Acórdão nº 0614232 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2006 (caso NULL)

Data12 Julho 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I RELATÓRIO 1. B………., arguido nos autos de inquérito que correm termos no Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto com o nº …../06.6P6PRT, recorreu para esta Relação do despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que, após o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do art. 141º Código de Processo Penal, lhe aplicou a medida de coacção da prisão preventiva, formulando as seguintes conclusões: O despacho judicial recorrido que impôs ao recorrente a medida de coacção da prisão preventiva violou o princípio do contraditório, e como tal padece de nulidade e inconstitucionalidade, que se requer seja declarada com as legais consequências.

O mandatário judicial do arguido não foi chamado para assistir, nem lhe foi dada a palavra para se pronunciar sobre a eventual aplicação da medida de coacção, em violação do legítimo interesse e defesa do arguido (arts. 18º, nº 2, e 32º da C.R.P.).

No douto despacho não se fundamenta sequer a desnecessidade dessa opção, não podendo o mandatário do arguido exercer o contraditório, como se impunha, violando-se assim a garantia da defesa (arts. 32º e 13º da C.R.P.).

Tal decisão afectou pessoalmente o arguido, tanto mais que era a sua liberdade que estava em causa, o que constitui uma violação do disposto nos arts. 61º, nº 1, als. b) e e), e 194º, nº 2, do C.P.P. e do art. 32º, nº 3, da C.R.P.

A decisão recorrida está ferida de nulidade por falta de fundamentação, uma vez que o art. 97º, nº 4, do C.P.P. impõe que os actos decisórios sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, o que, salvo o devido respeito, não acontece no despacho recorrido, esquecendo-se a fundamentação da desnecessidade ou inconveniência do mandatário judicial assistir ao douto despacho.

A prisão preventiva é uma medida residual reservada apenas só quando as demais medidas alternativas se mostrem inadequadas e insuficientes (art. 28º, nº 2, da C.R.P. e art. 193º, nº 2, do C.P.P.

A aplicação da prisão preventiva depende da existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos (art. 27º, nº 3, al. a), da C.R.P. e art. 202º, nº 1, al. a), do C.P.P.

No caso dos autos, salvo o devido respeito, não há fortes indícios do recorrente ter cometido o crime de tráfico de estupefacientes, dado que a prova indiciária de facto existente não aponta nesse sentido, uma vez que o recorrente não foi de facto apanhado com droga, e nas buscas efectuadas à sua residência apenas foi encontrada uma pequena quantia em dinheiro, não suficiente para indiciar fortemente a prática de tráfico de droga.

O arguido nunca esteve preso, encontra-se inserido num meio profissional, tem um agregado familiar que depende de si para o respectivo sustento (mãe), sendo ainda uma pessoa dotada de uma personalidade perfeitamente pacífica e sociável.

A aplicação ao caso dos autos, da medida de coacção de prisão preventiva é desnecessária, desproporcional e inadequada.

No douto despacho fundamenta-se a aplicação da prisão preventiva nas als. a), b) e c) do art. 204º do C.P.P., nada se referindo em concreto que possa sustentar os manifestos perigos, pois apenas se refere que o perigo de fuga neste tipo de crimes existe, por ser de prever uma ulterior condenação em pena de prisão, e tão só, esquecendo-se de concretizar e fundamentar esse perigo no caso concreto do arguido em causa.

Nada se refere no douto despacho sobre a existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito.

Quanto ao eventual perigo de continuação da actividade criminosa, este apenas se fundamenta em alguns relatos policiais, nomeadamente na afirmação de o terem visto a atirar pacotes para o chão, que, dadas as circunstâncias de facto em que o arguido se encontrava, não se demonstra de todo como correspondendo à realidade, e ainda pelo facto de não existirem nos autos elementos de prova que indiciem tal perigo, o que no caso concreto do ora recorrente se tentou demonstrar, não só pelo facto de não ser ele quem exercia funções de distribuição da droga, como ainda por não ter com ele, quando da detenção e da busca efectuada, qualquer material que indiciasse a prática de tal actividade nos moldes em que lhe foi imputada.

