Acórdão nº 661/2005-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Data | 02 Fevereiro 2005 |
Órgão | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I 1.
Nos autos de processo comum n.º 232/02.7TAFUN, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca do Funchal, os arguidos, J. e S., melhor identificados a fls. 484, - foram acusados, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores da autoria material, cada um, de um crime previsto e punível nos termos do disposto nos arts. 180.º/, 183.º e 184.º, do Código Penal, e arts. 30.º e 31.º, da Lei de Imprensa, Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, e - foram demandados, com a E..., L.DA, pelo assistente, F., pela quantia de € 249.398,00 e juros, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes dos factos acusados.
O Tribunal a quo recebeu a acusação e o pedido indemnizatório, precedendo alteração da qualificação jurídica dos factos, passando a imputar-se: - ao arguido J. a prática de um crime de difamação através da imprensa, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.º/1 e 184.º, do CP e arts. 30.º/1 e 2 e 31.º/1, da Lei de Imprensa, - ao arguido S., a prática de um crime p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.º/1 e 184.º, do CP e art. 31.º/3, da Lei de Imprensa[1].
Os arguidos e demandados contestaram a matéria da acusação e do pedido indemnizatório.
Em sequência, os arguidos foram submetidos a julgamento, perante Tribunal Singular e com documentação dos actos de audiência.
A final, o Tribunal prolatou sentença[2], decidindo (no segmento aqui relevante): 1.
absolver o arguido, J., do crime p. e p. nos termos do disposto nos arts. 180.º/1 e 184.º, do CP e nos arts. 30.º/1 e 2 e 31.º/1, da Lei de Imprensa, por que vinha acusado; 2.
absolver o arguido, S., do crime p. e p. nos termos do disposto nos arts. 180.º/1 e 184.º, do CP e no art. 31.º/3, da Lei de Imprensa, por que vinha acusado; 3.
absolver os demandados, J., S. e E..., L.DA, do pedido de indemnização civil, formulado pelo assistente, F..
-
O assistente interpôs recurso desta sentença.
Pede a revogação da mesma e que os arguidos sejam condenados pela prática do crime de difamação e abuso da liberdade de imprensa, p. e p. pelos arts. 180.º, do CP e 30.º, da Lei de Imprensa e, bem assim, condenados no pedido de indemnização civil, tal como formulado pelo demandante.
Extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões[3]: 1.
No caso em apreço, como resulta dos factos provados em sede de audiência de julgamento, mais concretamente os descritos nos números 3 a 8 da matéria de facto provada, os arguidos imputaram e reproduziram imputações de factos objectivamente adequados a ofender a honra do assistente, dirigindo-se a terceiros (público em geral).
A sentença recorrida violou pois os arts. 180.º e 184.º, do CP e o art. 30.º, da Lei de Imprensa.
-
O preenchimento do elemento subjectivo do ilícito criminal em causa também resultou provado em sede de audiência de julgamento, pois o grau de culpa exigível para a verificação do crime de difamação satisfaz-se com qualquer das modalidades de dolo previstas no art. 14.º, do CP, incluindo, por isso, o dolo eventual, reconhecido este como a mera consciência de que as imputações efectuadas pudessem vir a ofender o direito à honra do assistente, o que ficou provado - n.
os 7 e 8 da alínea a) dos factos provados.
A sentença violou o art. 14.º, do CP, ao ter absolvido os arguidos do crime por que vinham acusados.
-
Não sendo necessária a existência de um dolo específico, mas simplesmente de um dolo genérico e provada a existência de dolo, ter-se-á de concluir que se encontram preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, prevista no art. 483.º, do Código Civil.
-
A ilicitude em sede cível não se compadece com as causas de justificação do ilícito penal, nomeadamente as previstas no art. 180.º/2, do CP, mas simplesmente as clássicas causas de justificação, como é o caso da legítima defesa, estado de necessidade ou acção directa.
-
O facto de estarmos perante o exercício do direito de informar não constitui causa legítima de exclusão da ilicitude, pois tal exercício tem de respeitar determinados limites, nomeadamente os que se referem à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como é o caso do direito à honra. Sendo violados tais limites, ou, simplesmente, desde que não tenham sido cumpridos todos os deveres inerentes ao exercício do direito, previstos no art. 14.º, da Lei n.º 1/99, temos desde logo que concluir que tal exercício do direito não constitui uma causa legítima de exclusão da ilicitude.
-
A notícia publicada pelos arguidos não respeita os deveres de objectividade, rigor e isenção. Para além de reproduzir imputações feitas por terceira pessoa, os arguidos perspectivaram o que sucederia ao assistente («perspectiva-se que o caso possa ser objecto de uma queixa-crime no Ministério Público, alegando, igualmente, assédio sexual e moral»), o que nunca chegou a acontecer, não tendo sido minimamente provado. Para além disso, sugeriram ao público em geral que o assistente tenha praticado outro tipo de crime.
