Acórdão nº 8016/2004-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOSÉ FETEIRA
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório.

No Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha corre termos a presente acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, em que é autor, o sinistrado (A) e em que são rés a "COMPANHIA DE SEGUROS MAPFRE, S.A." e (M) Frustrada a tentativa de conciliação realizada no final da fase conciliatória do processo, veio o autor deduzir petição contra as rés, alegando, em resumo e com interesse, que foi vítima de um acidente no dia 12 de Outubro de 2000 quando se deslocava do seu local de trabalho para o seu domicílio em veículo da 2ª ré, para a qual, então, trabalhava sob a respectiva direcção e fiscalização no desempenho das funções de pedreiro, auferindo uma remuneração mensal (equiparada) de € 1.945,31.

Em consequência do referido acidente sofreu as lesões descritas no art. 6º da petição, que determinaram tivesse suportado os períodos de incapacidade temporária que menciona no art. 10º e tivesse ficado com as sequelas referidas no art. 8º da mesma peça processual, pelas quais o perito médico do Tribunal lhe atribuiu uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 0,127, com efeitos desde 13 de Outubro de 2001.

Alega ainda que, em consequência do referido acidente, despendeu a quantia de € 6.807,08 com internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, consultas e medicamentos, bem como € 12,00 a título de despesas de transporte.

Alegou também que, à data do acidente existia um contrato de seguro de acidentes de trabalho entre as rés, mediante o qual a 2ª ré havia transferido para a 1ª parte da responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo autor.

Pediu que a acção fosse julgada procedente e que as rés fossem condenadas a pagar-lhe, no mínimo: 1) a ré "Companhia de Seguros MAPFRE, S.A.": 1.1) Uma pensão anual e vitalícia, calculada com base no salário declarado e na desvalorização de 0,177, no valor de 498,80 Euros, com início em 13/10/2001; 1.2) Uma indemnização devida por IT´s e não pagas, no valor de 1.919,97 Euros; 1.3) Uma indemnização por despesas com transportes obrigatórios no valor de 1,77 Euros e; 1.4) Uma indemnização por despesas com internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, consultas e medicamentos, no valor de 1.006,09 Euros; 2) A ré (M): 2.1) Uma pensão anual e vitalícia, calculada com base no salário declarado e na desvalorização de 0,177, no valor de 2.875,54 Euros, com início em 13/10/01; 2.2) Uma indemnização devida por IT`s e não pagas, no valor de 11.070,33 Euros; 2.3) Uma indemnização por despesas com transportes obrigatórios no valor de 10,23 Euros; 2.4) Uma indemnização por despesas com internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, consultas e medicamentos, no valor de 5.800,99 Euros.

* Citadas as rés, vieram as mesmas contestar, alegando, em síntese e com interesse: A ré "Companhia de Seguros MAPFRE, S.A.", que o acidente sofrido pelo autor não é acidente de trabalho, uma vez que o mesmo se verificou num momento em que o autor deveria estar a iniciar a segunda parte do seu dia de trabalho e num momento em que o mesmo não estava autorizado a utilizar o veículo pertencente à sua entidade patronal, tendo-o feito sem o respectivo consentimento e dirigindo-se para parte incerta com o mesmo.

Alegam ambas as rés que o autor, no momento do acidente, estava sob forte efeito de opiáceos, tendo acusado ainda em análises, a presença de outras drogas tais como barbitúricos, benzodiazepinas e canabinoides, estas embora dentro de valores de referência.

Acresce que o autor foi o único responsável pela eclosão do acidente, uma vez que o mesmo invadiu, com o veículo que conduzia, a faixa de rodagem de sentido contrário, de uma forma injustificada, temerária e exclusiva, num local que é em curva e em que existe uma linha longitudinal contínua a separar ambas as faixas de rodagem, razões que determinariam a descaracterização do acidente dos autos como de trabalho.

Concluem pela improcedência da acção, afirmando que devem ser absolvidas do pedido.

* Foi lavrado despacho saneador que apreciou a regularidade dos pressupostos processuais, foi fixada a matéria de facto que, então, se considerou como já assente e foi organizada a base-instrutória, não tendo, relativamente a estas sido apresentada qualquer reclamação.

Foi ordenada a realização de exame por junta médica ao sinistrado para fixação da respectiva incapacidade.

Instruído o processo, foi realizada a audiência de discussão e julgamento da matéria de facto controvertida, tendo o Tribunal "a quo" respondido aos quesitos nos termos da decisão de fls. 235 e 236.

Não houve reclamações.

Seguidamente, foi proferida sentença que fixando a Incapacidade Permanente Parcial de que o autor ficou portador em 12,7%, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou as rés a pagar ao autor, na proporção de 32,03% a cargo da primeira e de 67.97% a cargo da segunda: a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 1.938,15 Euros desde 13/01/01; b) A quantia de 646,91 Euros; c) A quantia de 12,00 Euros; d) A quantia de 6.807,08 Euros Absolveu-as do restante pedido.

