Acórdão nº 5710/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2004 (caso NULL)
Data | 27 Abril 2004 |
Órgão | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: 1. Maria (...), viúva, doméstica, residente na Calçada …, Lisboa, intentou contra o Centro Nacional de Pensões, sito no Campo Grande, n.º 6, 1700-092, em Lisboa, acção declarativa comum com forma ordinária, que correu termos na 5.ª Vara Cível 3.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com o n.º 65/00, na qual pede que se declare que autora tem a qualidade de titular das prestações por morte de Francisco, em conformidade com o Dec. Lei n.º 1/94, de 18-01, tudo com as legais consequências.
* 2. O réu contestou e a acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferido sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, declarou que a autora e Francisco viveram em união de facto por lapso de tempo ininterrupto superior a dois anos, e reconheceu à autora a qualidade de titular de prestações por morte daquele, e não condenou o réu em custas, por delas estar isento.
*3. Inconformado apelou o réu. Nas suas alegações conclui: (...)* 4. A autora apelada não contra-alegou.
* 5. As questões essenciais a decidir: Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações - e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas -, da autora apelante supra descritas em I. 3. são três as questões essenciais a decidir: 1) se a sentença é ou não nula, nos termos do art.º 668º, n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil; 2) e se a qualidade de titular de prestações por morte reconhecida à autora é ou não contra legem.
Vai-se conhecer das questões pela ordem indicada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:***II. Fundamentos: A) De facto: Nos termos do art.º 713º, n.º 6 do Cód. Proc. Civil, e dado que a matéria de facto provada na 1.ª instância não foi objecto de impugnação, nem tem de ser alterada por esta Relação, remete-se, aqui, no que toca à matéria de facto provada na 1.ª instância, para os termos dessa decisão.
* B) De direito: Nos termos do art.º 668º, n.º 1 al. c) a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Trata-se de um vício lógico. Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. No processo lógico, as premissas de direito e de facto apuradas pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao oposto. Uma coisa é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, o erro na interpretação da norma jurídica, ou o erro de julgamento __ quando o juiz, por exemplo, entende, mal, que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica, expressa esse seu entendimento na fundamentação da sentença ou dela decorre[1] __ ou até mesmo a contradição que possa existir entre os factos que a sentença dá como provados e outros já apurados no processo, designadamente por já haverem sido incluídos nos factos assentes, e outra, muito diferente, é a oposição referida na al. c) do n.º 1 do art.º 668 geradora de nulidade[2].
Posto isto, e traçado o esquisso desta nulidade, vejamos então.
Sustenta o apelante que a sentença é nula, porque existe notória contradição entre os factos provados e o direito aplicável, porque um dos pressupostos para o reconhecimento da qualidade de titular de prestações é que a autora não tenha familiares nas condições de prestar alimentos (art.ºs 2002º e 2009º do Cód. Civil « ex vi » art.º 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01, condição reafirmada no art.º 6º da Lei n.º 135/99, de 28-08) e na resposta ao artigo 7º da b.i. (base instrutória) apenas se provou que os filhos da autora não têm condições económicas para a ajudar e não se verifica, da matéria de facto, que a autora não tivesse outros familiares que lhe pudessem prestar alimentos.
Mas não tem manifestamente razão. E não tem porque, como se deixou intercaladamente referido, uma coisa é o juiz, por exemplo, entende, mal, que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica, expressa esse seu entendimento na fundamentação da sentença ou dela decorre.
E analisando a sentença recorrida, vê-se, muito claramente, que os fundamentos nela invocados levam logicamente à decisão que foi tomada.
Donde improcede a arguida nulidade.
Além do mais, e com o devido respeito, falece toda a construção jurídica da apelante, pelas razões infra expostas.
*2. União de facto iter versus institucionalização?: Antes da reforma de 1977 (Dec. Lei n.º 496/77, de 25-11) a convivência more uxorio, ou mancebia, era considerada uma pura relação de facto, que apenas interessava, como mero pressuposto factual, à presunção de paternidade (ilegítima) da criança concebida desta união[3]. O art.º 1º do Dec. Lei n.º 420/76, de 28-05, conferia o direito de preferência à pessoa amancebada com o locatário, porque vivia com ele em economia comum, e com o aditamento do n.º 2 ao art.º 1111º do Cód. Civil pela Lei n.º 46/85, de 20-09 (Nova Lei das Rendas) o arrendamento passou também a transmitir-se por morte do arrendatário à pessoa que com ele vivia more uxorio. Com a reforma de 1977 a união de facto[4] ganha maior relevância jurídica como se vê pelos art.ºs 2020º, 953º e 2196º do Cód. Civil. Na sequência destas medidas de protecção, surge a Lei n.º 135/99, de 28-08. Esta veio ampliar significativamente as medidas de protecção da união de facto, institucionalizando-a, de certo modo, na nossa ordem jurídica[5]. Esta lei foi substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11-05, que a revogou (art.º 10º), passando agora também a dar relevância jurídica à união de facto de pessoas do mesmo sexo (art.º 1º), para os efeitos previstos nos art.ºs 3º e 5º, mas já não para efeitos da adopção. A adopção conjunta de menores só é admissível na união de facto de pessoas de sexo diferente (art.º 7º da Lei 7/2001). Esta lei conferiu às pessoas que vivem em união de facto vários direitos nas várias alíneas do seu art.º 3º, entre os quais a protecção da casa de morada de família [al. a)], o regime do IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens [al. d)] e o direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência [art.º 3º al. e) e art.º 6º], tanto no caso de o falecido ser funcionário da Administração Pública (art.º 40º e 41º do "Estatuto das Pensões de Sobrevivência" __ Dec. Lei n.º 142/73, de 31-03, na redacção do Dec. Lei n.º 191-B/79, de 25-06, e art.ºs 3º, n.º 1 al. a), 4º, n.º 2 al. b) e 10º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 223/95, de 08-09 __ como no caso de ser beneficiário do regime geral da segurança social __ art.º 8º do Dec. Lei n.º 322/90, de 18-10, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01 __, pressupondo, em qualquer dos casos, que o direito àquelas prestações pressupõe sempre a verificação cumulativa das condições previstas no art.º 2020º, n.º 1...
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