Acórdão nº 4855/2004-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Data22 Setembro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, precedendo conferência, na Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO 1 - Incidências processuais relevantes. Decisão recorrida.

Nos autos de instrução n.º..., do 3.º Juízo - A, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o Ministério Público acusou os arguidos, V., J., M. e C., SA, pela prática de factos consubstanciadores da co-autoria de 5 crimes de abuso de confiança fiscal, cada um previsto e punível nos termos do disposto no art. 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e, do mesmo passo e contra os mesmos arguidos, formulou pedido de indemnização civil, pela quantia de € 120.835,45 e juros[1].

Precedendo instrução, a requerimento dos arguidos, o Tribunal a quo veio a decidir não pronunciar os arguidos[2].

2 - Recurso.

O Ministério Público, em 1.ª instância, interpôs recurso daquela decisão de não pronúncia.

Extrai da correspondente motivação as seguintes [transcritas] conclusões: 1.ª - O Meritíssimo juiz ao não pronunciar os arguidos da prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal p. p. pelo art. 24.º, do RJIFNA, actualmente p. e p. pelo art. 105.º, do RGIT, violou o disposto no art. 308.º n.º 1, do CPP e, nos termos do disposto na alínea c) do art. 410.º, do CPP, a douta decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova.

  1. - Com efeito, na douta decisão instrutória o Mert.º Juiz considerou que o inquérito não contém qualquer prova reveladora de qualquer apropriação, para além da entrega das declarações mensais do IVA identificadas na acusação desacompanhadas de qualquer meio de pagamento.

  2. - Quanto às imputadas apropriações das retenções levadas no âmbito das retenções do IRS, considerou que o Ministério Público limitou-se a consultar os balancetes da sociedade arguida e a ouvir os arguidos e estes recusaram qualquer actuação de apropriação indevida das verbas retidas a titulo de IRS, alegando um contexto de graves dificuldades financeiras, para a invocada impossibilidade de dedução e retenção de IRS sobre os salários pagos.

  3. - Que a instrução veio alterar o estado do processo a favor da posição defendida pelos arguidos, já que estes lograram provar sumariamente a versão por si avançada durante o inquérito quanto à alegada falta de liquidez de tesouraria para o efeito de pagamento integral dos salários aos trabalhadores no período temporal a que respeita o processo.

  4. - Concluiu o Mert.º Juiz a quo entendendo que os arguidos lograram atenuar a indiciação suficiente vinda do inquérito, ao instalarem a dúvida insanável quanto à verificação dos factos descritos na acusação, que não deve ser transportada para a fase de julgamento, pois é mais provável a absolvição dos arguidos se os mesmos foram submetidos a julgamento com a mesma prova que existe actualmente.

  5. - Ora, e salvo douta posição contrária, e no que concerne ao IVA, respeitante aos meses de Fevereiro e Março de 2002, resulta suficientemente provado, que os arguidos singulares, apresentaram as declarações respectivas aos Serviços de Administração do IVA, apenas não entregando as importâncias devidas (cópia dos microfilmes das declarações periódicas remetidas aos serviços do IVA pela sociedade arguida, com referência aos períodos de 2002).

  6. - Das referidas declarações periódicas, encontra-se suficientemente comprovado que os arguidos cobraram e receberam valores monetários na empresa, correspondentes a retenções de IVA, nos prazos previstos na lei - arts. 26.º n.º 1 e 40.º, do CIVA, não os entregando nos cofres do Estado.

  7. - Esta integração na esfera patrimonial, ou apropriação dos valores do IVA, verifica-se, assim, no momento em que se deu a inversão do titulo da posse, passando os arguidos a dispor dos quantitativos, para satisfazer os seus compromissos (neste sentido - cfr. o Ac do S.T.J., in C.J. Ano V, tomo I, pág. 190).

  8. - Quanto às imputadas apropriações das retenções de IRS, entende o Mert.º Juiz a quo que a prova produzida durante a instrução veio alterar o estado do processo a favor da posição defendida pelos arguidos, quanto à falta de liquidez de tesouraria para o efeito de pagamento integral dos salários dos trabalhadores no tempo a que respeita o processo.