-
Tal conduta dos arguidos não corresponde à função da imprensa, pois que se deviam ter limitado a narrar os factos sucedidos com rigor e isenção, sem levantar outras suspeitas nem perspectivar outras situações ou lançar a suspeita no público de que o arguido tivesse praticado qualquer tipo de crime.
A sentença violou pois o art. 14.º a) e c), da Lei 1/99, o art. 2.º/d) e f), da Lei 2/99 e o próprio princípio da presunção de inocência, previsto no art. 32.º/2, da Constituição.
-
Os arguidos não tinham fundamento sério para reputar como verdadeiros outros factos imputados ao assistente, nomeadamente que «perspectiva-se que o caso possa ser objecto de queixa-crime no Ministério Público, alegando, igualmente, assédio sexual e moral», nem que houve várias denúncias mas só uma.
-
Nem foi provado que existiu, de facto, assédio sexual, mas apenas e tão só que a trabalhadora Su. denunciou tal facto à A ..., SA, e ao Secretário Regional da tutela. Cumpria aos arguidos a prova da verdade dos factos, não simplesmente de que se limitaram a reproduzir imputações de terceiros e de que essas imputações existiram. Caso contrário, estaríamos a incentivar a existência dos boatos e dizeres, sem criminalizar aqueles que os propalam, não sendo este o sentido do art. 180.º/2, da CP.
A sentença recorrida violou o disposto no art. 180.º/2 b), do CP.
-
Por outro lado, o fundamento sério para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos divulgados não se basta com o facto de os arguidos terem recolhido tais informações junto de fontes que consideraram credíveis. Os arguidos deveriam ter provado, o que não lograram fazer, que agiram com moderação nos seus propósitos, contendo-se dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar e que evitou o sensacionalismo e os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo. Deveriam igualmente ter provado a ausência de animosidade pessoal em relação ao assistente.
-
Na notícia publicada, os arguidos, ao invés de informarem com moderação, propiciaram o sensacionalismo, o que se vê com recurso às seguintes expressões: «estória», «preto no branco», «não se falava de outra coisa», e referiram pormenores ofensivos, tais como, «tudo indica que o caso terá sido desencadeado por várias denúncias». A boa fé a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 180.º, do CP integra todas estas actividades dos jornalistas que não foram minimamente observadas nem provadas.
A sentença recorrida violou o art. 180.º/2 b), do CP.
-
Não se pode considerar, como fez a sentença recorrida, que o assistente era uma figura pública e, como tal, que a sua actuação interessaria ao público em geral, pois não é pelo facto de estarmos perante uma figura pública que todos os factos a ela referentes tenham interesse em ser publicados, desprotegendo completamente a tutela do direito à honra destas pessoas.
-
O Tribunal a quo admitiu o recurso[4].
-
O Ministério Público em 1.ª instância, bem como os arguidos e co-demandada, responderam à motivação.
4.1.
O Ministério Público propugna pelo não provimento do recurso.
Extrai da minuta as seguintes conclusões (transcritas, na parcela relevante): 1.
Os arguidos divulgaram factos que convictamente reputaram como verdadeiros e que, atendendo ao inegável interesse público, à credibilidade da denúncia e ao procedimento havido, respeitam os deveres impostos aos jornalistas conforme o disposto no art. 14.º, da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro.
-
Tendo em atenção que a notícia publicada assenta em factos verídicos, sendo uma mera reprodução de diligências que estavam a decorrer na altura, a conduta dos arguidos preenche a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 180.º/2 a) e b), do CP, não merecendo censura penal.
-
A prova foi rigorosa e apreciada nos termos do art. 127.º, do CPP, ou seja, segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, pelo que não se mostram violados quaisquer preceitos legais e não merece censura a sentença recorrida.
4.2.
Os recorridos e co-demandada defendem, de igual modo, que o recurso não merece provimento.
Extraem da minuta as seguintes conclusões (transcritas, na parcela relevante): 1.
O aeroporto da M. é uma infra-estrutura vital, de interesse comunitário, funcionando diariamente à disposição de milhares de cidadãos que procuram os respectivos serviços e utilidades para e na organização das suas vidas.
-
À data da publicação do questionado texto, o assistente era um alto quadro da administração pública regional e director do aeroporto da M., exercia esse alto cargo em regime de comissão de serviço para a A ...., SA, que era a concessionária daquele aeroporto, e, por isso, o assistente era a autoridade máxima e o rosto visível, na M., daquele aeroporto, detendo ainda, perante a população, o estatuto de «figura pública».
-
O assistente foi denunciado, especialmente através de uma denúncia escrita, de assediar, moral e sexualmente, no...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO