Acórdão nº 3372/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2006 (caso NULL)

Data06 Julho 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

No processo comum singular n.º 11023/03.8 TDLSB do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, as arguidas "X., S.A". e A. foram submetidas a julgamento e condenadas como autoras de um crime continuado de Abuso de Confiança Fiscal, previsto no art. 105º, nº1, 2, 4 e 7 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001 de 05-06, sendo a arguida A.

na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sujeito ao dever de pagar, no prazo de 5 (cinco) anos a contar do trânsito da presente sentença, aos Serviços de Administração do IVA - Amadora 2, Ministério das Finanças, Direcção-Geral dos Impostos, a quantia de 195.165, 40 € (cento e noventa e cinco mil e cento e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal aplicável, devidos desde do dia 11-07-2003, até integral satisfação (tal valor será pago em 10 prestações semestrais sucessivas, cada uma no montante de 19.516, 54 € (dezanove mil quinhentos e dezasseis euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescidos dos juros legais respectivos vencidos a partir do dia 11-07-2003 e vincendos até integral satisfação sendo a primeira prestação paga no prazo de seis meses a contar do trânsito da sentença) e a arguida "X.

" na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 50 (cinquenta) euros, o que perfaz o total de 12.500, 00 € (doze mil e quinhentos euros).

Mais foi decidido que a arguida A., nos termos previstos no art. 8º, nº1 al. a) da Lei 15/2001, é subsidiariamente responsável pelo pagamento da pena multa aplicada à sociedade arguida, fixada em 250 dias de multa à taxa diária de 50 euros, o que perfaz o total de 12.500,00 euros.

Inconformados com a decisão, veio a arguida A. interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: - " ...

  1. A arguida, ora recorrente, não cometeu, sob forma continuada ou outra qualquer, o crime de que vinha acusada e por que foi condenada.

  2. Pois que, durante grande parte do período em causa, ignorava a existência de situações de incumprimento em matéria de IVA.

  3. Não só por não ter preparação nem aptidão para verificar estas situações, 4. Mas também porque o conhecimento das dívidas lhe era ocultado, nomeadamente ao lançarem como pagos na contabilidade da empresa cheques que a arguida assinava, mas que os serviços não encaminhavam para os respectivos destinatários.

  4. E nos meses finais porque, sendo as receitas insuficientes para cobrir as despesas, aquelas eram afectadas na totalidade ao pagamento dos trabalhadores.

  5. Atente-se que esta situação, compreensível dada a pressão dos trabalhadores, necessitados do dinheiro para sobreviverem, também redundava em benefício do Estado (embora com prejuízo do IVA), pois que ao lançar os trabalhadores para o desemprego estes passariam a receber o subsídio respectivo.

  6. Por outro lado, mesmo na eventualidade, que não se admite, da arguida ser considerada culpada, a sentença deveria ter ponderado que aquela se defrontava com um conflito de deveres, por força da manifesta insuficiência de dinheiro por parte da empresa para assegurar tanto o pagamento dos salários como dos impostos.

  7. Conflito esse que resultava da obrigação de pagar os salários e da obrigação do pagamento do imposto, não se podendo satisfazer os dois.

  8. Em última análise, atentas as circunstâncias que militavam a favor da arguida, esta deveria, quando muito, ter sido condenada em multa, em vez da pena de prisão, e mesmo assim com pena suspensa.

  9. A sentença recorrida fez, portanto, indevida interpretação e aplicação do dispositivo do art° 105° do RGIT e dos princípios gerais de direito penal, aplicáveis.

  10. Devendo, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que absolva a recorrente da pena aplicada e a mande em liberdade." O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo que: - " ...

  11. Pela leitura de toda a sentença agora em causa e em particular da matéria de facto dada como provada, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, verifica-se que o M.mo Juiz a quo não deu como provado algo que notoriamente esteja errado ou que não possa Ter acontecido, nem resulta que retirou dos factos provados, conclusões ilógicas, arbitrárias ou notoriamente violadoras das regras de experiência, sendo tal erro evidente e detectável por qualquer pessoa minimamente atenta.

  12. A decisão de facto mostra-se lógica e fundamentada, com coerência em si mesma e em confronto com os depoimentos de todas as testemunhas, e as provas documentais nos autos.

  13. Não se verifica qualquer conflito de deveres ou Estado de necessidade resultante da obrigação de pagar os salários aos trabalhadores e da obrigação do pagamento de impostos pois que este resulta de uma obrigação e assim superior ao dever de manter a empresa em funcionamento e respectivos pagamentos em dia. (Ac. De STJ de 20/06/2001, C.J./S.T.J., T.II, pág. 227 ).

  14. O M.mo Juiz a quo, bem decidiu ao optar pela pena detentiva - sendo pois face aos fundamentos invocados a fls. 738, justa e adequada atentas todas as circunstâncias que o M.mo Juiz a quo ponderou e bem assim os critérios dosimétricos do art° 71° do C.Penal que expressamente considerou.

  15. Acresce que estamos igualmente de acordo com a douta sentença recorrida quanto à suspensão da pena e respectiva condição atentas as razões que o M.mo Juiz a quo expressamente sublinhou (cf. fls. 739).

  16. As considerações efectuadas pela arguida não demonstram a existência de qualquer vício da douta sentença recorrida e apenas reflectem discordância na margem de apreciação judiciária sempre existente.

  17. Pelo que deve a douta sentença ser mantida tal como foi proferida. Devendo a arguida ser condenada nos precisos termos em que o foi na douta sentença.

Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos.

II.

Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420.°, n° 1 do Código de Processo Penal) sendo por isso determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência (art. 419.°, n.° 4, al. a) do Código de Processo Penal).

Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

São as seguintes as questões levantadas no recurso dos autos: - Erro de julgamento em matéria de facto relativamente aos factos, provado n.º 9 e não provados das alíneas d) a h); - A existência de conflito de interesses entre o pagamento do imposto ao Estado e a obrigação de pagamento de salários aos trabalhadores; - Tipo de pena em que foi condenada, pois entende que face às circunstâncias que militam em seu favor defende quando muito a aplicação de uma pena de multa suspensa.

*** Entrando no objecto do recurso tal como vem apresentado, quanto à decisão constante da sentença recorrida.

Esta, na parte relevante, apresenta o seguinte conteúdo: II - Fundamentação de facto - Factos provados.

1) A sociedade arguida exerceu de facto e de direito, desde a sua constituição em 1980 até inícios de 2004, a actividade de construção civil e obras públicas, e instalação de cabos e telecomunicações.

2) No exercício dessas actividades, nos anos de 2002 e 2003, a sociedade arguida era representada pela arguida A., que era presidente do respectivo Conselho de Administração, cabendo-lhe, de facto, o exercício efectivo da administração da sociedade.

3) A sociedade arguida era maioritariamente participada por outra sociedade, denominada "X1, S.A".

4) A sociedade arguida era colectada em IRC pelo regime geral, através da 2ª Repartição de Finanças da Amadora e registada em IVA no regime normal de periodicidade mensal.

5) No exercício normal da sua actividade, a sociedade arguida prestou serviços a título oneroso, sujeitos a IVA, nos termos dos arts. 1º, nº1 al. a) 2º nº1 1 al. a) e 4º do Código do IVA, cujo montante foi calculado aquando da facturação da prestação de serviços em questão e incluído no preço global dos mesmos, a pagar pelos seus adquirentes, o que foi feito nos termos da lei e, nomeadamente, dos arts. 28º, nº1 al. b), 35º e 36º, nº1 e 2, todos daquele diploma.

6) Por outro lado, a sociedade arguida adquiriu bens e serviços que lhe foram facturados pelos respectivos fornecedores, com o montante de IVA respeitante a tais transacções como acréscimo incluído no preço global a pagar.

7) Cabia à sociedade arguida, enquanto sujeito passivo de IVA liquidar mensalmente o imposto devido ao Estado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT