Acórdão nº 01S1307 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MÁRIO TORRES |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório A "A" (em liquidação), veio, em 15 de Novembro de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, deduzir oposição à execução contra ela instaurada por B, aduzindo, em síntese, que: (i) a executada encontra-se em situação de falência, determinada por acto administrativo; (ii) a execução que corre nestes autos não é susceptível de prossecução contra a massa em liquidação, pelo que não pode a exequente obter satisfação do seu crédito, mas tão-só o reconhecimento judicial de tal direito através da sentença proferida nestes autos, o que relevará para efeitos de verificação, classificação e graduação no âmbito do passivo da falida (artigo 12.º, § 2.° do artigo 1.º e artigos 42.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 30689, de 27 de Agosto de 1940); (iii) o pagamento aos credores da massa, entre os quais se inclui a exequente, só pode ser feito, nos termos do disposto nos artigos 209.º e seguintes do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril (doravante designado por CPEREF), aplicável ex vi artigo 53.º daquele Decreto-Lei n.º 30689. Conclui pela impossibilidade legal da prossecução da execução, atento o estado de falência da executada, requerendo a declaração de extinção da execução e o levantamento da penhora ordenada. Ouvida a exequente, alegou esta (fls. 8 a 11) que: (i) face ao decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão proferido nestes autos, a liquidação da executada não impede a cobrança de créditos reconhecidos por sentença, pois, de outro modo, a sentença tornar-se-ia inútil; (ii) a matéria alegada pela executada não se encaixa em nenhum dos fundamentos de oposição contemplados nas diversas alíneas do artigo 813.º do Código de Processo Civil; (iii) o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 30689, de 27 de Agosto de 1940, é rotundamente inconstitucional, violando os princípios de reserva do juiz e do acesso à justiça; (iv) não existem falências declaradas por via legal, directa ou administrativa, pelo que, não havendo falência, não há lugar à verificação, classificação ou graduação de créditos, e não pode, igualmente, ser aplicado o CPEREF. Conclui pela improcedência da oposição
Por sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 4 de Janeiro de 2000 (fls. 12 a 19), foi julgada procedente a oposição e determinado o levantamento (após trânsito em julgado desta decisão) da penhora da quantia de 3000000$00 que teve lugar nos autos de execução. Para o efeito, essa sentença percorreu o seguinte itinerário argumentativo: (i) o regime do Decreto-Lei n.º 30689 - que aperfeiçoou e compilou num único diploma toda a regulamentação existente sobre o processo de regularização de pagamentos dos estabelecimentos bancários, a declaração de falência do estabelecimento bancário que no prazo para a regularização de pagamentos não conseguisse alcançar condições normais de funcionamento e as regras sobre o modo como seria efectuada a liquidação do estabelecimento, bem como os órgãos sobre os quais recai competência para apreciar, decidir e praticar os actos necessários à liquidação e partilha da massa (incluindo a verificação do passivo, liquidação do activo e pagamento aos credores) - encontra a sua justificação no reconhecimento de que, por razões de ordem pública, o comércio bancário é uma actividade que só mediante autorização governamental pode ser exercida, pelo que, quando os operadores actuem de modo a criar insegurança no mercado bancário, é razoável que seja o Governo a retirar a autorização para o exercício da actividade; (ii) esse regime, na sua globalidade, continua em vigor, pois o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 132/93, que aprovou o CPEREF, expressamente ressalvou a legislação especial relativa às instituições de crédito ou financeiras; (iii) não é inconstitucional a forma de liquidação extrajudicial adoptada para os estabelecimentos bancários, que surge como consequência de lhes ser retirada a autorização para o exercício do comércio bancário, como já foi decidido pelo acórdão n.º 453/93 do Tribunal Constitucional, pois, retirada por acto administrativo a autorização para o exercício do comércio bancário, não faz sentido subsistir o património do estabelecimento, impondo-se a sua liquidação, sendo certo que a imposição da liquidação através de uma comissão liquidatária representa, ainda, um acto de supervisão e controlo a cargo do Estado, na defesa do interesse público, que não pressupõe a prática de actos próprios da função jurisdicional; (iii) mas já são inconstitucionais as normas dos artigos 21.º (corpo e n.º 5) e 34.