Acórdão nº 02A4324 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução21 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A"-Fabricação de Peúgas, Ld.ª, com sede em Martim de Além, Barcelos, instaurou acção declarativa com forma de processo comum ordinário contra a Companhia de Seguros B, com sede na Rua ...., Lisboa, hoje ..., SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 75.490.000$00, respeitante a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por ela suportados, acrescida de juros vincendos a partir da citação. Para o efeito alegou: - ter realizado um contrato de seguro incidente sobre o extravio de mercadorias suas, transportadas em veículo TIR para França pela transportadora C, Ld.ª, com sede em Valpaços, - ter o veículo transportador sido objecto de furto já em território francês, - e, com esse furto, terem também sido furtadas as respectivas mercadorias, - não querendo, no entanto, a Ré pagar à A. o preço das mercadorias seguras, não obstante para tanto instada. A Ré contestou, alegando factos donde se concluía pela impossibilidade de terem sido transportadas no veículo utilizado as quantidades indicadas de mercadorias em risco e outros que sustentavam a tentativa de burla em matéria de seguros, executada por simulação de roubo de mercadoria; teria, ainda, a Autora ocultado à Ré elementos importantes para a aceitação do grau de risco. Concluiu pela improcedência da acção, com a absolvição da Ré no pedido, ou, se porventura tal não viesse assim a ser entendido, então que a condenação não ultrapassasse os limites decorrentes do preço de custo da mercadoria. A Ré requereu ainda o chamamento à autoria de "C", alegando que se porventura for condenada na acção tem direito de regresso contra a chamada, devido à forma negligente como efectuou o transporte e guarda das mercadorias. Este incidente foi admitido, vindo a chamada a pedir apoio judiciário e a negar parte da versão da matéria alegada pela A. e R. relativa ao circunstancialismo que envolveu o contrato de transporte e quanto à culpa no desaparecimento da mercadoria. Saneado, condensado e instruído o processo, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova e decisão da matéria de facto perguntada no questionário, após o que o Ex.mo Juiz proferiu sentença que, na ausência de prova dos factos constitutivos do direito exercitado pela A. julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido, condenando ainda A. e chamada em multas de 500.000$00 e 250.000$00, como litigantes de má fé, respectivamente. Inconformada, apelou a A., afirmando que a prova produzida pela A., que não mereceu qualquer contradita pela Ré, e que foi apresentada de forma coerente, imparcial e honesta, impõe a procedência da acção, além de que a A. não litigou, por isso, de má fé, muito menos praticou qualquer acto de "terrorismo processual". A Relação manteve inteiramente a decisão sobre a matéria de facto, depois de considerar que, como é sabido, a sindicação da matéria de facto só pode ser exercida pelo Tribunal da Relação nos termos indicados no art. 712.º do CPC. No caso em presença, a sindicação da prova por este Tribunal pode ser exercida uma vez que temos ao nosso alcance todos os elementos de que o Tribunal de 1.ª instância lançou mão, já que ocorreu a gravação da prova. No entanto, importa não esquecer que esse esforço sindicante não significa que tenha de seguir-se inexoravelmente o que as testemunhas disseram ou não disseram, porque o importante é a convicção criada pelo julgador a respeito da credibilidade sobre o mérito ou demérito das provas, designadamente a respeito da credibilidade dos depoimentos. Ora esse credibilidade tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que a convicção criada há-de assentar não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores. Como dissemos no Acórdão deste Tribunal da Relação de 99.02.08, em recurso de apelação do processo n.º 1/99, do Tribunal de Círculo de Chaves, "(...) A actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhe sejam oferecidos. Há-de por isso a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto socio-cultural, a linguagem gestual - inclusive a dos olhares, a dos rubores - , e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para se poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que muitas vezes, não intencionalmente. As respostas aos quesitos hão-de pois ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a...

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