Acórdão nº 1882/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMANUEL NABAIS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Submetidos a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular, no 1º Juízo da Comarca de …, mediante acusação deduzida pelo assistente A…, acompanhada pelo MP, mas apenas no que ao 1º arguido concerne, foram os arguidos/demandados B …, a) absolvido da prática de um crime de difamação, p.e p. pelos artigos 180º, n.º 1 e 183º, n.º 2, ambos do Código Penal; b) absolvido do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante A; C… a) condenado como autor material de um crime de difamação, p. e p. pelos citados artºs 180º, n.º 1 e 183º, n.º 2, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros), o que totaliza a quantia de 1.260,00 € (mil duzentos e sessenta euros), a que correspondem, nos termos do artigo 49º, n.º 1 do Código Penal, 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária; b) na parcial procedência do respectivo pedido de indemnização civil, condenado no pagamento, ao assistente/demandante A, da quantia de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, desde a notificação ao mesmo do pedido cível.

Inconformado, interpôs recurso o arguido C, sintetizando o seu inconformismo nas seguintes conclusões, que extrai da respectiva motivação: 1. O artigo escrito no jornal, deve ser lido no devido contexto integral, não podendo ser retirados os títulos e excertos do respectivo contexto e assim valorados, sendo que, quer para a incriminação, quer para a decisão final, o Tribunal deverá apreciar sempre integralmente o conjunto do escrito.

  1. O artigo escrito, é uma artigo de opinião, de carácter político, próprio das alturas de eleições, já que decorriam as candidaturas para a autarquia de … e respectivas eleições autárquicas.

  2. O arguido visava emitir a sua opinião sobre a condução da Câmara de … pelo candidato D, e desacreditar o candidato E e seus apoiantes.

  3. No seu artigo, o arguido refere-se a …no sentido de concelho e não de Vila, o que se alcança da leitura integral do mesmo.

  4. O arguido, não tendo uma escrita fluida e correcta, utilizou palavras e ideias comuns, tanto mais que não é jurista de formação nem a publicação se destina a um público culto ou de elevado nível académico, sendo um jornal regional.

  5. O artigo deve ser lido objectivamente, e não subjectivamente 7. Trata-se de um artigo político e opinião, áspero e contundente na crítica, mas não um qualquer artigo de satisfação de curiosidades, lúdico ou de entretenimento.

  6. Calote, significa Pequena dívida que não se paga, ou que se contrai sem a intenção de pagar; Dívida que não se pagou ou que se contrai sem a intenção de a pagar.

  7. Caloteiro significa Aquele que prega calotes, que não paga o que deve; Aquele que caloteia.

  8. Quem atribua uma determinada divida a terceiro, não está necessariamente, só por isso, a difamá-lo ou a injuriá-lo.

  9. Foi junto aos autos o cheque assinado pelo assistente, emitido a J, com o n.º 4024107852, sob o Crédito Agrícola Mútuo, no valor de 60.000$00, com data de 26.02.95, pertencente à conta n.º…, em nome do assistente, devolvido por falta de provisão em 06.03.95.

  10. Nem o Banco de Portugal, nem a instituição de Crédito, rejeitaram o cheque por dúvidas na assinatura, ou tiveram dúvidas na sua autenticidade.

  11. O cheque é um titulo cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis ordem para pagar à vista a soma nela inscrita., sendo pois um titulo de crédito literal, autónomo e completo, representativo de numerário e de que se lança mão para se fazer um pagamento 14. O arguido, é arquitecto e não tem qualquer formação jurídica, como a maioria do nosso povo, e como cidadão médio deste país, não é exigível o conhecimento perfeito da lei em matéria de títulos de crédito, cheques, relações subjacentes, literalidade e abstracção dos títulos cambiários 15. O arguido tinha em sua posse o referido cheque, o que significa para o comum cidadão, que existe uma divida que não foi paga, e em boa fé, reputando como verdadeira a afirmação de que o cheque, não tendo sido pago, a divida existia.

  12. Para qualquer cidadão médio um cheque não pago e devolvido por falta de provisão, é uma divida, ou seja, um calote.

  13. Apesar do arguido não ter identificado o visado no artigo, o que manteve em sede de julgamento, não relevando a identidade do visado em tal artigo, a verdade, é que mesmo em relação ao assistente, no exercício da sua defesa da acusação que lhe era movida, logrou fazer prova do preenchimento as alíneas a) e b) do no2 do artigo 180° do CP, não sendo a sua conduta punível.

Foram violados os artigos 180º, n.º 2, 183º, n.º 2, artº 1º da Lei 2/99, de 13.01, artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Contramotivaram o assistente e o MP, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer em que suscita a questão prévia da rejeição do recurso, na parte respeitante à matéria de facto, por incumprimento do ónus imposto nas diversas alíneas do n.º 3 do artº 412º do CPP - entendimento esse que viria a ser acolhido pelo relator, no despacho preliminar a que alude o artº 417º, n.º 3 do mesmo Cód. -, conclui no sentido de que "nenhum reparo merece a sentença recorrida, quanto à fixação dos factos provados colocada em crise no recurso" e, no mais, adere sem reservas à resposta apresentada pelo Digno Magistrado do MP junto da 1ª Instância.

