Acórdão nº 02A029 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPONCE DE LEÃO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A", menor, representado nos autos por seus pais veio propor a presente acção contra B, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 75.143.280$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data da propositura da acção até efectivo pagamento, e ainda " a indemnização ilíquida que ... vier a ser fixada em decisão ulterior ... ou vier a ser quantificada em execução de sentença", tendo, para tanto, alegado, em resumo que: - foi vítima de acidente ocorrido com tractor agrícola, por culpa exclusiva do seu condutor, que havia transferido para a Ré a respectiva responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo seguro; - sofreu diversos danos de ordem patrimonial e moral; - o pedido líquido respeita aos danos verificados até à data da propositura da acção, sendo o montante de 75.000.000$00 por danos morais e o de 143.280$00 por despesas efectuadas, - e, o pedido ilíquido, aos danos posteriores a essa data, que vierem a ser quantificados em execução de sentença. Devidamente citada, veio a ré apresentar contestação, onde se defende por impugnação, acrescentando ainda que o acidente se deveu a culpa dos pais do autor, por omissão do seu dever de vigilância. Foi apresentada resposta. Foi proferido despacho saneador, elaborado o rol dos factos dados como assentes e organizada a base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta, findo o que foi proferida douta decisão sobre a matéria de facto controvertida. Foi proferida sentença que concluiu pela verificação de concorrência de culpas, prevista no artigo 570º nº1, cabendo, assim, ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, sendo que no caso presente se afigurou como razoável que a indemnização a fixar fosse objecto de redução de um quarto. Depois de ponderados os danos dados como provados, a 1ª instância decidiu: "Condena-se a ré "B" a pagar ao autor A a quantia de 30.539 € (trinta mil quinhentos e trinta e nove Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 2-2-98 até efectivo pagamento (correspondendo 30.000 € a indemnização provisória dos danos morais e 539 € às despesas efectuadas até 23-1-98). E condena-se ainda a ré a pagar ao autor a indemnização, que vier a ser liquidada em execução de sentença, pelos danos morais (com desconto do montante aqui fixado a título provisório) e pelos demais danos sofridos pelo autor em consequência do acidente em causa.". Inconformados, quer o Autor, como a Ré vieram interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, que proferiu acórdão confirmando in totum a sentença recorrida. Continuando discordantes, ambas as partes recorreram de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte: Revista do Autor 1ª) O tractor SI era propriedade de C e por ele utilizado, na altura do sinistro em seu exclusivo proveito; 2ª) O seu proprietário era quem providenciava pelas revisões periódicas, mudanças de óleo e de valvulina, afinações do motor, da caixa de velocidades, embraiagem, direcção e sistema de travagem; 3ª) Esse tractor estava equipado na parte traseira com uma fresa, que é um instrumento metálico dotado de um eixo de aço de rotação, com várias lâminas dispostas regularmente em torno desse eixo, e estava em constante rotação em volta do mesmo eixo; 4ª) O condutor do tractor não atentou na proximidade do menor e embateu com a respectiva fresa no membro inferior direito do autor; 5ª) Esse membro ficou preso e enredado à volta do eixo metálico da fresa; 6ª) O autor sofreu, por essa razão, ferimentos no membro inferior direito, esfacelo do joelho, com destruição das suas partes moles e com atingimento da parte vásula-nervosa, esfacelo da coxa desse membro e escoriações e hematomas a nível da região direita do tórax; 7ª) E foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, na qual lhe foi amputado o membro inferior direito, ao nível do terço médio da coxa; 8ª) Mantém-se, actualmente e vai manter-se a frequentar sessões de fisioterapia no referido hospital; 9ª) As lesões sofridas pelo autor determinaram um período de doença de 12 meses e uma incapacidade permanente geral de cerca de 70 por cento; 10ª) E, no futuro, vai continuar a realizar despesas directamente relacionadas com o acidente dos presentes autos; 11ª) A execução dos trabalhos com o tractor de matrícula SI traduz-se numa actividade extremamente perigosa, não só em si, mas também pelos meios utilizados; 12ª) Além disso, de acordo com os factos provados, o sinistro dos autos ficou a dever-se a culpa efectiva, única e exclusiva, do tractorista C; 13ª) Existe, por isso, culpa presumida, por parte do condutor do tractor de matrícula SI C, de acordo com os factos provados e o estatuído no artigo 493º, nºs 1 e 2, do Código Civil; 14ª) Mas, também, de acordo com