Acórdão nº 4880/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Julho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução04 de Julho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. A. solteiro, […], intentou contra o Centro Nacional de Pensões […] actualmente Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS), […]acção declarativa comum com forma ordinária, que correu termos […] Lisboa, […] na qual pede que seja reconhecido ao autor a qualidade de titular do direito às prestações por morte da sua companheira B, e, em consequência, lhe seja processado e pago pelo réu os respectivos subsídios por morte e pensão de sobrevivência, tudo com as demais consequências legais.

* 2. O réu ISSS (Instituto de Solidariedade e Segurança Social) aceitou que B era beneficiária n.º […], e que faleceu no estado de divorciada. No mais impugnou os factos, por não serem pessoais, e não dever conhecê-los (art.º 490º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil).

* 3. O autor juntou as certidões de nascimento e óbito que constam de fls. 27 a 30 dos autos.

A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferido sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, reconheceu ao autor […] o direito peticionado.

* 4. Inconformado apelou o réu ISSS. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: (...) * 5. O autor não contra-alegou.

* 6. As questões essenciais a decidir: Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações __ e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas __, do réu apelante supra descritas em I. 4. a questão essencial a decidir é a de saber se pode ser reconhecida ao autor a qualidade de titular de prestações por morte da sua falecida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: *** II.

Fundamentos: A) De facto: Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Em 04-09-1998 faleceu B, no estado de divorciada.

  1. A falecida B era beneficiária da Segurança Social, com o n.º […].

  2. Em 11-08-1971 nasceu o indivíduo do sexo feminino a quem foi posto o nome de D. […] e registada como filha da falecida e do autor.

  3. Em 15-02-1973 nasceu um indivíduo do sexo masculino a quem foi posto o nome de E […] e que foi registado como filho da falecida e do autor.

  4. A mãe do autor faleceu em 03-05-1969.

  5. O autor viveu durante 30 anos com Emília […] e viveu-os e até morte desta.

  6. Como se de marido e mulher se tratasse.

  7. Em comunhão de vida, leito e mesa.

  8. Dessa união nasceram a D e E.

  9. A falecida não deixou bens.

  10. O autor é roupeiro num clube de futebol auferindo um vencimento mensal líquido no montante de 497,46 €.

  11. O autor tem a viver consigo a filha e os netos.

  12. A filha D está desempregada.

  13. É o autor que faz face a todas as despesas com a casa, com a sua alimentação e com a da filha e dos netos.

    * Atenta a certidão de nascimento do autor, junto a fls. 27 (doc. 1), e a certidão de óbito de fls. 30 (doc. 4) está ainda provado o seguinte: 15. O autor nasceu em 12-01-1940 e foi registado como filho de pai incógnito.

  14. A mãe do autor faleceu com 49 anos no estado civil de solteira.

    * B) De direito: 1. União de facto na nossa ordem jurídica: Antes da reforma de 1977 (Dec. Lei n.º 496/77, de 25-11) a convivência more uxorio, ou mancebia, era considerada uma pura relação de facto, que apenas interessava, como mero pressuposto factual, à presunção de paternidade (ilegítima) da criança concebida desta união (1). O art.º 1º do Dec. Lei n.º 420/76, de 28-05, conferia o direito de preferência à pessoa amancebada com o locatário, porque vivia com ele em economia comum, e com o aditamento do n.º 2 ao art.º 1111º do Cód. Civil pela Lei n.º 46/85, de 20-09 (Nova Lei das Rendas) o arrendamento passou também a transmitir-se por morte do arrendatário à pessoa que com ele vivia more uxorio. Com a reforma de 1977 a união de facto (2) ganha maior relevância jurídica como se vê pelos art.ºs 2020º, 953º e 2196º do Cód. Civil. Na sequência destas medidas de protecção, surge a Lei n.º 135/99, de 28-08. Esta veio ampliar significativamente as medidas de protecção da união de facto, institucionalizando-a, de certo modo, na nossa ordem jurídica (3). Esta lei foi substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11-05, que a revogou (art.º 10º), passando agora também a dar relevância jurídica à união de facto de pessoas do mesmo sexo (art.º 1º), para os efeitos previstos nos art.ºs 3º e 5º, mas já não para efeitos da adopção. A adopção conjunta de menores só é admissível na união de facto de pessoas de sexo diferente (art.º 7º da Lei 7/2001). Esta lei conferiu às pessoas que vivem em união de facto vários direitos nas várias alíneas do seu art.º 3º, entre os quais a protecção da casa de morada de família [al. a)], o regime do IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens [al. d)] e o direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência [art.º 3º al. e) e art.º 6º], tanto no caso de o falecido ser funcionário da Administração Pública (art.º 40º e 41º do "Estatuto das Pensões de Sobrevivência" __ Dec. Lei n.º 142/73, de 31-03, na redacção do Dec. Lei n.º 191-B/79, de 25-06, e art.ºs 3º, n.º 1 al. a), 4º, n.º 2 al. b) e 10º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 223/95, de 08-09 __ como no caso de ser beneficiário do regime geral da segurança social __ art.º 8º do Dec. Lei n.º 322/90, de 18-10, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01 __, pressupondo, em qualquer dos casos, que o direito àquelas prestações pressupõe sempre a verificação cumulativa das condições previstas no art.º 2020º, n.º 1 do Cód. Civil, e o seu reconhecimento por sentença, proferida em acção proposta contra os herdeiros do falecido e que fixe o direito a alimentos por estarem reunidas essas condições (art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001), ou proferida em acção proposta contra a instituição competente para a atribuição das pensões (Caixa Geral de Aposentações ou Instituto de Solidariedade Social) (4). Não obstante não ser pacífico, entendemos que não é necessária a propositura de duas acções (5).