* Inconformadas com esta sentença, dela vieram as rés interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações e extraindo as seguintes conclusões: Da ré seguradora: 1. O sinistrado ao sair do trabalho sem o consentimento expresso ou tácito da sua entidade patronal, não pode beneficiar de cobertura de "in itinere" previsto na LAT; 2. O sinistrado conduzia sob o efeito de estupefacientes, canabinoides e barbitúricos, tendo dado causa ao acidente dos autos com culpa grave e exclusiva; 3. A conduta do sinistrado foi temerária e totalmente imputável ao facto de estar a conduzir sob efeitos de drogas; 4. O acidente não é reparável porque não é acidente de trabalho e mesmo que o fosse estaria descaracterizado por negligência grosseira do sinistrado; 5. Verifica-se violação do disposto no art. 6º da LAT e 6º do RLAT.

Da ré patronal: 1. A Douta Sentença recorrida não fez justa aplicação do direito à matéria considerada como provada; 2. Resulta da matéria de facto dada como provada que o recorrido se despistou, transpôs um traço contínuo, indo invadir a faixa de rodagem da esquerda e embatendo no veículo que seguia em sentido contrário, que nenhuma culpa teve na produção do acidente; 3. O recorrido estava obrigado a cumprir as prescrições de segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais aplicáveis, cfr. al. b), nº 1, do art. 15º do D.L. nº 441/91 de 14/11; 4. Encontrando-se o recorrido a conduzir um veículo automóvel, no percurso de volta para sua casa, estava obrigado, como todos os condutores, a cumprir as normas resultantes do Código da Estrada; 5. Não pode deixar de se entender, no caso em que o trabalhador utiliza uma viatura no percurso de regresso a casa, que faz parte das prescrições de segurança no trabalho estabelecidas na lei o cumprimento das normas do Código da Estrada; 6. A condução se deve fazer pelo lado direito da faixa de rodagem, apenas se podendo utilizar o lado esquerdo para ultrapassar e mudar de direcção o que não foi manifestamente o caso, cfr. art. 13° do Código da Estrada; 7. A linha contínua significa para o condutor proibição de a pisar ou transpor e, bem assim, o dever de transitar à sua direita, quando aquela fizer a separação dos sentidos de trânsito, cfr. M1 do nº 1 do art. 60º do D. Regulamentar nº 22-A/98 de 01/10; 8. Logo, existindo no local um traço contínuo, nunca o recorrido poderia utilizar o lado esquerdo; 9. Estando o recorrido habilitado para conduzir, nem tão pouco pode vir alegar que desconhecia tais normas, ou que lhe era difícil entendê-las, cfr. nº 1 do art. 8º do DL 143/99 de 30/04; 10. Assim sendo, existe descaracterização do acidente provocado pelo recorrido não tendo este direito a reparação por ter violado, sem causa justificativa, as condições de segurança previstas na lei e dessa violação ter resultado o acidente, cfr. nº 1 do art. 7º da Lei nº 100/97 de 13/09; 11. Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que, o recorrido agiu com negligência grosseira e de que também por esta via o acidente tem que ser descaracterizado; 12. Por negligência grosseira "o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante de habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional e dos usos e costumes da profissão", cfr. nº 2 do art. 8º do DL 143/99 de 30/04; 13. Atenta a matéria de facto dada como provada resulta, desde logo que, não estamos perante uma situação de negligência provocada proveniente da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança resultante da experiência e dos usos profissionais; 14. No dia, hora e local do acidente, quando o A. descrevia um curva para a direita saiu da sua mão de trânsito e invadiu a faixa de rodagem contrária, tendo colidido com outro veículo que seguia em sentido contrário. (...) O condutor deste veículo ainda tentou esquivar-se do embate, encostando-se o mais à direita possível. No local do acidente os sentidos de trânsito estão delimitados por uma linha contínua, que o A. pisou e transpôs. O embate ocorreu na faixa de rodagem contrária à que seguia o A.; 15. Não ficou provado nenhuma relação entre a indisposição do recorrido e o despiste, ou tão pouco, que este na altura do acidente ainda estivesse sob o efeito da indisposição de que terá sido acometido; 16. A única coisa que ficou provada foi que o recorrido, em momento anterior ao acidente, se sentiu indisposto e que por isso regressava a casa; 17. O recorrido ao invadir a faixa da esquerda e ao transpor o traço contínuo existente no local, violou objectivamente o art. 13º do Código da Estrada e o M1 do nº 1 do art. 60º do D. Regulamentar nº 22-A198 de 01/10, o que, cada uma de per si, constitui contra-ordenação grave nos termos das ais. a) e j) do art. 146º do Código da Estrada...

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