os factos provados, a culpa na produção do sinistro, é efectiva, única e exclusiva, imputável ao referido C; 15ª) E dos factos provados não resulta que o menor A tenha agido com qualquer parcela de culpa para a eclosão do sinistro; 16ª) Por outro lado não é possível o concurso de culpa - efectiva e/ou presumida - por parte do tractorista C e eventual - que não se aceita - responsabilidade objectiva, por parte do menor A, à luz do disposto no artigo 570º, nºs 1 e 2, do Código Civil; 17ª) O valor de 30.539,00 EUROS fixado pelo Tribunal de Primeira Instância não é susceptível de indemnizar - ou melhor dizendo, compensar - o autor, ora Recorrente, dos danos a este propósito sofridos; 18ª) Em sua substituição, deve ser fixada a indemnização (compensação) peticionada de Esc:-75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos), ou seja, 374.098,42 EUROS; 19ª) A pagar integralmente pela Recorrida "Real, S.A.", sem qualquer redução, por ser ilegal a concorrência entre culpa - efectiva e/ou presumida - e a responsabilidade objectiva, que, de resto, não existe; 20ª) Sendo certo que, dos factos provados, não resulta qualquer responsabilidade - ou corresponsabilidade - por parte do autor A -, seja a título de culpa ou de mero risco (responsabilidade objectiva); 21ª) Decidindo de modo diverso, fez o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães má aplicação do direito aos factos provados e violou, além disso, o disposto nos artigos 483º, 487º, 493º, nºs 1 e 2; 562º, 564º e 570º, do Código Civil. Revista da Ré 1ª) A douta sentença e acórdão recorridos, objecto do presente recurso, não poderão manter-se; 2ª) Dos factos provados resulta, clara e inequivocamente, que o tractor agrícola se encontrava numa propriedade, em laboração, fresando a terra, no momento do trágico acidente. 3ª) O local onde a referida máquina laborava não é transitável por veículos, pelo que no momento do acidente aquele veículo se encontrava na sua função de máquina agrícola, enquanto unidade produtiva e apenas nesta, e não na sua função de veículo circulante. 4ª) Conforme se refere no douto Acórdão da Rel. de Lisboa, in Col. Jur. 1996, IV, pág. 139, "a questão que ora nos ocupa consiste em qualificar o acidente em causa, saber se se trata ou não de um acidente de viação". 5ª) É essencial saber se, nos presentes autos, estão verificados os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de indemnizar que o ora Recorrido pretende ver reconhecido perante a Recorrente, ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil junto a fls. 6ª) Entenderam, porém, os Ilustres Desembargadores que "esta questão de saber se a responsabilidade accionada está, ou não, a coberto do predito contrato de seguro ( ... ) é uma questão nova e, por isso, não foi objecto de apreciação na sentença". 7ª) Ora, na opinião da Recorrente afigura-se que, com o devido respeito, não assiste razão aos Ilustres Desembargadores. 8ª) Com efeito, nos termos do disposto na 1ª parte do artigo 664º do Código de Processo Civil "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito". 9ª) Na verdade, como muito bem refere o Dr. Lebre de Freitas, "no domínio da indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ( ... ) o tribunal não está condicionado pelas alegações das partes, o que é uma decorrência do princípio da legalidade do conteúdo da decisão". 10ª) Assim, no plano do direito, a soberania pertence ao juiz, sem embargo de o seu conhecimento se circunscrever no domínio definido no objecto do processo. 11ª) Ora, dos factos provados resulta que o acidente em causa nos presentes autos ocorreu quando o proprietário do tractor "procedia a operações de fresagem da terra de um prédio denominado "Veiga de Trelamas", sito no Lugar de Trelamas, com vista ao seu aproveitamento agrícola". 12ª) O acidente em causa não configura, portanto, um acidente de viação, sendo certo que se trata de matéria de direito, a qual é susceptível de conhecimento oficioso por parte do juiz. 13ª) Ficou, igualmente, provado o conteúdo do contrato de seguro de fls. 14ª) O enquadramento dos factos provados no âmbito das coberturas do contrato de seguro é igualmente matéria que pode ser apreciada nesta fase processual. 15ª) Na verdade, "a regra - art. 489º do Cód. Proc. Civil - é no sentido de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação podendo, posteriormente, ser deduzidas excepções de que deva conhecer-se oficiosamente". 16ª) Ou seja, na contestação devem ser alegados factos, ficando relegados para uma fase posterior as alegações, orais ou escritas, sobre o aspecto jurídico da causa em que os "advogados procurarão interpretar e aplicar a lei aos factos que tenham ficado assentes". 17ª) No mesmo sentido refere o Dr. Lopes Cardoso que "as alegações escritas são dirigidas ao juiz que há-de proferir a...

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