Acórdão nº 1229/2003-5 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2003 (caso None)

Data01 Julho 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em audiência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No processo n.º 39 2ª Vara Criminal de Lisboa foi julgado, pelo tribunal colectivo, (N), pronunciado pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131°, e 132°, n°s 1 e 2, alíneas a), do Código Penal, tendo sido condenado como autor de um crime de homicídio simples p.p. pelo art.º 131º CP, na pena de nove anos de prisão.

Inconformado com esta decisão interpôs recurso o arguido, dirigindo-o a esta Relação.

São as seguintes as conclusões da motivação apresentada pelo arguido: "

  1. Artigo 412° n° 3 alínea a) do CPP - Pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente iulgados.

    1. O Tribunal a quo deu como incorrectamente provados os seguintes factos: 1 - "{...) No mês de Julho de 2001, o arguido esteve em gozo de férias, em Espanha, na companhia de um tio materno, (C), onde teve conhecimento. através de um telefonema da mãe, que o (J)a agredira"; 2 - "(...)Tendo começado a consumir estupefacientes, o (J), nos últimos três anos, agudizou o seu mau feitio, por aí se intercalando, na vida do agregado, períodos de vivência normal do dia-a-dia, com tentativas, incentivadas pela esposa, de desintoxicação, que se revelaram frustradas, com períodos de violência verbal e física, na pessoa da esposa, e de episódios de rebaixamento do filho, ora arguido, em público"; 3 - "De tais actos, cometidos pelo (J), não foi efectuada qualquer participação às autoridades competentes, nem deles foi dado relato aos familiares de ambos à excepção da agressão ocorrida em Julho de 2001, e apenas porque, a propósito de um aniversário, foi visionado o aparelho de imobilização do maxilar partido a (L)"; 2. Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal a quo - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção, a saber: - as declarações do arguido (N); - os depoimentos das testemunhas (R), (C), (F) (H) e (T) (X) e (V), (M), (L), (I); - e a documentação de fls 10 a 21, 47, 51, 57, 62, 278, 279, 397 a 413, 429 e 431 {exame ao projéctil deflagrado; exames toxicológicos reveladores da presença de estupefaciente no organismo do pai do arguido e relatórios de autópsia).

    2. Tais elementos de prova não permitiam que o tribunal a quo desse como assente a factualidade supra exposta e que assume extrema relevância na decisão sub judice.

    3. Com efeito, de tais elementos de prova resulta que o arguido soube que o pai agredira da forma mais brutal de sempre a sua mãe, provocando-lhe uma fractura do maxilar com paralisia facial permanente, apenas quando já se encontrava em Portugal, três dias antes da prática dos factos sub judice e não durante as suas férias em Espanha .

    4. De tais elementos de prova resulta que o agregado familiar do arguido não intercalava períodos de vivência normal do dia a dia com situações de violência, sendo contínuo, violento e profundamente desgastante o ambiente vivido em casa do arguido, por força do comportamento do pai.

    5. E ainda que o pai agredia quer física, quer verbalmente o arguido e a sua mãe e estas agressões eram do conhecimento directo da irmã da vítima, (I) e da mãe desta, há vários anos, vivendo ambas no prédio em frente ao do arguido.

    6. Tais factos revelam-se de extrema importância para a análise e compreensão do acto praticado pelo arguido, pois estão intimamente ligados ao seu estado de espírito no momento da prática dos factos, resultante das agressões que o arguido e a sua mãe sofriam há vários anos, da crescente brutalidade e violência do pai, da vivência diária de tal situação, agudizando--se cada vez mais o sofrimento e o desespero do arguido por sentir que estava perante um problema sem solução, sendo desigual o poder exercido pelo pai.

    7. Ora, não considerando assentes estes elementos tão determinantes da conduta do arguido, o tribunal a quo revela, no acórdão recorrido, uma interpretação profundamente errada da prova produzida em julgamento.

    8. Acresce que em face da prova produzida, o tribunal a quo devia ter considerado assentes factos que se afiguram de extrema importância para a qualificação jurídica do comportamento do recorrente e para a escolha da medida concreta da pena a aplicar-lhe, mas que, ao invés, foram ignorados ou apenas indicados na parte da fundamentação referente aos factos da contestação considerados não provados, reveladores da errada apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido.