Os fundamentos para a aplicação de uma medida de coacção de prisão preventiva devem ser cuidadosamente interpretados, de modo a que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com uma função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.

Não ficou devidamente demonstrado na decisão recorrida, salvo o devido respeito, e como teria de acontecer, que as finalidades processuais não poderiam ser acauteladas com medidas menos gravosas que a medida excepcional.

A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, uma vez que nem a lei substantiva permite a aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual actividade criminosa.

Só a existência dos perigos previstos nas alíneas a) e b) do art. 204º do C.P.P. poderiam justificar a prisão preventiva, uma vez que só nessas situações se verifica o interesse directo do processo.

Não se verificam no caso concreto os pressupostos necessários para que a medida de coacção de prisão preventiva possa ser aplicada, pelo que deverá ser revogada ou substituída por outra menos grave, que desde já se sugere, caução, obrigação de apresentação periódica, ou, como última ratio, a obrigação de permanência na habitação, conjugada com a vigilância electrónica e proibição de contactos com pessoas ligadas ao tráfico e ao consumo de estupefacientes (arts. 198º, 201º e 200º do C.P.P.).

A decisão recorrida violou, para além de outras normas e princípios, os arts. 119º, 97º, nº 4, 193º, nº 2, 202º, nº 1, al. a), e 204º do C.P.P. e os arts. 27º, nº 3, al. a), 13º, 18º, nº 2, 28º, nº 2, e 32º, nºs 2 e 9, da C.R.P.

Pretende, assim, que, no provimento do presente recurso, seja revogada a medida de coacção de prisão preventiva e seja substituída por outra, segundo esta ordem: caução, obrigação de apresentação periódica ou obrigação de permanência na habitação, cumulada com vigilância electrónica e proibição de contactos com pessoas.

  1. O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, concluindo no sentido de que está fortemente indiciada a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes, da previsão do art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01; estão preenchidos os requisitos do art. 204º do Código de Processo Penal; e das várias medidas de coacção elencadas no Código de Processo Penal, a prisão preventiva é a única adequada e é proporcional à gravidade do crime e a única que acautela os riscos de continuação da mesma actividade criminosa e de fuga.

  2. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, os quais foram também a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, foram presentes à conferência para decisão.

    II FUNDAMENTOS 4. São duas as questões colocados pelo recorrente, segundo o âmbito das conclusões do presente recurso, que definem e delimitam o seu objecto e o poder de cognição do tribunal: A primeira refere-se à nulidade do despacho recorrido, por não ter sido previamente ouvido o recorrente sobre a medida de coacção a aplicar-lhe, nem ter sido fundamentada a desnecessidade ou a inconveniência da sua audição; A segunda refere-se à falta dos pressupostos legais da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi aplicada, considerando o recorrente que não se verificam nem os requisitos especiais previstos no art. 202º do Código de Processo Penal, nem os requisitos gerais previstos no art. 204º do mesmo código.

  3. Com interesse para a apreciação destas questões e para a decisão do recurso, os autos revelam os seguintes factos e ocorrências processuais: a) Na sequência de informações recolhidas pela autoridade policial, que referenciavam o ora recorrente, conjuntamente com outros indivíduos, também constituídos arguidos nestes autos, como se dedicando a intensa actividade de tráfico de estupefacientes, no Bairro da Sé, na cidade do Porto, foram ali realizadas acções de vigilância durante alguns dias, que confirmaram aquela actividade ilícita do ora recorrente, como consta certificado a fls. 26-29 e 33-35, onde este é ali referenciado pela alcunha de "C…….".

    1. No âmbito de uma acção policial que decorreu no dia 18/05/2006, visando a realização de revistas àquele grupo de indivíduos suspeitos e buscas nas suas residências, a autoridade policial fez constar do respectivo auto de notícia que o ora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT