Acórdão nº 4074/2005-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Junho de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | CARLOS ALMEIDA |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O arguido A foi julgado na 1ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra e aí condenado, por acórdão de 9 de Fevereiro de 2005[1]: · como autor de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea c), 23º, nº 2, 41º, nº 1, 73º, nº 1, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; · como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 20 anos de prisão; · em cúmulo dessas duas penas e das de 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão aplicadas nos processos nºs 8/01.9PALRS e 41/04.9GGSNT, foi condenado na pena única de 22 anos de prisão.
Nessa peça processual considerou-se provado que: 1. «No dia 16-1-2004, cerca das 23H50, através de uma janela, o arguido introduziu-se no imóvel sito no .....
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Procedeu desse modo com vista a retirar do mesmo e a fazer seus objectos de valor que aí encontrasse.
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Esse imóvel pertencia e constituía a residência de B. e de sua mulher, C..
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Encontrava-se completamente mobilado, designadamente com objectos de fácil porte, de valor não concretamente apurado, mas superior a 100,00 euros.
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Quando se encontrava no interior da referida casa o arguido foi surpreendido pelo proprietário.
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Empunhando um objecto corto-perfurante, presumivelmente uma faca ou navalha, que trazia consigo, o arguido desferiu com o mesmo golpes em B., atingindo-o do seguinte modo: a. na região sub-mentoniana, provocando-lhe uma ferida em "cauda de andorinha", em forma de "V", vertical, medindo o braço maior 5,5 cm, à esquerda, e o braço menor 3,5 cm, à direita, com o trajecto da esquerda para a direita, de cima para baixo e de frente para trás; b. junto à extremidade interna da clavícula esquerda, provocando-lhe uma ferida oblíqua para a esquerda e para baixo, medindo 2 cm, com o trajecto de cima para baixo e de frente para trás; c. na região peitoral esquerda, provocando-lhe uma ferida mais ou menos horizontal, medindo 2,5 cm, situada 6 cm para a direita do mamilo e 5,5 cm para baixo deste, com o trajecto mais ou menos horizontal, de frente para trás; d. abaixo do rebordo costal inferior esquerdo, provocando-lhe uma ferida ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, medindo 2,5 cm, com o trajecto mais ou menos horizontal, de frente para trás; e. na face lateral esquerda do hemitórax esquerdo, provocando-lhe uma ferida vertical, medindo 2,5 cm, com a parte cortante em baixo, situada 20 cm abaixo da axila, com o trajecto mais ou menos horizontal, da esquerda para a direita.
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B. sofreu ainda ferida cortante na face externa do pulso direito, horizontal, medindo 1,5 cm; idêntica ferida situada 2 cm acima da anterior; ferida cortante na face interna do antebraço esquerdo, terço inferior, mais ou menos horizontal, medindo 2,5 cm; e ferida cortante na face externa do pulso esquerdo, horizontal, medindo 1,5 cm.
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Os golpes a que se alude em 6., além dos ferimentos que aí vêm referidos, provocaram internamente em B., designadamente, ferida corto-perfurante, transfixiva do tronco braqueo-cefálico (b.); ferida corto-perfurante, transfixiva, do arco anterior da 6ª costela esquerda, dos folhetos anteriores do saco pericárdio e da parede ventricular esquerda (c.); ferida corto-perfurante, transfixiva, do arco lateral da 7ª costela esquerda, com ferida corto-perfurante no lobo superior do pulmão esquerdo, medindo cerca de 1 cm (e.); e ferida corto-perfurante, transfixiva, da parte anterior do fundo gástrico, medindo 1 cm (d.).
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De seguida o arguido fugiu imediatamente do local, tendo abandonado a casa pela mesma janela por onde tinha entrado e sem que tivesse chegado a apoderar-se de qualquer objecto.
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Em consequência dos ferimentos, B., que tinha a idade de 68 anos, ficou prostrado no solo, falecendo nesse local.
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As lesões internas referidas em 8., correspondentes a cada uma das feridas a que se alude em 6. b., c., d. e e., eram, independentemente umas das outras, necessariamente mortais.
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O arguido só não chegou a apoderar-se de qualquer bem dos donos do imóvel em virtude de ter sido surpreendido na sua actuação por B..