    Apesar da progressiva ampliação das medidas de protecção jurídica à união de facto, conferidas pelas especiais razões particulares implicadas, a ordem jurídica não a converteu numa relação jurídica familiar para a generalidade dos efeitos (art.º 1576º do Cód. Civil) (6), visto que não criou, para as pessoas nela envolvidas, quaisquer direitos ou deveres próprios da relação familiar, em geral, ou da relação conjugal em particular. Ela não gera quaisquer direitos ou deveres pessoais ou patrimoniais próprios das pessoas casadas, da união de facto não decorre qualquer dever de assistência idêntico ao que a lei impõe aos cônjuges no art.º 1675º do Cód. Civil. A união de facto pode produzir efeitos jurídicos, mas não é casamento. O casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes. Os casados assumem o compromisso de vida em comum; os membros da união de facto não assumem, não querem ou não podem assumir esse compromisso. O legislador não dá à união de facto o mesmo tratamento que dá ao casamento, como mostram claramente os art.ºs 2133º e 2020º do Cód. Civil e art.º 85º do R.A.U (7).. O nosso ordenamento jurídico não equipara, pois, o regime do casamento à união de facto, nem mesmo para efeitos da atribuição da pensão de alimentos. Por isso, o desfavor ou desprotecção da união de facto relativamente ao casamento é assim objectivamente fundada, e justifica-se até como meio proporcionado a favorecer o estabelecimento de uniões estáveis ou potencialmente estáveis, no interesse geral. Um tratamento diferente de situações materialmente diferentes não viola o princípio da igualdade (art.º 13º da C.R.P.) (8).

    * 2. O direito à pensão de sobrevivência: Nos termos do art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11-05 __ Lei que revogou expressamente a Lei n.º 135/99, de 28-08 no seu art.º 10º __, e dos art.ºs 40º e 41º do "Estatuto das Pensões de Sobrevivência" __ Dec. Lei n.º 142/73, de 31-03, na redacção do Dec. Lei n.º 191-B/79, de 25-06, e art.ºs 3º, n.º 1 al. a), 4º, n.º 2 al. b) e 10º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 223/95, de 08-09 __, no caso de o falecido ser funcionário ou agente da Administração Pública ou da Administração Pública Regional ou Local, ou nos termos do art.º 8º do Dec. Lei n.º 322/90 de 18-10, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01 (Regime e Regulamento da protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da Segurança Social), no caso do falecido ser beneficiário do regime geral da segurança Social, o companheiro(a) sobrevivo(a) que viveu em união de facto com o falecido funcionário ou agente da Administração Pública ou da Administração Pública Regional ou Local, ou com o falecido beneficiário do regime geral da segurança Social tem direito à pensão de sobrevivência se estiver nas condições previstas no art.º 2020º, n.º 1 do Cód. Civil e reconhecidas por sentença proferida em acção proposta contra, respectivamente, a CGA ou o ISSS.

    Nos termos do art.º 6º, n.º 1 da lei n.º 7/2001, este direito é atribuído « a quem reunir as condições previstas no art.º 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis ». E o art.º 2020º, n.º 1 dispõe: « aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do art.º 2009 ».

    A ratio legis da...

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