    9. Tal factualidade é a seguinte: - O arguido apenas tomou conhecimento da mais recente e violenta agressão do pai à sua mãe, depois de regressar das férias em casa dos tios em Espanha, tendo-a encontrado em casa com o maxilar fracturado e podendo ingerir líquidos apenas através de uma palhinha. { factos indicados no n° 10 da contestação ) - Tal fractura, além da sequelas referidas na fundamentação, provocou ainda a paralisia facial do lado esquerdo do rosto da mãe do arguido; - Tal facto deixou o arguido triste, chocado e temeroso, quer pela integridade física da sua mãe, quer pela sua. { factos indicados no n° 12 da contestação ) - Quando na manhã de 10 de Agosto o arguido foi surpreendido com a presença do pai em casa sentiu uma enorme ansiedade e desespero por compreender que tudo se iria repetir: o pai não abandonara a casa por isso ia continuar a consumir produtos estupefacientes e a agredi-Ios verbal e fisicamente de forma brutal e crescente. { factos indicados no n° 17 da contestação ) - O acto praticado pelo arguido é um acto de desespero que corresponde ao culminar de uma infância e de uma adolescência marcadas pela violência física e psicológica infligidas pelo pai e que se despoleta num momento em que o arguido já não tem esperança na resolução de tão graves problemas e está transtornado e muito assustado por ter observado há dias a mais brutal de todas as agressões do pai à sua mãe; - Depois de ter tomado conhecimento e de ter observado o resultado dessa agressão - a fractura do maxilar da sua mãe -, o arguido teve consciência que a violência do pai chegara a um ponto extremo e receou a prática de actos futuros pelo mesmo ainda mais graves; - O pai do arguido mantinha regularmente armas em casa, o que era mais uma expressão do poder e da violência que o mesmo exercia sobre o arguido e a sua mãe; - Enquanto o pai cumpriu pena de prisão - de 1984 a 1991 - o arguido, no período dos seus dois aos nove anos de idade, aguardou com expectativa e entusiasmo o seu regresso a casa; - Ao longo de toda a sua infância, o (N) visitou regularmente o pai no Estabelecimento Prisional, esperando sempre o dia do seu regresso definitivo a casa; - Esse regresso viria a frustrar todas as expectativas e a imagem que o (N) construíra do pai em criança, pois, passado algum tempo, o pai passou a consumir estupefacientes e a dar maus tratos físicos e verbais ao arguido e à mãe; - O arguido confrontou-se com o regresso a casa de um pai que em nada se assemelhava à imagem por si idealizada e que, ao invés de desempenhar esse papel e de apoiar a sua família a todos os níveis, passou a consumir estupefacientes à sua frente e a viver, como qualquer toxicodependente, só para esse consumo e, além do mais, a exercer violência física e verbal sobre o filho e a mulher.{ factos indicados nos nos 18, 19 e 20 da contestação ) - O pai do arguido batia-Ihe e humilhava-o frequentemente à frente de terceiros e, quando se encontrava com ele em casa, tornava o ambiente insuportável, consumindo aí droga e impedindo-o de conseguir estudar ou de ter algum momento de tranquilidade.{ factos indicados no n° 28 da contestação ) - A data dos factos o arguido vivia com os pais num espaço exíguo -uma casa de porteira com uma única assoalhada - dormindo num corredor de passagem, sem qualquer privacidade; - Apesar do comportamento turbulento do pai numa casa com essas características não lhe permitir descansar convenientemente e estudar em tranquilidade, o arguido (N) conseguiu atingir sempre os seus objectivos escolares com sucesso, conduta que conseguiu continuar a prosseguir mesmo após a prática dos factos; - O arguido é um aluno criativo e empenhado em todos os projectos em que participa, apesar das condições adversas em que tem vivido; - O arguido tem grande facilidade em estabelecer amizades, é educado e correcto e cumpriu exemplarmente as obrigações processuais a que esteve sujeito na pendência do processo; - O arguido interiorizou intensamente a gravidade do seu acto e a sua culpa e essa consciência irá acompanhá-lo durante toda a sua vida.

  2. Artigo 412° n° 3 alínea b) do CPP - As provas que impõem decisão diversa da recorrida.

    1. As provas produzidas em audiência final e a seguir enunciadas, contrariam os factos erradamente considerados assentes pelo tribunal recorrido e impõem decisão diversa, a saber.

    2. Desde logo as declarações do arguido (N) {rotações 080 a 7850 da cassete n.o 1, lado B) e das testemunhas (C) {rotações n.o 8820 a 3580 da cassete n.º 2, lado A) e (L) {rotações 001 a 3640 da cassete n.º 1, lado A), as quais contrariam o facto do arguido ter tido conhecimento da fractura do maxilar da sua mãe pelo pai, ainda em Espanha e telefonicamente.

    3. Com efeito daqueles elementos de prova, resulta inequívocamente que o arguido (N) apesar de temer que algo grave pudesse acontecer à sua mãe, durante o período de férias em Espanha, apenas tomou conhecimento dessa concreta e brutal agressão - de tal forma brutal que exigiu uma intervenção cirúrgica e provocou a paralisia definitiva de todo o lado esquerdo do seu rosto -, depois de regressar a Portugal, ou seja, três dias antes da prática dos factos.

    4. Atenta a prova enunciada, o Tribunal a quo não podia ter dado como assente que durante aquele período de férias em Espanha, o arguido soube que o pai fracturara o maxilar da mãe 15. Também o facto dado como assente pelo tribunal a quo quanto à alternância no agregado familiar do arguido de períodos de...

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