Cumprido o disposto no artº 417º, n.º 2 do CPP, respondeu o arguido esforçando-se por demonstrar o infundado da posição pelo Ex.º Procurador-Geral-Adjunto assumida.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

*II- a) A factualidade pelo tribunal a quo dada como provada e a considerada não provada bem como a respectiva justificação são as que a seguir se transcrevem: Factos Provados 1. O arguido C dedica-se, entre outras actividades, à escrita de artigos de opinião no jornal «… »; 2. O arguido B é director do jornal «… », publicação semanal; 3. São distribuídos gratuitamente entre 400 a 500 exemplares do jornal «…» na localidade de…; 4. No número … do Ano 1, de…, da referida publicação, na página 8, foi publicado um artigo de opinião escrito pelo arguido C, com conhecimento prévio do arguido B, denominado «O que se passa em …», encontrando-se o nome daquele arguido aposto no fim do referido artigo; 5. O artigo versa sobre a candidatura de E à Câmara Municipal de …e ao desempenho que tem vindo a ser feito da presidência pelo actual presidente D 6. Em tal artigo foram inseridas as seguintes expressões: «O facto de algumas poucas pessoas que há 4 anos apoiaram D se colocarem agora ao lado de E também não me espanta. Uma delas é um meu conhecido que 2 semanas apenas após a eleição do actual presidente já se queixava desse... e porquê? Certamente que não esperava que o concelho passasse de 8 a 80 em apenas 2 semanas? Caloteiro como o conheço devia pensar que D lhe iria dar verbas (talvez através do Clube em que é presidente). Claro que D não foi nas histórias, pois já conhecia bem o Concelho e as pessoas antes de ser eleito.»; 7. O queixoso tem exercido as funções de presidente do Clube Recreativo de … desde 1995 e era o presidente em 16.03.2001; 8. Na localidade de … apenas existe o Clube Recreativo de que o queixoso é presidente; 9.Na altura em que o artigo foi publicado, o assistente apoiava a candidatura de E à Câmara Municipal de…; 10. Quatro anos antes, o assistente tinha apoiado a candidatura de D à Câmara Municipal de…; 11. O arguido C ao inserir a menção «...Clube em que é presidente» e ao fazer referência ao «facto de algumas poucas pessoas que há 4 anos apoiaram D se colocarem agora ao lado de E ...», identificou a pessoa ali contemplada como sendo o queixoso; 12. A expressão caloteiro foi utilizada pelo arguido C com intenção de ofender o queixoso na sua honra, como efectivamente ofendeu; 13. O arguido C bem sabia que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei, mas mesmo assim conformou-se com ela e praticou-a; 14. O assistente desenvolve a exploração de dois estabelecimentos de restauração, sendo um estabelecimento de bar em … e outro de restaurante em …, dedicando-se também à compra de propriedades para revenda e ainda à construção de edifícios; 15. Em virtude da presidência do Clube Recreativo da ….e da sua vida comercial, o queixoso é pessoa muito conhecida na área do concelho de …; 16. O queixoso foi confrontado por vários amigos e conhecidos a respeito do artigo em causa, sendo que o mesmo foi comentado em vários locais públicos, tais como cafés, onde foram tecidas considerações sobre a qualificação do demandante como caloteiro; 17. Um dos filhos do queixoso confrontou-o com a qualificação feita no artigo do jornal; 18. A publicação do artigo e a sua qualificação como caloteiro causaram no demandante grande incómodo, sofrimento e angústia; 19. No concelho de … existem os seguintes clubes e associações culturais e recreativas: Clube Recreativo …(em…); Clube Recreativo de …(em…); Associação Cultural e Recreativa da … (em…); Sociedade Recreativa de … (em…); Clube Recreativo da … (em…); Grupo Desportivo de … (em…); e Sociedade Recreativa de … (em…); 20. O arguido C é portador de um cheque assinado, emitido a J, com o n.º…, sob o Crédito Agrícola Mútuo, no valor de 60.000$00, com data de 26.02.95, pertencente à conta n.º…, em nome de A, devolvido por falta de provisão em 06.03.95; 21. O arguido C é arquitecto de profissão, sendo que também é sócio numa sociedade que se dedica à compra e venda de propriedades, noutra que se dedica a investimentos imobiliários, noutra que explora viveiros, e ainda é colaborador em dois jornais; 22. Em média, o arguido C aufere anualmente do seu trabalho e das empresas em que é sócio a quantia de 10.000,00 €; 23. O arguido C tem duas viaturas automóveis...

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