  9. - Salvo douta opinião contrária, não podemos concordar com tal posição. A versão dos factos, ora trazida pelas testemunhas ouvidas durante a instrução, quanto às dificuldades financeiras da sociedade arguida não se encontra minimamente confirmada nos autos, através de prova documental, nomeadamente pelas folhas dos pagamentos dos vencimentos, por parte da sociedade arguida.

  10. - Por outro lado, não pode afirmar-se, nos termos referidos, na douta decisão recorrida (ponto 243, pág. 13) «... que o dinheiro existente na tesouraria em 1997 (cerca de 20 mil contos) permitiam ou não satisfazer prioritariamente os encargos inerentes às retenções dos autos, (por referência aos anos de 1997 a 1999) em detrimento de outros encargos do Estado» e, ao mesmo tempo considerar-se no ano de 2000, a existência da contratação de uma directora financeira, tendo as contas da empresa saído de uma situação negativa, o que implicou que no saneamento das contas tenha logicamente operado prioritariamente em solver as dívidas em atraso, em detrimento das contas futuras.

  11. - Perante a existência de tais elementos de prova, terá de se considerar que nos períodos referidos na acusação, os arguidos dispunham de meios suficientes para efectuar os pagamentos do imposto retido a titulo de IRS, pois os arguidos não lograram provar a falta de liquidez de tesouraria, para o efeito de não pagamento integral dos salários dos trabalhadores - não deixando estes de receber as suas remunerações.

  12. - Mas, mesmo considerando a existência das alegadas dificuldades financeiras, não pode considerar-se que, os arguidos dando os valores retidos a título de IRS, o destino concreto, nomeadamente de os utilizar no pagamento dos ordenados dos seus trabalhadores, em vez de o entregar ao Estado, salvaguardaram um interesse superior, porque, precisamente os dois interesses podem ser igualmente relevantes e daí, não poder afirmar-se que agissem em estado de necessidade ou em conflito de deveres, para que a sua conduta, pudesse considerar-se lícita, ao abrigo do disposto nos artigos 34.º, 35.º e 36.º, todos do Código Penal, tendo presente, que neste aspecto, não resulta minimamente dos autos que, se tais quantias relativas às retenções do IRS, não fossem aplicadas nos fins a que os arguidos alegam, se degradariam as condições de vida destes trabalhadores, que seriam lançados ao desemprego, e não pudessem sobreviver sem tais ordenados, porque tinham outros recursos alternativos (neste sentido o citado Ac. do STJ, de 15.1.1997, in C.J. Ano V. tomo 1, pag. 192).

  13. - Deste modo, a douta decisão recorrida deverá ser alterada, devendo, os arguidos serem pronunciados, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, um por referencia ao ano 2002 e outro, na forma continuada, por referencia aos períodos de 1997 a 1999, p. e p. pelo art. 24.º, do RJFINA, actualmente p. e p. pelo art. 105.º, do RGIT.

3 - Validação do recurso.

O recurso foi admitido, por despacho de 20-4-2004 (fls. 471).

4 - Contra-motivação.

Os arguidos responderam à motivação, propugnando pela confirmação do julgado.

Concluem nos seguintes [transcritos] termos: 1.º - A decisão de não pronúncia, porque devidamente fundamentada nos termos da Lei, baseada nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos testemunhais aí prestados e porque conforme à verdade material, deverá ser mantida.

  1. - Quanto ao crime de abuso de confiança fiscal de que os arguidos vinham acusados por referência ao ano de 2002, relativamente ao IVA, não logrou o M.P. fazer prova de que os arguidos cobraram ou receberam efectivamente os referidos valores monetários, constantes das declarações periódicas que entregaram, desacompanhadas do meio próprio para pagamento.

  2. - Além disso, também não logrou o M.P. fazer qualquer prova ou carrear para...

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