Acórdão nº 02A267 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA RAMOS
Data da Resolução14 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I1. "A" 10.3.97, no Tribunal da Comarca de Lisboa, "A" propôs acção declarativa com processo ordinário contra B, director de publicação periódica, C, editor de publicação periódica, e D, pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à autora: - "o valor reparador dos danos patrimoniais, já verificados e os futuros e previsíveis, incluindo os lucros cessantes, mas cujo montante é, de momento, impossível de exacta determinação pelo que se relega a sua liquidação para fase ulterior do processo, ou para liquidação de sentença, atribuindo-se, por ora, o valor de 2.000.001$00; - uma compensação em dinheiro não inferior a 10.000.000$00, por danos não patrimoniais já verificados e os futuros e previsíveis, sem prejuízo da posterior alteração ampliadora do pedido; - juros à taxa legal, desde a citação, sobre as quantias efectivas em que vierem a ser condenados, ou na actualização do seu valor à data em que forem liquidadas, acrescidas de juros, à taxa legal, a partir dessa mesma data e até integral pagamento; - a fazer publicar, no periódico D, com chamadas na capa e, bem assim, a divulgar, como publicidade paga, na SIC, e tudo a expensas dos réus, a sentença que houver de os condenar".

Para tanto, e em síntese, alegou: - que em várias edições de Maio, Julho e Agosto do ano de 1996, do Jornal .... (2º Caderno), foram publicados textos e fotografias relativos à autora, divulgando factos pertinentes à vida privada com intuito de que o público leitor formasse uma imagem negativa da autora ou pusesse em causa a imagem positiva que dela tinha; - o que representa ofensa à personalidade moral da autora, a quem causou sofrimento moral bem como preocupação intensa e duradoura, constituindo também causa adequada de seu desprestígio nos planos moral, intelectual, profissional e do bom conceito desta no meio social em que vive e exerce a sua actividade, e no público em geral.

Os réus defenderam-se por impugnação, e os 1º e 2º também por excepção, invocando a sua ilegitimidade.

Na réplica, a autora, afirmando não ser possível a identificação dos autores dos textos, concluiu que tanto o director, o editor, como a empresa proprietária do jornal são solidariamente responsáveis. E, tendo requerido a intervenção principal provocada de E, chefe da redacção do jornal, na qualidade de substituto legal do 1º réu, durante as ausências deste, veio o incidente a ser admitido, tendo o interveniente aderido ao articulado dos réus.

Prosseguiu o processo sua tramitação, sendo os 1º e 2º réus considerados partes legítimas no despacho saneador.

2. Realizado julgamento sem que as respostas aos quesitos tivessem sofrido reclamação (cfr. fls. 417), a 31.07.2000, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou: - os réus B, C, D, e o interveniente E a pagarem à autora a quantia de 4.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros desde a data da citação, à taxa legal de 10%, sendo de 7% desde 17.4.99, até integral pagamento; - a ré D, a fazer publicar no jornal ... o teor da sentença por extracto, devendo dele constar os factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas.

3. Inconformados, apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa os 1º e 2º réus e o interveniente E - a autora interpôs recurso subordinado "a cada um deles".

Tribunal que por acórdão de 24.05.2001: - negou provimento aos recursos de apelação interpostos pelos 1º e 2º réus e pelo interveniente; - concedeu provimento ao recurso subordinado, condenando réus e interveniente a pagarem, solidariamente, à autora, a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), a título de indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se o mais decidido na sentença recorrida (fls. 606).

4. Irresignados, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal o réu C e o interveniente.

4.1. O primeiro, extraiu das respectivas alegações as conclusões seguintes: "1ª O tribunal recorrido não poderia aplicar ao caso em apreço o disposto no artigo 26° da Lei da Imprensa pois o mesmo regula a responsabilidade criminal de actos praticados pelas pessoas que revestem a qualidade prevista no referido diploma legal, uma vez que os valores e fins da lei penal em nada coincidem com os da lei civil; 2ª O recorrente é editor de um jornal e tem como seu superior hierárquico o director do mesmo estando sujeito ao seu poder de direcção; 3ª É ao director do jornal que incumbe decidir sobre os escritos e imagens que deverão ser publicados em cada edição do periódico que é o Semanário; 4ª O artigo 24º da Lei da Imprensa - regulador da responsabilidade civil dos actos previstos nas normas inseridas naquele diploma -, não prevê a responsabilização do editor quanto a escritos assinados e, por analogia com o disposto no artigo 26° da mesma Lei, não se verifica também tal responsabilidade em relação aos escritos não assinados; 5ª O ónus da prova quanto à verificação dos factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil recaía sobre a recorrida que não logrou fazê-lo, em relação ao recorrente, no que toca à ilicitude de qualquer por este praticado; 6ª Pelo que a falta de prova demonstrativa dos elementos descritos nos artigos 483°, 484° e 487° do Código Civil, geradores da obrigação de indemnizar, deveria ter conduzido à prolação de um acórdão que substituísse a sentença recorrida no sentido de absolver o recorrente do pedido formulado pela recorrida; 7ª Por outro lado, o acórdão recorrido consagrou como provados os factos qualificados como tal pela sentença proferida em primeira instância, nem mais nem menos, pelo que não poderia o mesmo ter condenado solidariamente o recorrente em pagar à recorrida valor superior ao quantum indemnizatório fixado por aquela, na medida em que nem as partes invocaram a apreciação de quaisquer outros danos nem o Tribunal da Relação tomou conhecimento ou apreciou os mesmos; 8ª Pelo que o acórdão proferido violou os artigos 24° e 26° da Lei da Imprensa e os artigos 483°, 484° e 487° todos do Código Civil".

