Acórdão nº 01P3433 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2001 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2001
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Arguido/recorrente: A 1. OS FACTOS (1) No dia 29Jan99, pelas 21:30, o arguido encontrava-se no parque de estacionamento do Hipermercado ..., sito na Rua ..., na cidade de ..., juntamente com B, com quem vivia maritalmente, e C. Os três estavam naquele local desde cerca as 19:00 e tinham-se feito transportar no veículo automóvel Renault HQ, por este conduzido. O arguido e C decidiram aguardar naquele local no propósito de ali virem a assaltar uma qualquer mulher que ali passasse para se apropriarem de objectos e valores alheios e, assim, obterem dinheiro para adquirirem estupefacientes, que, depois, todos consumiriam. Enquanto aguardavam a oportunidade para consumarem os seus desígnios, gerou-se discussão entre a companheira do arguido e C, que a invectivou por querer abandonar o local. Tendo-se o arguido intrometido na discussão, em defesa da companheira, C pegou numa faca, que se encontrava no interior do veículo, e, dela munido, envolveu-se em confronto físico com o arguido. No decurso da luta, C sofreu um golpe no polegar da mão direita e um outro na coxa da perna direita, altura em que o arguido logrou apoderar-se da faca. De posse dessa faca, e continuando envolvido em luta com C, o arguido espetou-lhe a faca no peito, atingindo-o a nível do tórax, num trajecto de frente para trás e ligeiramente de baixo para cima e da esquerda para a direita, ao nível do 4.º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno, com atravessamento e corte da cartilagem condocostal da 5.ª costela esquerda até ao músculo intercostal a nível do espaço intercostal esquerdo e trajecto penetrante na caixa torácica. A faca atingiu o coração da vítima, provocando uma solução de continuidade na parede anterior do ventrículo esquerdo, que seccionou toda a espessura da parede ventricular esquerda e algumas cordas tendinosas. As lesões traumáticas torácicas descritas foram causa directa e necessária da morte de C. Consumada a agressão, o arguido abandonou o local, juntamente com a companheira, levando consigo a faca utilizada que esta atirou para uma lixeira no Bairro do Balteiro. O arguido actuou da forma descrita, atingindo C em zona vital do seu corpo, o coração, bem sabendo que a utilização de uma faca naquelas circunstâncias, dada a zona do corpo atingida e a força empregue, era susceptível de lhe causar a morte. O arguido, ao atingir a vítima naquela zona do corpo, representou a morte da vítima como consequência possível do seu comportamento, tendo-se conformado com tal resultado. Agiu de forma consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. O arguido ajudava o pai na actividade de vendedor de automóveis, é solteiro, vivia com a companheira e possui como habilitações o 7.º ano. Por acórdão de 23.9.2000, já transitado, foi condenado, pela prática em 14.9.1999 de um crime de roubo p.p. pelo art. 210.1 e 2.b, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (comum colectivo 237/99 da 4.ª Vara Criminal do Porto). 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a 1.ª Vara Mista de Gaia (2), em 10Jul00, condenou A, como autor de um crime de homicídio simples, na pena de 10 anos de prisão: Vinha imputada ao arguido a prática de um crime de homicídio qualificado. Porém, a sua conduta consubstancia apenas a prática de um crime de homicídio simples. Dispõe o artigo 132.1 do CP que «se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos». E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, são susceptíveis de revelar aquela especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as seguintes circunstâncias: a) «ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil» e b) «utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso». A morte da vítima não foi causada em circunstâncias que revelem em especial censurabilidade ou perversidade do agente. Para que tal se verificasse necessário seria estarmos perante um caso em que a negação do valor vida fosse acompanhada de circunstâncias que a sociedade reputa de especialmente ofensivas da consciência ético-social. Não nos parece que tenha sido o caso dos presentes autos. O homicídio, a morte da vítima ocorreu durante uma luta entre a vítima e o arguido sendo certo que fora vítima que apareceu com a faca. O arguido não matou por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, nem por excitação ou prazer sexual. Igualmente o arguido não agiu por motivo torpe ou fútil. A morte da vítima ocorreu na sequência de uma luta entre ela e o arguido, sendo que essa luta surgiu do facto de a vítima ter iniciado uma discussão com a companheira do arguido que pretendia abandonar e não levar a efeito o crime que todos haviam projectado. A facada, só por si, não é suficiente para "revelar especial censurabilidade ou perversidade". Esse facto, que deu origem à morte da vítima, ocorreu no desenrolar da luta entre ambos. Quanto à outra qualificativa, é manifesto que se não verifica. Não foi utilizado veneno nem o meio utilizado é insidioso. É certo que "meio insidioso" é um conceito amplo e que abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e os desleais. Mas o meio utilizado - a faca - não revelou a perversidade exigida. A conduta do arguido consubstancia apenas o crime de homicídio simples p. p. pelo artigo 131.º do CP. Resta, assim, determinar a pena concreta. São determinantes da medida da pena os graus de culpa e de ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências do facto, a situação pessoal do agente bem como as necessidades de prevenção do crime. Deve igualmente atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o agente. O artigo 71.º do Código Penal é um afloramento do princípio geral de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Mesmo para aqueles que defendem dar o novo Código Penal uma maior relevância à prevenção geral, a "culpa" do agente constitui o limite da pena. O Código Penal, em sede de medida concreta da pena , adoptou a "teoria da margem de liberdade, nos termos da qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas". Se a "culpa" é a pedra basilar de toda e qualquer pena, não podem ser esquecidas as exigências de prevenção de futuros crimes. Prevenção que significa não só prevenção geral - dirigida a toda a sociedade - como também prevenção especial - dirigida ao próprio arguido. Sem esquecer a função da ressocialização do agente: "A função de socialização constitui hoje em dia - e deve continuar a constituir no futuro - o vector mais relevante da prevenção especial". Enquanto que a prevenção geral aspira a prevenir o delito na sociedade, a prevenção especial ou individual dirige-se ao próprio condenado, que, através da lição que recebe com a pena, deve ser afastado de erros futuros e educado para que se adapte às ideias dominantes da sociedade. Estes os princípios que devem nortear a determinação da medida da pena, sem esquecer que esta deve ser sempre uma pena justa, ou seja uma pena que seja aceite e compreendida quer pelo arguido - a quem é em primeira linha dirigida - quer pela generalidade dos cidadãos - titulares originários do direito de punir. De todos as condutas que a sociedade condena e anatemiza, o homicídio é, sem dúvida, o que é objecto de maior repulsa. Sendo a culpa do agente o elemento determinante da pena, impõe-se analisar a culpa do arguido. Como se referiu, a morte ocorreu no meio da luta que o arguido travou com a vítima, que foi a vítima quem puxou da faca e foi desarmado pelo arguido. Muitas vezes é curto o espaço que medeia entre o estado da vítima e o papel de delinquente. Não pretendemos aplicar ao caso o conceito do "victim precipitated crime", aplicado aos casos de homicídio violento em que a própria vítima concorre ou desencadeia o processo que conduz ao homicídio. Mas a verdade é que foi a vítima quem foi buscar a faca e que a estava a usar contra o arguido. Psicologicamente, o arguido, após ter ficado de posse da faca, reagiu da pior forma, utilizando-a para agredir a vítima. A culpa do arguido mostra-se assim de intensidade média, sendo certo que agiu apenas com dolo eventual, isto é na sua forma mais suave. A ilicitude do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT