Acórdão nº 4820/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Junho de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | JOÃO CARROLA |
Data da Resolução | 01 de Junho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.
No processo comum colectivo n.º 1101/04.1 GACSC do 4º Juízo Criminal de Cascais, o arguido A. foi submetido a julgamento e condenado, como autor material de um crime de homicídio, p. e p. previsto e punível pelo art. 131° do C. Penal, na pena de onze anos de prisão, e, por parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil, condenado a pagar à demandante B. a importância de € 1.900,00 (mil e novecentos euros) bem como, oficiosamente, no pagamento de uma indemnização civil ao menor C. no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) acrescida de juros à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento.
Na mesma decisão foi ainda decidido absolver o arguido do crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punível pelo art. 359°, n° 2, do C. Penal, por cuja prática se encontrava acusado.
Inconformado com a decisão, veio o M.º P.º interpor recurso da mesma, com os seguintes fundamentos: "1ª. Foi dado como provado que o arguido alegou querer falar com a vítima, que efectivamente falou com ela telefonicamente momentos antes do ocorrido, e que, mesmo assim, esperou-a, estacionado no seu carro a cerca de 200 metros da casa dela (vítima); 2ª. Também está provado que o arguido, quando reparou que a vítima chegara a casa, arrancou e parou à frente da casa da vítima e, sem ter conversado com ela, desfechou-lhe logo um tiro, que a abateu e, de seguida, aproximou-se dela e disparou de novo a cerca de 2 metros de distância em direcção à cabeça, matando-a; 3ª. Portanto, se o arguido não tivesse reflectido friamente no seu acto, não teria parado o seu carro a 200 metros da casa da vítima (teria parado à porta), não teria aguardado "escondido" durante 2 horas que a vítima chegasse, e não teria, sem qualquer conversa (haveria seguramente uma troca de palavras previamente), desfechado os tiros na vítima; 4ª. Nessa medida, não tendo agido dessa forma, mas sim como dito em 1ª e 2ª destas "conclusões", o arguido agiu com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados, encontrando-se incurso no crime de homicídio qualificado pelo qual foi acusado; 5ª. Dado que o arguido não confessou o elemento essencial e revelador de algum arrependimento, qual seja o dolo, a pena a impor-se-lhe, no nosso entender, não deve ser inferior a 18 anos de prisão.
6ª. Mostram-se assim violadas, no nosso entender, as normas dos arts. 71 ° e 132°, n.° 2, al. i), do C. Penal." Por sua vez, a demandante civil, também não concordando com tal decisão, dela veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: "I - A Recorrente é mãe da vítima D., a cuja morte assistiu.
II- Embora por desconhecimento não se tenha constituído assistente no processo, na qualidade de demandante cível, e porque o Art° 483° n° 1 do CC pressupõe a existência de um ilícito ou de violação de uma norma legal que proteja interesses alheios, tem legitimidade para se pronunciar não sobre a medida da pena, mas sobre a qualificação do crime pelo qual o Arguido foi condenado.
III- Ficou provado nos Autos que o Arguido A. aguardou cerca de duas horas pela vítima (podendo assim reflectir calmamente sobre o meio empregue), a cerca de duzentos metros de sua casa (de forma a não ser avistado por esta, diminuindo assim as suas hipóteses de se furtar à sua acção). Munido de uma caçadeira, disparou a cerca de oito metros e quarenta centímetros da vítima, que caiu de imediato.
IV- Não satisfeito, e persistindo na sua intenção de matar, saiu do carro e disparou novamente sobre a vítima a cerca de dois metros desta.
Acentuado pela utilização da arma de fogo, pela persistência na acção criminosa e pela relação de regular convivência entre o arguido e a vítima" ..."O acto revela-se gratuito, sem circunstâncias razoavelmente explicativas, revelando personalidade fria e violenta do arguido".
VI - Não obstante, a Fls. 15 do Acórdão conclui: "... não se fez prova de facto que permita concluir ter o arguido agido com a aludida frieza de ânimo". Condena assim o Arguido pelo crime do Art° 131° do CP, e não, como acusara o Douto M°P°, pelo crime previsto no Art° 132° n° 2 ala i) do Código Penal.
VII- A Douta Decisão recorrida padece assim do vício de contradição entre a fundamentação da decisão e a própria decisão, resultando daí a nulidade prevista no Art° 668° n° 1 c) do C.Civil e 410° n° 2 b) do CPP.
VIII- Ao considerar, a Fls. 11 do Acórdão recorrido que "... a intenção de tirar a vida à mulher resulta, desde logo, da circunstância de o arguido ter efectuado um segundo disparo sobre a mesma a curta distância", comete em nosso modesto entender o Douto Tribunal um erro notório na apreciação da prova.
IX - É que a intenção de matar resulta, desde logo, no facto do homicida efectuar o primeiro disparo a uma distância de oito metros e quarenta centímetros, atingindo a vítima na cabeça, sem qualquer hipótese de defesa.
X- O segundo disparo, efectuado quando a vítima já está tombada, já releva para a questão da culpa, isto é, ao denotar frieza de ânimo, desprezo pela vida humana, já leva necessariamente à qualificação do crime.
XI - Nesse sentido, o Acórdão STJ de 5 de Fevereiro de 1998 - BMJ 476, p.238: "Age com frieza de ânimo, reveladora de especial perversidade, o arguido que não desistiu de atirar sobre a vítima mesmo depois de a ver mortalmente caída..." Ou o Acórdão STJ de 30 de Setembro de 1999, Proc. 36/99-3a, SASTJ, n° 33, 94): "A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução".
XII- Ao decidir de forma diferente, interpreta o Douto Tribunal erradamente os pressupostos de qualificação do Art° 132° n° 2 do C.Penal, pelo que também aqui a sua decisão deve ser alterada.
XIII- Ao negar parcialmente provimento ao pedido cível formulado pela demandante, o Douto Tribunal interpretou erradamente o Art° 483° n° 1 do C.Civil.
XIV- Ao agir como descrito, o Arguido não só atentou contra o direito á vida da vítima, mas também contra o direito dos seus familiares a terem-na junto de si, no âmbito mais vasto do direito constitucionalmente consagrado de constituir e manter uma família.
XV - Pelo exposto, o critério para atribuição de uma indemnização que possa ressarcir os danos materiais e não patrimoniais causados à Demandante, não pode cingir-se aos critérios sucessórios previstos no Art° 495° e 496° do C.Civil.
XVI- Com efeito, verificados que são os pressupostos do Art° 483° n° 1 do C.Civil (a existência de uma actuação ilícita, o dano, o nexo de causalidade entre aquela e o dano), constituiu-se o Arguido na obrigação de indemnizar a Demandante.
XVII- Neste sentido escreve o Prof. Antunes Varela (RLJ, ano 123°, p. 191): "Quem acompanhar atentamente os...
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