Acórdão nº 02A744 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSILVA PAIXÃO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 18 de Maio de 1994, "Transportes A, Lda.", instaurou, na 1.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção com processo comum e forma ordinária contra "B, S.A.", pedindo fosse esta condenada no pagamento da quantia de 85.446.390$90, com juros legais contados desde a citação, indemnização correspondente aos prejuízos decorrentes da extinção dum contrato de comercialização e distribuição de produtos da Ré, em regime de exclusividade, nas áreas dos concelhos de Vila Real, Santa Marta de Penaguião e Régua. Aquele montante decompõe-se nos seguintes valores parcelares: a) - 54.824.994$00, valor da indemnização por falta de pré-aviso adequado ao caso concreto, de dezoito meses, à razão de 3.045.833$00 por mês, que tanto foi a média mensal da receita bruta durante o período de vigência do contrato; b) - 8.064.700$00, valor dos prejuízos sofridos com indemnizações por acordos para a cessação de contratos de trabalho e despesas de celebração de contratos vigentes à data da cessação do acordo de distribuição, tudo causado pela abrupta cessação do contrato havido com a Ré; c) - 4.930.000$00, despendido com a transformação dos veículos afectos à distribuição dos produtos da Ré em porta areias; d) - 1.250.000$00, quantia paga pela A. e perdida por inutilização do investimento feito com vista à distribuição exclusiva de produtos da Ré, nomeadamente em material informático e de escritório; e) - 6.376.746$90, quantia que a Ré ficou a dever-lhe por transporte de mercadorias e f) - 10.000.000$00 por danos não patrimoniais causados pela Ré na imagem de grande seriedade e lisura de comportamentos da A. com a cessação do contrato. A cessação, pela Ré, do contrato que a ligava à A. foi duplamente ilegítima porque não precedida de qualquer declaração de denúncia ou de resolução, sendo certo que não havia nem foi invocada justa causa para a resolução, com efeitos imediatos, do contrato que vigorava há escassos seis meses - sendo certo que este tinha prazo clausulado de dois anos e tudo levava a crer que duraria por muitos mais. Foi com base na ideia, transmitida pela Ré, de que o contrato duraria anos que a A. adquiriu equipamento informático e de escritório, transformou camiões e comprou viaturas de mercadorias e terreno para implantar as instalações requeridas pela eficiente distribuição dos produtos da Ré, admitiu pessoal e obteve garantia bancária, tudo frustrado pela inopinada e injustificada cessação do contrato pela Ré. O investimento de mais de 50 mil contos exigido pelo cumprimento do contrato e sugerido pelo comportamento da Ré que fazia prever um longo relacionamento com a A., nunca inferior aos cinco anos necessários para amortizar o investimento, demanda um pré-aviso adequado, pelo menos até 31 de Dezembro de 1992, data em que se completavam os dois anos contratados e previstos no Regulamento (CEE) n.º 1984/83, da Comissão, de 22.6.83, sobre acordos de fornecimento de cerveja. 2. A Ré contestou, advogando a improcedência da acção. Para tanto, alegou nunca ter sido a A. sua distribuidora regional e exclusiva e não ter ela Ré posto termo à relação contratual entre ambas, muito embora para tal tivesse fundamento por falta de pagamento de mercadorias fornecidas, deficiente cobertura do mercado e cessão não autorizada da posição contratual, tendo acrescentado que foi a A. que, por sua livre vontade, cessou a actividade de comercialização, nos termos da carta de 22 de Maio de 1992. Impugnou o mais alegado, designadamente criação de confiança em prazo contratual de mais de um ou dois anos, os alegados investimentos e os prejuízos por denúncia que não existiram e nunca seriam calculados nos termos invocados. Em reconvenção pediu a condenação da A. no pagamento de 20.159.452$70 e juros de mora, valor dos bens adquiridos pela A. à sua antecessora no negócio e que, por indicação da vendedora, deviam ser pagos à R., pagamento que a A. jamais efectuou. 3. A A. replicou, impugnando os factos alegados na reconvenção. 4. Foi elaborada a peça saneadora e condensadora. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em 13 de Julho de 2000, condenando a Ré a pagar à A., a título de indemnização pelos prejuízos causados pela denúncia contratual sem pré-aviso, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença - mas, como resulta da fundamentação (fls. 522), "equivalente a dezassete vezes a margem média bruta mensal auferida na vigência do contrato" - e julgando totalmente improcedente o pedido reconvencional. 5. Inconformadas ambas as partes apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa. A Ré, pugnando pela revogação da sentença pois, a seu ver, não era legalmente devida indemnização por cessação do contrato (por todos aceite ser de concessão comercial), nos termos dos artºs. 28º e 29º do Dec-lei n.