Acórdão nº 6919/2003-5 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelANA SEBASTIÃO
Data da Resolução15 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa.

I -1- No Processo comum (Tribunal singular) nº. 2680/01-OTDLSB da 3ª. Secção do 4º. Juízo Criminal de Lisboa, após julgamento dos arguidos D. e H. foi proferida sentença, decidindo, além do mais: a) Condenar o arguido D. como autor material de um crime, previsto e punível pelo artº. 372º, nº. 1 do CP, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão.

b) Condenar o arguido H., como autor material de um crime previsto e punível pelo artº. 374º,nº. 1 na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.

* -2- Os arguidos não se conformaram com esta decisão, dela interpuseram recurso apresentando motivação da qual extraíram as seguintes conclusões, após aperfeiçoamento, oportunamente ordenado, neste Tribunal: Do arguido D.: 1- A identificada E. actuou no processo nitidamente como agente provocador; 2- O arguido só conheceu a E. no momento de iniciar o seu exame e após o habitual sorteio por computador (1ª. Cassete de 0000 a 3114, lados A e B e cassete 3 de 3915 a 5024 e 0050 a 1992, lado A da 5ª. Cassete); 3- Ambos os candidatos concluíram as sua provas sem qualquer interrupção por parte do examinador, sinal evidente de que foi entendido nenhum erro ter sido praticado que implicasse reprovação é o que impõe a nota interna da D.G.V., junta fls. 397, vinculada para os examinadores; 4- O arguido e´, em absoluto, alheio a qualquer eventual combinação entre outros intervenientes, o que, aliás, duvida que tenha havido, pois só a "provocadora" é que refere, só no fim do exame é que houve o primeiro contacto com o arguido, o qual, portanto, no seu comportamento durante o exame não podia estar norteado pela promessa de qualquer compensação; 5- A "agente" já ia preparada para provocar a situação; 6- Salienta-se o modo persistente como o agente provocador autenticamente pressiona o instrutor no sentido de concretizar o seu objectivo, que era o de entregar dinheiro, recebendo a carta (talvez como prémio) apesar de ter feito exame, na tese dela e da acusação, para reprovar; 7- A E. refere que o instrutor havia dito na presença de outro examinando, que teria que "chover algum" para se passar, o instrutor nega a fls. 119, que o tenha dito e o outro referido examinando nega que o tenha ouvido (quer a fls. 107, quer de 1842 a 2513 do lado A e de 2522 a 3374 do lado B da cassete 3); 8- E evidente do depoimento de arguido (cassete 1 de 0000 a 3114 lados A e B) a sua ainda dificuldade em interpretar o português, o que poderá justificar o não ter percebido bem o que o instrutor lhe dizia; 9- Até logo na denúncia inicial (fls. 2) se "adivinha" que iria ser praticado "acto ilícito"; 10- Entretanto na análise dos erros atribuídos à E., curioso é desde já referir a análise que ela faz do seu interior exame e em que diz que fez boa prova (fls. 34 e cassete 1, lado B de 4925 a 7878), no entanto, a fls. 93 e 100, está perfeitamente documentada a sem razão daquela afirmação; 11- Perante esta "clarividência" de raciocínio daquela agente, não é de estranhar a sua análise "ex catedra" feita a fls. 132, sobretudo se compararmos tais declarações com as anteriores, estas de fls. 132, já são bem mais elaboradas, sinal evidente de que... estudou melhor a lição... fazendo autêntica auto- flagelação! 12- Dos dois erros alegadamente cometidos, nenhum deles é para reprovar; 13- O bater no passeio só seria para reprovar se o fizesse de forma descontrolada o que não aconteceu, como se vê não só a fls. 132, bem como no seu depoimento em audiência (cassete de 4925 a 7878 do lado B e lados A e B da 2ª. Cassete); 14- Houve assim, errada aplicação do disposto no artigo 49º, da Portaria 520/98, de 14 de Agosto; 15- Onde se diz na acusação, nas declarações ou na sentença que a E. bateu no passeio de forma descontrolada? 16- Repara-se que o outro examinando nem sequer se apercebeu que ela batera no passeio (cassete 3 de 1842 a 2513 do lado A e 2522 a 3374 do lado B); 17- O segundo erro também não existiu, pelo menos nos termos em que o pretende a E. e se reproduziu na sentença; 18- Com efeito, e porque no local não estava nenhuma sinalização vertical, o regime em tal entroncamento era o de ter de se ceder a passagem às viaturas que vinham da direita (Regulamento de Sinalização de Trânsito do Código da Estrada no seu artigo 61º); 19- É a própria E. (fls. 132) que confirma que na sua manobra continuou a permitir com normalidade a passagem das viaturas vindas da sua direita; 20- O mesmo se diz na própria acusação junta aos autos, quando afirma expressamente que a manobra de E. não foi de molde a impedir a passagem normal do trânsito que vinha da direita (V. também depoimento da Elizabete em audiência, cassete nº. 1, lado B de 4925 a 7778 e cassete nº. 2); 21- Se tivesse havido a intervenção do arguido, como examinador, é que a prova seria logo ali terminada e a candidata reprovada; 22- De resto, é o