Acórdão nº 8421/2003-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Data14 Janeiro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - No termo da fase de inquérito do processo nº 3358/98.6JGLSB, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B., C., D. e E., imputando, a cada um deles, a prática de três crimes de homicídio com negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de explosão, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma (fls. 840 e segs.).

Para tanto, imputou aos arguidos a prática dos seguintes factos: «1. A sociedade "F., Lda." tem como sócios os arguidos B., C. e D. e como objecto social, entre outras actividades, o negócio de armeiro, actividade social essa que durante vários anos exerceu com sede na Rua R., nº 32-A, na freguesia de M. (fls. 308).

  1. Àquela sociedade foi atribuída licença de estabelecimento de fabrico e armazenagem de produtos explosivos bem como licença de estanqueiro, após vistoria e na sequência do preenchimento dos requisitos do Decreto-Lei nº 376/84, de 30/11, e ali desenvolveu tal actividade, tendo à data o seu armazém de pólvora sito na R1., nº 6-A, também em M., devidamente licenciado.

  2. Sucede que por motivos logísticos e devido a suspeitas de acondicionamento ilegal de explosivos no referido armazém com consequente mal-estar no imóvel e na própria comunidade circundante (fls. 647, 704 e 705) a empresa veio, em 05/07/1995, a requerer ao Comando Geral da PSP a transferência das suas instalações para a Estrada da Circunvalação, Lote 2, nos Olivais (fls. 425).

  3. Ora, na sequência de tal requerimento o arguido E., que desempenhava funções de Assessor do Comando Geral da Polícia de Segurança Pública, mais concretamente, da Comissão de Explosivos, de forma a fundamentar a apreciação do referido requerimento deslocou-se ao referido local onde a sociedade se pretendia instalar e efectuou as necessárias vistorias em 31/10/1995 e 15/05/1996.

  4. Assim e, em face dos seus pareceres, emitidos em 31 de Outubro de 1995 e 15 de Maio de 1996 (fls. 718), veio a ser deferido o requerimento, sendo concedida autorização de transferência e respectivo licenciamento para a laboração naquele local, através de despacho de José Celestino Soares, chefe da Repartição de Armas e Explosivos, o que fez em dia não apurado do ano de 1996 (fls. 120).

  5. Nos termos do referido licenciamento (alicerçado nas duas vistorias efectuadas pelo arguido E. ocorridas 31/10/1995 e 15/05/1996), resultava inequivocamente "...que na zona adjacente ao armazém não existiam edifícios habitados e que as distâncias a vias de comunicação e os depósitos que pretender construir estão asseguradas, as paredes do armazém estão construídas em betão de 25 cm e 60 cm de espessura...." 7. Resultando ainda que na oficina estariam implantadas duas máquinas automáticas de carregar cartuchos de marca Universal com alimentadores, e uma máquina automática de carregar cartuchos de marca Futura com alimentador.

  6. Máquinas que à data das vistorias se encontravam já no local e que se encontravam munidas dos respectivos alimentadores com capacidade para cerca de 25 kg cada, alimentadores esses que não fazendo parte da estrutura original da máquina lhe tinha sido já apostos posteriormente, facto que o arguido naquelas datas atestou e sancionou, sendo assim tal factualidade do seu conhecimento (fls. 719).

  7. Por outro lado, quer do disposto no parágrafo 7º do Decreto-Lei nº 142/79, de 23/05, quer do relatório da vistoria levada a cabo pelo arguido E., constante de fls. 718, resultava que na oficina de carregamento se podia armazenar 1 kg de pólvora a granel e 1 kg de pólvora em embalagem devidamente acondicionada devendo os cartuchos carregados serem removidos da oficina, de forma a que não se encontrem, em caso algum, excedidos os (2) dois kg de pólvora mencionados acrescendo ainda do teor do licenciamento que no depósito de pólvora de caça (2º espécie) poderiam ser armazenados até 100 kg de pólvora.

  8. Mais resultava dos termos do licenciamento concedido àquela sociedade, e no que ao equipamento se referia, que todos os dispositivos eléctricos deviam ser blindados e ligados à terra resultando ainda em relação ao quesito segurança que a aparelhagem montada na oficina e respectiva instalação eléctrica não podiam ser alteradas sem autorização prévia da Comissão de Explosivos da PSP.

  9. Por fim resultava do referido licenciamento que a distância entre os depósitos de 1ª ou de 2ª espécie autorizados não poderia ser inferior a 5 m.

