Acórdão nº 8077/2005-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA MARQUES
Data da Resolução23 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO (A), divorciada, residente..., instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Associação de Socorros Mútuos de Empregados no Comércio de Lisboa, com sede no Largo de S. Cristóvão, n.º 1, em Lisboa, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e que a Ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização de antiguidade de € 12.270,00, bem como as retribuições que deixou de auferir desde a data daquele até à data da sentença e ainda a quantia de € 611,00 que lhe foi indevidamente retida, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento.

Alegou para tanto e em síntese o seguinte: Foi admitida ao serviço da Ré, em 23 de Março de 1988, mediante contrato sem termo, com a categoria profissional de enfermeira/parteira; A Ré pôs termo a esta relação laboral através de carta, datada de 29/09/2003, invocando a caducidade do contrato de trabalho; Fundou tal caducidade numa informação da Ordem dos Enfermeiros, segundo a qual a A. não podia exercer as funções de enfermeira por não estar inscrita naquele organismo; Aquando do pagamento da última retribuição, a R descontou-lhe indevidamente € 611,00.

A Ré contestou alegando em resumo o seguinte: Está vinculada ao cumprimento da lei, pelo que mais não fez que acatar a informação da Ordem dos Enfermeiros, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal; De qualquer forma, dispôs a A. de tempo mais que suficiente (cerca de 5 anos e 5 meses) para promover a sua inscrição naquela Ordem; A quantia de € 611,00 retida pela Ré corresponde a adiantamentos oportunamente feitos à A. por conta de retribuições futuras; Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

A A. respondeu, pugnando pela inconstitucionalidade e ilegalidade do diploma que criou a Ordem dos Enfermeiros, na parte em que impede que pessoas que já antes vinham exercendo a profissão de enfermeiros de forma habilitada pelo Estado continuem a desempenhar a sua actividade profissional.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 611,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 30/09/2003 até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado. Condenou ainda a Ré na multa de € 2.500,00, como litigante de má fé.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, no qual formulou as seguintes conclusões: 1ª) - A decisão a quo laborou em erro ao condenar a apelante no pagamento da quantia de € 611,00, porquanto o mesmo já havia sido realizado, o que foi considerado provado; 2ª) - Efectivamente, foram juntos aos autos documentos, assinados pela apelada e por si não impugnados, que comprovam que a mesma já recebera os € 611,80, o que igualmente foi dado como provado; 3ª) - Assim sendo, existe uma manifesta contradição entre a fundamentação e decisão da sentença em crise, gerando a sua nulidade neste ponto; 4ª) - Ao considerar que ainda eram devidos à apelada € 611,00, a sentença em crise apreciou mal a matéria de facto carreada para os autos e, inclusivamente, a dada como provada nos mesmos; 5ª) - A sentença em crise apreciou mal a matéria de facto, sendo que se impunha decisão diversa sobre a mesma, conforme impunham os documentos n.º 17 junto com a petição inicial e 25 a 30 juntos aos autos pela apelante, em 3/12/2004; 6ª) - Como tal, jamais a apelante poderia ser condenada a pagar à apelada quantia que já tinha pago, o que, aliás, é sobremaneira referido na sentença em crise; 7ª) - Ademais, não é justa nem lícita a condenação da apelante como litigante de má-fé, por esta não ter alterado a verdade dos factos e por esta não ter procurado obstar ao pagamento de quantia alguma; 8ª) - Pelo contrário, a suposta mentira na alteração do nome do pagamento feito não existe. Apelante e apelada denominaram o pagamento de € 611,00, paulatinamente feito ao longo do tempo, como adiantamento sobre a remuneração de forma a protelar os descontos legais; 9ª) - Cessada a relação entre ambas, a apelante emitiu o recibo junto como documento n.º 17 com a p.i. apenas para formalizar os pagamentos feitos e assim efectuar os legais descontos, os quais foram pela apelante pagos; 10ª) - Destarte, tendo a apelada peticionado quantia que sabia já ter recebido, e tendo-o reiterado em sede de depoimento de parte, alterou dolosamente a verdade dos factos, assim procurando obter um benefício a que sabia não ter direito; 11ª) - Nestes termos, mal andou a sentença a quo ao, não só ter condenado a apelante como litigante de má fé e na respectiva multa, como também ao não condenar a apelada como litigante de má-fé, o que juntamente com a respectiva indemnização, foi peticionado pela apelante na sua contestação; 12ª) - Apreciou mal a matéria de facto sub judice ao considerar em disputa (e condenar mal a apelante) a quantia de € 611,00, quando a quantia em questão é de € 611,80, conforme o atestam os documentos n.º 17 junto com a p.i. e 25 a 30 juntos aos autos pela apelante, em 3/12/2004, além da própria matéria de facto dada como provada.