outro examinando que confirma que foi E. que travou a viatura a tempo de não perturbar o andamento dos outros carros (cassete 3 de 1742 a 2513, lado A e 2522 a 3374, lado B); 23- A E. no seu depoimento supra referido (fls. 32), entra noutra contradição quando diz que o outro examinando afirma que o examinador fora "muito simpático"; 24- O que foi frontalmente desmentido pelo referido outro examinando nas suas identificadas alegações em audiência; 25- Com a passagem de E. não houve, deste modo, qualquer acto ilícito, por parte do arguido, ao contrário do que a própria E. queria para justificar o bom resultado da sua "provocação"; 26- Quanto ao envelope, ele foi entregue ao arguido já após a comunicação dos resultados. Com efeito, ele recebeu o envelope convencido de que se tratava do documento em falta do outro candidato (V. fls. 44 e 107); 27- Antes disso, nunca (e ao contrário do que se diz na sentença, mas sem qualquer base comprovativa) ao arguido fora oferecida ou prometida a entrega de dinheiro; 28- Tal envelope foi dado ao arguido e por ele aberto em plena sala dos técnicos o que ele, por certo, não faria se soubesse que nele estaria dinheiro para eventual corrupção; 29- P próprio colega que ia com ele para almoçar refere que o arguido ia perfeitamente calmo, nem ele próprio, depoente, se tendo apercebido de qualquer perseguição (fls. 83 e cassete 3, lado B de 3915 a 5024); 30- Não resultou, assim, qualquer prova evidente e irrefutável, no sentido de que o arguido perante a promessa de dinheiro tenha aprovado a Elizabete, embora com prova de exame para reprovar; 31- Posto isto, a sentença recorrida encontra-se ferida de inconstitucionalidade material, por violação ao disposto no artº. 32º, nº. 8 da C.R.P., atendendo a que as provas obtidas foram todas preparadas e postas em execução através de um agente provocador, a testemunha já referida E.; 32- Com efeito, resulta fluente e transparentemente dos autos que foi a testemunha referida quem criou na mente do co-arguido H. uma intenção criminosa que até então não existia, lutando contra a sua opinião de que não seria necessário dar dinheiro para passar no exame, pois estava suficientemente preparada e acabando por conseguir convencê-lo a praticar os factos pelos quais foi condenado; 33- Assim, foi a agente provocadora E. quem criou todo o crime, ajustando todos os pormenores com o auxílio técnico da PJ, tendo sido a final o co-arguido H., a ser punido; 34- O que, sem margem para dúvida, determina a inconstitucionalidade da sentença recorrida, que para todos os efeitos desde já fica arguida. Tal ofensa constitucional resulta da violação do disposto no artº. 126º, nº. 2, al. A) do CPP, atendendo a que o co-arguido H., como resulta dos autos, foi alvo de grave perturbação do exercício da sua vontade, por instigação da agente provocadora Elizabete; 35- Por outro lado e, acrescendo ao que foi dito, a carta de condução obtida pela testemunha E. continua em vigor, nada tendo contra tal circunstância sido posto em causa, quer pela DGV, que pelo Tribunal "a quo"; 36- Deste modo, não se entende como foi possível condenar o aqui arguido por prática de corrupção passiva pela prática de acto ilícito; 37- Por outro lado, o circunstancialismo referente à personalidade do arguido é de molde a que ao mesmo fosse aplicada pena de prisão, suspensa na sua execução; 38- De facto, se se entender que o arguido deve ser aplicada pena de prisão, impõe-se apreciar detalhadamente os fundamentos para a suspensão da execução da pena nos termos previstos no disposto no artº. 50º do CP; 39- Para formar um juízo sobre a adequação da simples censura do facto criminoso e da ameaça de prisão, tendo em vista as finalidades da punição, o Tribunal deverá atender: à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do crime; 40- Sujeitar o arguido ao sofrimento de uma medida de prisão efectiva é ultrapassar os fins sancionatórios assegurados pelas penas criminais pois não é necessária; 41- A simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição do crime de corrupção passiva em apreço; 42- Nunca o arguido pode ser considerado um protótipo do indivíduo que se rege por valores de corrupção e, consequentemente, punindo-o em excesso de nada servirá como factor de dissuasão para os verdadeiros e habituais autores de prática de crimes de corrupção; 43- Finalmente, quanto à medida da pena, é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual incumbe ao Tribunal o dever de levar mais longe a indagação em sede de matéria de facto sobre a personalidade do arguido, as suas motivação e as suas condições pessoais quando os elementos que possui não são suficientes para a escolha da espécie e medida da pena (Acórdão de 2001-06-28, processo nº. 1674/01-5 e Acórdão de 2003-05-08, proc. Nº. 1091/03), ambos do Relator Juíz Conselheiro Simas Santos; 44- A fundamentação legal para este entendimento reside no disposto do artº. 369º do CPP, que impõe ao Tribunal -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT