consumiu cerca de meio hectare de pinheiros mansos e mato, pós em perigo vários hectares de floresta existente no Perímetro, que só graças à rápida intervenção dos bombeiros e dos meios de combate a incêndios pertencentes ao Parque Natural ... não foram consumidos, e causou prejuízos de montante que não foi possível apurar; 4. No dia 06.08.2002, pelas 14.45 horas, no lugar de ..., freguesia e concelho de ..., o arguido lançou um cigarro aceso, cercado por fósforos, tudo enrolado com fita isoladora, para o interior de um terreno, com a intenção de provocar um incêndio nesse terreno e noutros que se situavam nas proximidades, sabendo que nada disso lhe pertencia; Dessa forma, o arguido causou um incêndio, tal como pretendia; O incêndio foi combatido pelos Bombeiros Voluntários de ..., entre os quais o arguido, por duas viaturas e quatro elementos do Parque Natural ..., e pelos Bombeiros Voluntários de ...; O incêndio provocado pelo arguido provocou perigo para bens patrimoniais que a este último não pertenciam e consumiu: - Num terreno denominado « ...», doze hectares de pinheiros e azinheiras; - Num terreno denominado « ...», cerca de três hectares constituídos por pasto, cento e cinco oliveiras, sete figueiras e vinte e sete amendoeiras; - Num...

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