Terminou pedindo a revogação da decisão na parte em que a condenou a pagar à apelada a quantia de € 611,00 e na parte em que a condenou em € 2500,00, por litigância de má-fé, devendo a mesma ser substituída por outra que condene a apelada em multa e em indemnização, por litigância de má-fé.

A A. não apresentou contra-alegação, mas interpôs recurso de apelação da sentença, tendo sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões: 1ª) - Invoca-se, desde logo e como questão prévia, a inconstitucionalidade material da norma constante nos artigos 6º e 98º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, onde se determina que o exercício da profissão de enfermagem se encontra condicionado à obtenção de uma cédula profissional a emitir pela respectiva Ordem dos Enfermeiros e que os profissionais que já se encontram no exercício da profissão devem proceder à sua inscrição na referida Ordem, por violar os princípios constitucionais da confiança - decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático - bem como o direito ao trabalho, à segurança do emprego e de liberdade de associação - como direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. E inconstitucionalidade da interpretação dos sobreditos normativos, ao imporem a caducidade do contrato de trabalho aos respectivos profissionais não inscritos na citada Ordem.

Bem como, 2ª) - Da inconstitucionalidade formal das normas insertas nos arts. 6º e 98º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, porquanto a caducidade do contrato de trabalho da A. com fundamento naqueles normativos atribui-lhes foros de "legislação laboral" violando, desta feita, o preceituado nos arts. 54º, n.º 5, al. d) e 55º, n.º 2, al. d) da Constituição da República Portuguesa bem como a Lei n.º 16/79, de 26 de Maio; E ainda, 3ª) - Da inconstitucionalidade formal das normas insertas nos arts. 6º e 98º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, porquanto ao permitir a caducidade do contrato de trabalho por falta de carteira profissional, nos precisos termos do preceituado, extravasa o uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 129/97, de 23/12, restringindo e, dessa feita, violando, os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados; 4ª) - Requer-se, ainda, a modificação da decisão sobre determinada matéria de facto, porquanto existem no processo elementos de prova bastantes e suficientes que conduziriam, lógica e necessariamente, a uma orientação diversa. Designadamente, 5ª) - Quanto à existência de situações iguais à da A. com desfechos diferentes a esta - o que leva a A. a concluir pela existência de discriminação (racial ou outra) por parte da Ré para com a pessoa da A. e, dessa feita, à ilegalidade do despedimento; 6ª) - E ao facto de a A. ter trabalhado na profissão de enfermeira/parteira desde o ano de 1967 até à presente data, o que poderia levar a uma decisão diferente na justa ponderação dos interesses em jogo que a longa e vasta experiência da A. poderia ser tomada em consideração para a passagem da mesma à categoria profissional de auxiliar de enfermagem ou, por se tratar de profissional competente e com qualificações para ao acto, a aguardar que, eventualmente, a mesma obtivesse a sua inscrição junto da OE - e isto sem prejuízo do que se alegou quanto à inconstitucionalidade de tal obrigatoriedade. E, decerto, levaria o tribunal a concluir pela inexistência dos requisitos que resultam do art. 4º da LCT (DL 64-A/89, de 27/2), por não se verificar a "(...) impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho (...)"; 7ª) - No caso em apreço, não se verificam os requisitos exigidos pelo art. 4º, al. b) da Lei dos Despedimentos uma vez que a A. nunca esteve impossibilitada - quer de um modo absoluto quer duradoiro - de prestar a sua actividade de enfermeira parteira, pelo que deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare não se encontrarem reunidos tais requisitos; 8ª) - Mais se concluindo que a Ré nunca poderia operar a caducidade do modo em que o fez uma vez que a A. poderia - ainda dentro da categoria profissional in foco - exercer as funções de...

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