  10. Na prossecução da actividade social o arguido B., durante o ano de 1995 e até pelo menos 1998, assumiu funções de gerência efectiva, por seu lado o seu pai, o arguido C., dava apoio à actividade social e prestava diariamente apoio aos funcionários, ao passo que a arguida D., também sócia gerente, supervisionava a área comercial dedicada à venda ao público de cartuchos e à exploração de carreira de tiro ali instalada.

  11. Desta forma e no período compreendido entre os anos de 1996 a 1998, a referida oficina de carregamento laborou apenas com as referidas máquinas, únicas que se encontravam licenciadas, e que detinham nos carregadores em período normal de laboração, a quantia global de 70 kg de pólvora.

  12. Na verdade os alimentadores das máquinas de modelo Universal tinham capacidade para 25 kg cada um ao passo que o da máquina de modelo Futura tinha capacidade para 20 kg e encontravam-se todos a cerca de dois metros e meio do chão pelo que, em face do volume de pólvora existente no interior da oficina durante o período de laboração se encontrava em suspensão pólvora que saía dos referidos carregadores em virtude do funcionamento das máquinas.

  13. Circunstância que ocorreu, ininterruptamente, até inícios de Agosto de 1998, altura em que os sócios gerentes daquela sociedade, ora arguidos, sem qualquer autorização administrativa ou comunicação formal a terceiros, procederam à importação e instalação na fábrica de carregamento de uma máquina de carregamento de cartuchos BSN BITURBO (identificada a fls. 21 do apenso 2) substituindo desta forma uma das máquinas que se encontravam licenciadas por aquela.

  14. Ora sucede que a mencionada máquina desde logo introduzida na oficina de carregamento e no respectivo processo produtivo tinha superior capacidade produtiva e, com vista a evitar quebras na tensão, pois consumia de mais energia para funcionar por ter motores mais potentes, necessitou da instalação de nova cablagem e circuito eléctrico.

  15. Tal alteração veio a ser efectuada por técnico particular que prestava serviços à sociedade, ficando a máquina instalada durante cerca de três meses a título experimental na oficina, pois estaria em estudo a sua integral instalação e a eventual encomenda de outra peça ao fornecedor.

  16. Tal factualidade era também do conhecimento e sancionamento pessoal do arguido E., pois o mesmo estava ao corrente da actividade e da logística da empresa em virtude dos contactos que mantinha com o arguido B., arguido que aconselhava juridicamente e em termos práticos no que a procedimentos de segurança da empresa respeitava.

  17. Sucede porém que em 06 de Novembro de 1998, em virtude de ter sido detectado um barulho suspeito na laboração pelo funcionário G., foi chamado às instalações o referido electricista que prestava serviços à sociedade, H. (indivíduo esse que procedera anteriormente à montagem das cablagens na instalação da máquina Biturbo aí em laboração), e que após analisar as máquinas e circuitos com o auxílio de uma aparelho de medida Multímetro, concluiu nada de relevante se passar, abandonando o local de seguida.

  18. Porém cerca das 16h30, momentos após daquele abandonar o local, e quando se encontravam no interior da área de laboração os funcionários da empresa responsáveis pelo funcionamento das máquinas, I., J. e G., por motivos que em concreto não foi possível apurar, ocorreu uma explosão de pólvora que teve origem na máquina BITURBO ali recentemente introduzida e que provocou a destruição completa da área de laboração (fls. 795, 4.3.2).

  19. Tal explosão, que destruiu totalmente a máquina encartuchadora Biturbo, provocando a deformação da sua estrutura e placas, produziu também danos nas outras máquinas que também ficaram inutilizadas, (embora sem o mesmo grau de destruição), veio ainda a destruir as placas do tecto, as paredes exteriores onde se encontravam instaladas as máquinas e alguns pilares de sustentação do edifício provocando o abatimento da estrutura superior e provocando ainda a projecção de blocos da parede exterior.

  20. Na ocasião e uma vez que o carregamento de pólvora nos alimentadores ocorrera há cerca de dez minutos, encontrava-se no interior da oficina de carregamento e dentro dos mesmos (tremonhas) que se encontravam a cerca de 2,5 metros de altura, uma quantidade global de cerca de 75 kg e pelo ar encontrava-se, em suspensão, uma quantidade não apurada de pólvora, ao passo que no armazém de segunda espécie se encontrava ainda condicionada a quantia de pelo menos 100 kg da mesma pólvora.

  21. Explosão que foi assim potenciada pela pólvora em suspensão na oficina e que de imediato provocou a morte dos referidos funcionários que se encontravam na zona de carregamento, sendo seguida de outras...

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