º 176/86, de 3 de Julho, nem a A. provara os factos-fundamento dos mais prejuízos invocados. A A., insistindo pela condenação da Ré nos juros legais pedidos, desde a citação. Sem êxito, porém, pois a Relação, por Acórdão de 11 de Outubro de 2001, julgou improcedentes ambas as apelações, confirmando a decisão recorrida. 6. Irresignadas ambas as partes recorreram de revista, insistindo nas suas anteriores teses, tendo culminado as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A - da Ré: I. Não existiu da parte da R. uma denúncia do contrato que a ligava à A. e o contrato cessou por motivo exclusivamente imputável a esta última; II. A comunicação efectuada pela R., através de C, aos representantes legais da A., no sentido de que passaria a existir um novo distribuidor, com área quase coincidente àquela em que a segunda actuava, foi uma decisão justificada pelos maus desempenhos e actuação reiteradamente violadora do contrato por parte da A.; III. Configurando-se, portanto, como inteiramente lícita à luz da legislação aplicável e dos princípios regentes em matéria de contratos; IV. Tanto mais que era prática da R. ter dois tipos de entidades com características de actividade similares - os "distribuidores regionais" e "locais" -, que, por vezes, se entrecruzavam nas suas áreas de competência, embora não fossem coincidentes, sendo a distinção baseada sobretudo em critérios funcionais; V. Não pode assacar-se qualquer intenção resolutiva da R., ainda que tácita, no facto de esta ter iniciado com a sociedade "D, Lda.", ainda em Maio de 1992, uma relação contratual paralela à que mantinha com a A.; VI. O contrato não cessou em Julho de 1992; tal não consta dos factos assentes, nem sequer consta da matéria de facto provada que a partir daí tenha a R. deixado de fornecer à A. os produtos contratados ou tenha esta deixado de os adquirir; VII. Foi a A. quem veio pôr fim ao contrato com a carta que enviou à R. em 22.05.1992, informando-a de que não podia, por ser uma empresa transportadora, exercer a actividade comercial; VIII. Pelo que a relação entre ambas não cessou em 04.05.1992, data em que passou a existir novo distribuidor e única que, dada a matéria provada, se pode fixar para essa cessação, porque, embora na sentença se refira que o termo do contrato foi em Julho de 1992, nada há nos autos que permita fixar a cessação nesta data; IX. Por a A. não ter possibilidade de, juridicamente, exercer a actividade comercial, o que era postulado imprescindível para a manutenção do contrato, este teria forçosamente que soçobrar, dando-se assim a respectiva cessação; X. E este seria sempre o efeito, quer essa impossibilidade fosse superveniente, quer fosse, como é patente nos presentes autos, originária, tornando, nesta última situação, o contrato nulo desde o seu início; XI. Ainda que assim não se entenda, seria aplicável o artigo 801º do Código Civil, o qual remete para o regime do artigo 798º do mesmo diploma, que prescreve que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor; XII. O comportamento da A. ao celebrar com a R. um contrato cuja obrigação principal não estava incluída no seu objecto social é susceptível de revelar uma intensa e grave má fé negocial; XIII. A carta da A. datada de 22.05.1992 documenta um rompimento do contrato, com efeitos a partir da data referida, de sua única e inteira responsabilidade ou a intenção transmitir a sua posição contratual a outra empresa, porém não houve, nos termos do artigo 424º do Código Civil, anuência da R. à projectada cessão, condição imprescindível para que esta tivesse, em relação a ela, eficácia; XIV. A A. procedeu à transferência dos seus equipamentos e dos produtos que tinha em "stock" para a titularidade do novo distribuidor com que havia entretanto contratado, dando assim, inequivocamente, a entender que, não tendo sido aceite a cessão, o contrato que a ligava à R. cessara por completo; XV. Não assiste, por isso, à A. qualquer direito a ser indemnizada pela R., uma vez que só por sua culpa e iniciativa se extinguiu o contrato objecto dos autos, o qual de resto era nulo por impossibilidade do objecto desde o início; XVI. Ainda que se considere que a R. estava vinculada a um dever de exclusividade em relação à A., nem mesmo assim se pode deduzir que houve da parte daquela uma resolução contratual; XVII. Não houve qualquer comunicação da R. em que esta dissesse expressamente à A. que punha fim ao contrato, ou em que, pelo menos, afirmasse que pretendia fazê-lo; XVIII. Não havendo matéria de facto que sustente uma declaração, ou sequer uma intenção, expressa ou tácita, da R., em resolver o contrato, terá que admitir-se que esta, quando muito, apenas o violou, violação essa, que incidiu tão só sobre uma das obrigações que sobre ela impendiam - a de dar exclusividade à A. - e não sobre qualquer outra; XIX. Seria, então, perante o incumprimento da R., necessário verificar se assistiria à A. o direito de resolver o contrato invocando justa causa; porém, a A. não invoca que tenha resolvido o contrato por sua iniciativa, por força do incumprimento da R., alegando, outrossim, que houve...

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