4.2. Por seu turno, o interveniente E alegando, concluiu: "1ª Porque a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal são duas realidades distintas, o Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, contém uma norma - o artigo 24º - dedicado expressa e exclusivamente à responsabilidade civil e normas específicas para a responsabilidade criminal - os artigos 25º e 26º; 2ª Assim, na interpretação da lei devem ser tidos em atenção, prima facie, os elementos literal e lógico pelo que, no caso em revista, foi notória a intenção do legislador em separar a responsabilidade civil da criminal, estabelecendo regimes próprios, com normas específicas e concludentes quanto ao seu preenchimento; 3ª Para se determinar a responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da imprensa, o artigo 24º informa-nos que devem ser observados os princípios gerais que, em concreto, se encontram inclusos no Código Civil, nos artigos 483º e seguintes, não se vislumbrando qualquer lacuna que nos leve ao exercício de integração, recorrendo, como foi o caso, à aplicação indevida de normas de carácter penal, vide o artigo 26º da Lei da Imprensa com a redacção dada pela Lei 15/95 de 25 de Maio; 4ª Desta forma, são elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que se devem verificar cumulativamente para que se constitua o dever de indemnizar; 5ª Ora, nos termos do artigo 487 do Código Civil, "é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão", o que a autora não logrou fazer, pelo que, não havendo lugar a responsabilidade objectiva neste campo, mas subjectiva ao invés, não foi imputado o facto ao recorrente, não se preenchendo um dos pressupostos da responsabilidade civil; 6ª Contudo, optou o tribunal pela aplicação do artigo 26º da referida Lei de imprensa, dirigida à responsabilidade criminal, por entender que esta constitui um maius em relação à responsabilidade civil, olvidando por completo o regime legal específico estabelecido no artigo 24º, por ser a única forma de se punir, tendo a douta Relação de Lisboa acrescentado que "a ratio dessa norma se prende com a necessidade de se evitar a fácil impunidade em matéria tão delicada como esta, ratio essa que, de igual modo, é relevante no âmbito do apuramento da responsabilidade civil"; 7ª Mas, salvo o devido respeito, não é esse o entendimento correcto porque, ab initio o artigo 26º da supra citada lei encerrava em si uma inconstitucionalidade gritante, dado que se tratava de uma norma de carácter penal, contendo uma presunção legal de culpa que trazia a si adstrita um ónus da prova recaindo sobre o arguido/lesante, pelo que, à luz da Constituição da República Portuguesa, eram violados os princípios da culpa, da presunção de inocência e do in dubio pro reo, dado que em matéria penal não se presume a culpa do autor sob pena de se inverter toda a lógica do Estado de Direito democrático em que vivemos; 8ª Por ser aberrante o regime da anterior lei da imprensa, a nova Lei da Imprensa, estabelecida pela Lei nº 2/99 de 13 de Janeiro, em primeiro lugar manteve a separação e a concreta definição dos regimes da responsabilidade civil e criminal, vide artigos 29º para aquela e 30º e seguintes para a última, respectivamente; e, em segundo lugar, porque o legislador estava atento, eliminou a presunção de culpa e o correspondente ónus, pelo que o regime do artigo 31º e 39º não é só mais favorável ao recorrente, como restabeleceu a legalidade no âmbito deste regime específico da responsabilidade criminal; 9ª No caso concreto houve, pois, a violação dos artigos 24º, 25 e 26 do Decreto-Lei n. 85-C/75 de 26 de Fevereiro, bem como dos artigos 483º, 484º e 487º do Código Civil; 10ª É evidente que as necessidades de punição não são sinónimo...

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