Acórdão nº 8673/2003-3 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Dezembro de 2003 (caso None)

Data10 Dezembro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório 1- O Ministério Público, não se conformando com o douto despacho proferido nos Proc. N.º 289/ , do 1º Juízo do TIC, que indeferiu o pedido de obtenção, junto da TMN, da listagem das chamadas recebidas pelo nº (X)), vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. 1.1 - O recorrente, na sua motivação, apresentou as seguintes conclusões: "1) Em telecomunicações, constituem "dados de tráfego" aqueles elementos de informação que, sendo inerentes à própria comunicação, permitem identificar "ad posterior?' os intervenientes numa ligação, bem como o local, a data, a hora e a duração; 2) Estes elementos, respeitantes aos utilizadores de serviços de telecomunicações, que se encontrem na disponibilidade dos fornecedores de rede pública e dos prestadores de serviços de telecomunicações de uso público, estão sujeitos ao sigilo das telecomunicações; 3) A privacidade das comunicações telefónicas ou telemóveis, como corolário da reserva de intimidade da vida privada, abrange não apenas a proibição de interferência, em tempo real, de uma chamada telefónica como também a impossibilidade do ulterior acesso de terceiros a elementos que revelem as condições factuais em que decorreu uma comunicação; 4) Pelo que os dados de tráfego integram também o núcleo da vida privada que é salvaguardado pela confidencialidade da comunicação e que é objecto de consagração e tutela constitucional: 5) Direitos fundamentais, constitucionalmente atribuídos, quer ao próprio titular do telefone ou telemóvel, quer aos terceiros intervenientes nas ligações e conversações telefónicas; 6) A prova resultante da listagem das chamadas telefónicas recebidas, obtida com o mero consentimento do titular do telemóvel, por contender com os direitos fundamentais dos terceiros intervenientes nas ligações, que a não consentiram, é nula não podendo ser usada, nos termos do art. 126º n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Penal, e do art. 32º n.º 8, da Constituição; 7) Por maioria de razão, é nula a prova resultante da listagem das chamadas telefónicas recebidas, obtida, em inquérito, por ordem do Ministério Público ou dos Órgãos de Policia Criminal com a competência delegada para a investigação, por contender, não só com os direitos fundamentais dos terceiros intervenientes, como também com os do próprio titular do telemóvel; 8) Os elementos constantes da listagem das chamadas telefónicas recebidas por um telemóvel, num determinado período de tempo, constituem dados de tráfego no sentido acima exposto; 9) Cuja ordem ou autorização de cedência, merece a mesma tutela consagrada na lei processual penal para a intercepção, gravação e registo de comunicações, por imposição constitucional dos direitos ao sigilo das telecomunicações e da tutela da reserva da vida privada, nos termos dos arts. 26 n.º 1, 32º n.º 4 e 34º n.º1, todos da Constituição; 10) Na fase de inquérito, os elementos atinentes a dados de tráfego, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção, gravação ou registo das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução, nos termos dos artigos 187º, 190º e 269º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.

11) Imposição constitucional, pela garantia de apreciação e decisão por um Juiz de Instrução, de todos os actos de inquérito que se prendam directamente com os direitos fundamentais, em que aquela cedência de "dados" se inclui, nos termos do art. 32º n.º 4, da Constituição; 12) Os arts. 187º n.º 1 e 269º n.º 1 al. c), do Código de Processo Penal, são inconstitucionais, quando interpretados no sentido de que não constitui matéria da competência exclusiva do Juiz de Instrução, em processo penal, a obtenção dos dados de tráfego, denominados usualmente de "facturação detalhada", relativos ao registo das chamadas telefónicas recebidas, identificação dos intervenientes, data, hora e duração da ligação, junto das operadoras telefónicas, por infracção do disposto nos arts. 26º n.º 1, 32º n.º 4 e 34º n.º 1, todos da Constituição; 13) Ao julgar não ser sua competência exclusiva ordenar ou autorizar a cedência da listagem das chamadas telefónicas recebidas pelo telemóvel n.º 964008199, no despacho ora impugnado. o Mm. Juiz de Instrução violou o disposto nos arts. 187º n.º 1 e 269º n.º 1 al. c), do Código de Processo Penal; 14) Aplicando-os, com uma interpretação que constitui infracção ao disposto nos arts. 26º n.º 1, 32º n.º 4 e 34º n.º 1,todos da Constituição; 15) Acresce que se verificam, "in casu", os demais pressupostos legais exigidos para a legitimidade da intercepção de comunicação, nomeadamente os crimes indiciados constituem "crimes do catálogo", previsto no art. 187º n.º 1, do Código de Processo Penal, existindo razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova; 16) Termos em que deverá o douto despacho em crise, ser revogado e substituído por outro, que ordene à operadora TMN, a cedência da listagem pretendida, relativa ao registo das chamadas telefónicas recebidas pelo telefone n.º 964008199, da rede daquela operadora, no período compreendido entre o dia 15 de Janeiro de 2003 e o dia 25 de Fevereiro de 2003; 17) Sendo, desta forma, os artigos 187º n.º 1, al. e), e 269º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicados conforme ao disposto nos arts. 26º n.º 1, 32º n.º 4 e 34º n.º 1,todos da Constituição.

Assim decidindo, Vossas Excelências farão JUSTIÇA.". 2 - Admitido o recurso, foi dado cumprimento ao preceituado no art. 411º n.º 5, do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta . 3 - Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.

4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P..

5 - Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar e decidir II - Fundamentação 2.1 - O teor do despacho recorrido é do seguinte teor: "O Ministério Público requereu ao Juiz de Instrução do mesmo que ordenasse à Tmn que fornecesse a listagem dos números de telefone de onde foram provenientes as mensagens enviada para o Telemóvel da queixosa no período referido na promoção de fls. 13.

Cumpre decidir analisando as pertinentes disposições legais as quais são: Artigo 34º O da Constituição da República "1. O domicilio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, 2. ...

3. ...

4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal" Artigo 1º do Código do Processo Penal "1 - Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: a) ...

b) Autoridade judiciária: o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência;" Artigo 17º do Código do Processo Penal: "Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos prescritos neste Código"; Artigo 53º O do Código do Processo Penal ‘1 - Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade 2 - Compete em especial ao Ministério Público a)...; b) Dirigir o inquérito; c)...; d)...; e)... , Artigo 135º do Código do Processo Penal ‘1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo; 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento 3 - O tribunal superior àquele onde o...

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