Acórdão nº 0453/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução27 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que decidiu «julgar procedentes os presentes embargos», em que são embargantes A… e B…, sendo executados na respectiva execução fiscal C… e D...

1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública formula as seguintes conclusões.

  1. Fazenda Pública não se conforma com a referida decisão por entender no essencial que nem a posse dos embargantes, nem o direito de retenção que estes detêm, integram o conceito de “(...) posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular um terceiro (...)” previsto no nº 1 do art. 237° do CPPT.

  2. A questão ora em apreço reconduz-se de saber, que espécie de posse tem o embargante; se tem posse digna de tutela jurídica, possuindo com «animus possidendi” o imóvel ou se é um mero possuidor precário, possuindo o bem penhorado não em nome próprio, mas em nome do proprietário do imóvel.

  3. Posse, na noção que nos é dada pelo art. 1251° do CC, “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”; IV. Para que os embargos procedam o embargante tem que alegar e provar que detém sobre o bem atingido pela diligência e anteriormente a esta, posse ou outro direito incompatível com a realização ou o âmbito daquela, que estava no exercício desse direito, e que foi afectado pela mesma diligência.

  4. A doutrina e a jurisprudência vêm ensinando que daquele artigo decorre que a posse integra um elemento objectivo ou “corpus” (poder de facto sobre a coisa no sentido da sua submissão a à vontade do sujeito com a continuada possibilidade de actuação material sobre ela), e um elemento subjectivo ou “animus” (a intenção de agir como titular do direito a que se refere o exercício do poder de facto sobre a coisa).

  5. Entende a FP não restarem dúvidas que o embargante apenas frui um direito de gozo, decorrente de uma “traditio” operada no âmbito de um contrato-promessa, autorizado pelo promitente-vendedor e por tolerância deste - sendo, nesta perspectiva, os ora embargantes meros detentores precários - art. 1253° do Código Civil - já que não age com “animus possidendi”, mas apenas com o “corpus possessório” (relação material).

  6. O entendimento de que a tradição do imóvel ao promitente comprador não lhe atribui posse legítima da coisa, mas apenas posse precária - uma vez que os poderes que ele exerce sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondente ao direito do proprietário adquirente, mas ao direito de crédito - atribuindo a tradição ao promitente-comprador um direito pessoal de gozo sobre a coisa, tem sido aliás, o dominante na jurisprudência.

  7. Não sendo os actos materiais praticados pelos embargantes reveladores de “animus possidendi” nem se verificando a lesão de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência ordenada, os embargantes não têm uma posse real e efectiva só assim digna de tutela jurídica, mantendo-se a posse nos promitentes-vendedores/executados, estando-lhe vedada a possibilidade de recurso aos Embargos de Terceiro, nos termos dos nºs 1 e 3 do art.º 237° do CPPT.

  8. Ao decidir de forma diversa, é entendimento da Fazenda Pública que se fez na douta sentença recorrida errónea subsunção dos factos ao ordenamento jurídico aplicável, maxime dos arts. 237º do CPPT e 1251º do CC.

  9. Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare a improcedência dos embargos.

    Sem prescindir, XI. Ainda que não se acolha o entendimento acima defendido - o que apenas se concebe a benefício de raciocínio - sempre se teria que concluir que na douta sentença ao ter-se condenado a Fazenda Pública em custas se fez errada interpretação e aplicação da lei. Porquanto, XII. Como resulta do preceituado no art. 446º do CPC deverá ser condenada em custas a “parte que a elas houver dado causa”.

  10. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Fazenda Pública que, mesmo na hipótese de improceder a primeira parte deste recurso, não poderá ser condenada no pagamento das custas processuais dos presentes autos, porquanto não deu causa ao mesmo.

  11. Pois que a diligência de apreensão do bem levada a cabo pelo órgão da execução fiscal foi - de forma exclusiva - influenciada pelo registo de propriedade relativos ao imóvel referido, não podendo, nem sendo lícito, àquele órgão uma actuação distinta daquela em que o fez; sendo que a realização da dita apreensão se ficou a dever a actuação/omissão dos ora embargantes e, bem assim, dos executados.

  12. Ao decidir de forma diversa, é entendimento da Fazenda Pública que se fez na douta sentença recorrida errónea subsunção dos factos ao ordenamento jurídico aplicável, maxime dos art. 446º do CPC.

  13. Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare determine que a responsabilidade pelas custas não incumbe à Fazenda Pública.

    1.3 Não houve contra-alegação.

    1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.

    1. São duas as questões em análise no presente recurso: I- Saber se a posse dos embargantes, resultante de um contrato promessa de compra e venda, com tradição do imóvel, é incompatível com a penhora realizada pela Fazenda Pública no âmbito do processo de execução fiscal: II- Saber se a Fazenda Pública é responsável pelas custas por a elas ter dado causa – art. 446º do Código de Processo Civil.

    2. A nosso ver, e quanto à primeira questão, o recurso não merece provimento.

      Alega a entidade recorrente que não restam dúvidas que o embargante apenas frui um direito de gozo, decorrente de uma “traditio” operada no âmbito de um contrato-promessa, autorizado pelo promitente-vendedor e por tolerância deste - sendo, nesta perspectiva, os ora embargantes meros detentores precários - art. 1253º do Código Civil - já que não agem com “animus possidendi”, mas apenas com o “corpus possessório”.

      Conclui assim que os embargantes não têm uma posse real e efectiva, digna de tutela jurídica, estando-lhes vedada a possibilidade de recurso aos embargos de terceiro.

      Afigura-se-nos que carece de razão.

      Como é sabido a procedência dos embargos depende de o direito do embargante ser incompatível com a realização ou o âmbito da diligência e de ele dever prevalecer sobre o direito do exequente.

      Haverá incompatibilidade entre o direito do embargante sobre uma coisa e a realização de diligência que a tenha por objecto sempre que aquele seja afectado por qualquer diligência que tenha por objecto essa coisa, independentemente do direito sobre esta que tenha sido penhorado.

      Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 4ª edição, pag. 762.

      A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que o promitente-comprador, uma vez obtida a traditio do bem, apenas frui, em regra, um de gozo, autorizado pelo promitente-vendedor e mediante tolerância deste, daí resultando que, nessa perspectiva, seja um mero detentor precário (artigo 1253.º, n.º 3 do Código Civil), posto que não age como com animus possidendi, praticando apenas meros actos materiais dessa posse (corpus) – cf., neste sentido os Acórdãos de 10.02.2010, recurso 1117/09, de 15.01.2003, recurso 26479, e de 17.11.2001, recurso 25713.

      Mas isto não exclui que...

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