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O arguido sabia que ao desferir os golpes que desferiu em B. lhe provocaria a morte, o que quis, com vista a facilitar a sua fuga.
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Nas respectivas condutas agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas.
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À data dos factos o arguido consumia heroína, o que deixou de fazer desde que foi detido, em 9-2-2004, tendo estado sujeito desde então à medida de coacção de prisão preventiva.
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Não exercia qualquer actividade profissional regular, pelo menos desde Janeiro de 2001.
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Vivia com uma companheira, dedicando-se esta à actividade de limpezas.
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Tem dois filhos, de 20 e de 14 anos, de uma anterior relação, os quais vivem com a respectiva mãe.
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Tem como habilitações literárias a 4ª classe.
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Por sentença de 31-1-1985 foi condenado na pena de 4 meses de prisão e 30 dias de multa, pela prática de um crime de furto.
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Por acórdão de 24-7-1985 foi condenado em 1 ano e 15 dias de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, pena esta cuja execução foi suspensa pelo período de três anos.
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Por factos de 23-2-1990 e sentença de 4-10-1990, pela prática de um crime de furto, foi condenado na pena de 18 meses de prisão.
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Por factos de Março de 1992 e acórdão de 10-7-1992, pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de ofensa a funcionário, foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
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Por factos de 8-6-1996 e acórdão de 21-10-1996, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
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Por factos de 4-11-1991 e acórdão de 15-1-1997, pela prática de um crime de furto qualificado foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a anterior condenação, foi condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, cujo remanescente foi declarado integralmente perdoado por despacho de 13-5-1999.
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Por factos de 22-1-1992 e acórdão de 18-1-2002, pela prática de um crime de furto qualificado, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, de que foi perdoado 1 ano, pena esta declarada extinta pelo seu cumprimento, por despacho de 17-9-2003.
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No Proc. nº 8/01.9PALRS, da 1ª Vara de Competência Mista de Loures, por factos de 6-1-2001 e Acórdão de 26-10-2004, pela prática de um crime de furto, na forma tentada, foi condenado, como reincidente, na pena de 1 ano de prisão.
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No Proc. nº 41/04.9GGSNT, da 1ª Vara de Competência Mista de Sintra, por factos de 28-1-2004 e Acórdão de 12-1-2005, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão».
O tribunal, verificando que no acórdão proferido não se tinha pronunciado sobre o pedido de indemnização formulado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, veio a conhecer dele em 16 de Fevereiro de 2005 (fls. 773 a 779) julgando-o parcialmente procedente e condenando o demandado a pagar ao demandante a quantia de 7.024,93 € acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde 16/12/2004 e vincendos, até integral pagamento.
2 - O arguido interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: A) «Por acórdão condenatório de 9 de Fevereiro de 2004, que se recorre foi o arguido condenado como autor material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. p. pelo artigo 22.°, 1 e nº 2 al. c) artigo 23.°, nº 2, 41.° nº 1, 73.°, nº 1, 203.° nº 1 e 204.°, nº 2 al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão. Foi igualmente condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado p. p. pelos artigos 131.° e 132.° 2 f) do Código Penal, na pena de 20 anos de prisão.
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Não concorda em absoluto com as condenações, penas aplicadas, uma vez que o arguido nega a prática dos factos.
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Após a realização do julgamento e por via da alteração não substancial de facto a previsão relativa ao dolo constante da acusação foi alterada, consideramos que de dolo eventual para dolo directo. Este aditamento conduz ao aumento da intensidade do dolo, o que veio a ser considerado na escolha e determinação da medida da pena.
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Uma vez que o arguido sempre negou a prática dos factos, tal não equivale a falta de confissão e falta de vontade de colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade, e valorado negativamente, o arguido não pode confessar algo que não fez.
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A convicção do Tribunal assentou em prova testemunhal e documental, e recorre-se basicamente de prova pericial e das regras de experiência comum para concluir acerca do modus operandi do agente do crime, dos seus objectivos, do valor dos objectos de que presumivelmente o agente pretendia vir a apoderar-se, e socorre-se também dos antecedentes criminais do arguido para reforçar aquilo que as regras de experiência lhe dizem.
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A prova testemunhal produzida em...
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