º do Decreto-Lei 30689, que atribuem à comissão liquidatária prevista naquele diploma poderes para verificar, graduar e classificar créditos, decidindo da sua existência e posição, ainda que controvertida pelos próprios credores e pelo estabelecimento bancário, pois esta actividade insere-se numa função de dirimir conflitos, reservada aos tribunais, conforme foi decidido, na acção declarativa de que emergiram estes autos, pelo acórdão n.º 450/97 do Tribunal Constitucional; (iv) porém, esse juízo de inconstitucionalidade não afecta a conformidade constitucional das normas dos artigos 12.º e 13.º do mesmo diploma, que prescrevem que a portaria que determina a liquidação do estabelecimento bancário constitui, para todos os efeitos, declaração de falência do mesmo estabelecimento, e importa a ineficácia, no que se refere à liquidação, de todas as penhoras que incidam sobre os bens do estabelecimento bancário, quando constituídas depois da suspensão de pagamentos, preceitos que têm correspondência no artigo 154.º do CPEREF e visam colocar todos os credores em posição de igualdade (sem prejuízo das respectivas preferências legais) perante o património do falido, o mesmo se passando com a norma do artigo 53.º do Decreto-Lei 30689, que manda observar, quanto ao pagamento a credores, o disposto nos artigos 1224.º e seguintes do Código de Processo Civil, a que correspondem actualmente os artigos 209.º e seguintes do CPEREF, e que especificam os termos em que, designadamente, são feitos os pagamentos aos credores preferentes e é feita a distribuição e rateio final do produto da liquidação do activo; (v) no presente caso, a Portaria n.º 102/95, de 31 de Março, revogou a autorização para o exercício da actividade da executada e determinou a sua liquidação, tendo entrado em vigor em 1 de Abril de 1995, pelo que se entende não poder a exequente obter isoladamente e nestes autos o pagamento do seu crédito declarado na acção; (vi) impõe-se, assim, proceder ao levantamento da penhora efectuada, determinada por despacho de 20 de Setembro de 1999, pois o valor penhorado, e que integra a massa em liquidação, deverá estar à disposição da entidade competente, depositada na Caixa Geral de Depósitos, a fim de que oportunamente sejam feitos os pagamentos aos vários credores; (vii) a oposição da executada tem fundamento legal, desde logo porque a mesma vem, designadamente, opor-se à penhora, requerendo o seu levantamento (artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho)
Desta sentença apelou a embargada para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas, por acórdão de 29 de Novembro de 2000 (fls. 82 a 91), foi negado provimento ao recurso, julgando improcedente a arguida inconstitucionalidade dos artigos 12.º, 13.º e 53.º do Decreto-Lei n.º 30689, e considerando que o levantamento da penhora não viola o n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil, pois é a própria lei que, neste caso, determina que qualquer acção executiva não pode prosseguir após a declaração de falência (artigo 154.º, n.º 3, do CPEREF)
Ainda inconformada, interpôs a exequente embargada, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 96 a 100) com a formulação das seguintes conclusões: "1.ª - O processo de falência visa dirimir conflitos de interesses privados, pelo que é de jurisdição contenciosa, não podendo processar-se por via administrativa; 2.ª - A falência tem que ser decretada numa sentença proferida por um juiz, não podendo ser declarada por portaria administrativa; 3.ª - Só aos tribunais compete administrar a justiça, não podendo ser atribuídas funções jurisdicionais aos órgãos da administração; 4.ª - A executada embargante não está na situação de falência; 5.ª - Por isso, não há lugar a concurso de credores ou a reclamação, verificação e graduação de créditos, até porque o órgão liquidatário não tem legitimidade, nem competência, para tais actos; 6.ª - A aplicação do CPEREF, não havendo falência, é inadmissível; 7.ª - A exequente embargada, que viu o direito à prestação ser reconhecido e declarado por sentença judicial transitada, não pode ser impedida de obter a realização coactiva dessa prestação; 8.ª - A aplicação das normas dos artigos 12.°, 13.° e 53.° do Decreto-Lei n.º 30689, de 27 de Agosto de 1940, configura inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.°, n.° 1, e 202.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa; 9.ª - A decisão em apreço, ao julgar os embargos procedentes e ordenar o levantamento da penhora, violou os citados preceitos constitucionais e, ainda, os artigos 204.º da Constituição e 2.º, n.º 1, do Código de Processo Civil." A executada embargante, ora recorrida, contra-alegou (fls. 132...
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