Acórdão nº 1212/12.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1212/12.0TBSTS.P1 (apelação) Comarca do Porto - Póvoa de Varzim - Instância Central - 2ª Secção Cível Relator: Filipe Caroço Adjunto: Desemb. Judite Pires Adjunto: Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B..., S.A.[1], com sede na Rua ..., Apartado ..., Trofa, e C..., S.A.[2], com sede na ..., ..., ..., ....-..., Gafanha da Nazaré, instauraram ação declarativa comum, com processo ordinário, contra D..., S.A.[3], com sede na ..., ..., ....-... ..., Palmela, alegando essencialmente o seguinte: Numa relação baseada num contrato celebrado em abril de 2003 entre as AA. e a R., esta enquanto única importadora, produtora e comerciante de determinados refrigerantes, em especial, da marca E..., faturava produtos daqueles género à 2ª A, mas entregava-os à 1ª A., sendo esta a sua real distribuidora numa área geográfica do país, por sua própria conta e risco, junto dos vários retalhistas, sem qualquer interferência da 2ª R., cujo objeto social era diferente.

Não obstante vender também outros bens, a 1ª A. estava integrada na organização comercial da R., sendo responsável pela promoção e venda dos seus produtos naquela área geográfica, desenvolvendo ali intensa atividade de promoção e venda dos seus refrigerantes, para tanto fazendo grande investimento, com o inerente esforço financeiro que tem vindo a suportar.

Entre os anos de 2003 e 2008, a 1ª A. aumentou progressivamente o número de clientes de venda a retalho/compradores, de 1242 para 2233, sendo que cada vendedor da 1ª A. tinha uma carteira com cerca de 150 clientes. De igual modo, em 2004, faturou € 1.082.609,00 em produtos abrangidos pelo contrato de distribuição celebrado no ano de 2003 e, em 2008, já estava a faturar € 10.559.616,00 na venda daqueles produtos, aumentando assim também, progressivamente, a sua margem bruta de comercialização de € 200.728,29 para € 654.145,30, de tal modo que a 1ª A. era a empresa que maior volume de produtos da D1..., em especial da marca E...

, revendia em território nacional.

Em março de 2009, a R. surpreendeu a 1ª A. com um súbito e exorbitante aumento dos preços dos produtos da marca E...

, enquanto outros distribuidores da R. revendiam os mesmos refrigerantes aos seus clientes por preços inferiores àqueles.

Em consequência, os clientes da B1... passaram a comprar aos concorrentes dela, em especial ao F... e à G... e aos outros distribuidores que integram a rede de distribuição dos produtos da D1..., vendo-se a 1ª A. na necessidade de comprar E...

a outros colegas distribuidores da R., sem as promoções, brindes, campanhas de marketing, publicidade e aniversários, prémios, viagens, campanhas, sell out, folhetos, etc., que esta facultava àqueles seus distribuidores.

Com este aumento de preços, discriminatório e anticoncorrencial grave, a R., unilateralmente, impediu-a de comercializar os seus produtos, o que configura uma declaração tácita de denúncia incondicional, com extinção da relação comercial em 30.3.2009, data dos últimos fornecimentos.

A R., numa posição de abuso de posição dominante, violou as leis da concorrência, passando a praticar com a A. preços não competitivos, discriminando-a relativamente aos outros distribuidores, com o consequente desvio dos seus clientes habituais para os seus concorrentes.

A R. abusou de direito ao denunciar o contrato sem um pré-aviso razoável (6 meses), quando até então alimentava a ideia de que não o denunciaria num prazo previsível, criando expetativas à A. de que o contrato se manteria por longo período de tempo, tendo, por isso, efetuado avultados investimentos na sua empresa, cujo período de amortização se prologaria por 8 a 10 anos.

Entende a 1ª A. que tem direito a: a) Indemnização de € 327.071,65, equivalente a 6 meses de margem média bruta mensal auferida no ano de 2008, nos termos do art.º 29º, nº 2, do Decreto-lei nº 178/86; b) Indemnização de clientela que estima em € 250.000,00; e c) Compensação pelos prejuízos inerentes à cessação inesperada e extemporânea do contrato, trazidos à sua imagem e bom nome comercial, pelo montante de € 25.000,00.

Termina, assim, o seu articulado com o seguinte pedido, ipsis verbis: «a) ser a R. condenada a pagar à B1..., uma indemnização de clientela no valor de € 250.000,00, nos termos da lei; b) ser a R. condenada a pagar à B1..., nos termos do artigo 29º, n.º 2 do DL 178/86, uma compensação de € 327.041,65 equivalente a seis vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2008, c) ser a R. condenada a pagar à B1..., uma indemnização de €25.000,00 por danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição; d) ser a A. condenada a pagar à B1... os juros de mora que à taxa legal se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.

» (sic) Citada, a R. contestou a ação, por exceção e por impugnação.

Alegou que nunca existiu qualquer contrato de distribuição entre as AA. e a R. A 1ª A. nunca foi mais do que um operador logístico e não teve, nem tem, qualquer influência na prospeção e angariação de clientes para os produtos da R., não havendo qualquer contrato escrito de distribuição entre elas celebrado no ano de 2003, tal como não existia anteriormente quando, em 2002, a aqui 1ª A. defendeu a sua existência num outro processo judicial, como tendo sido celebrado no ano de 1989.

Considera a R. que a 2ª A. é parte ilegítima e que o alegado direito das AA. se extinguiu por transação judicial, devidamente homologada por sentença de 14.11.2003, transitada em julgado, no proc. 141/2002, que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso, onde a A. declarou ter sido completamente compensada pela extinção do contrato de distribuição dos produtos da ora R. que, de acordo com o que havia alegado, vigorava desde 1989 e tinha sido extinto pela aqui R. em 1.4.2001.

A 1ª A. litiga de má fé ao deduzir um novo pedido de indemnização com base num alegado contrato já extinto, com declaração de quitação sem reservas no âmbito da referida transação.

Por impugnação, a R. nega grande parte dos factos descritos na petição inicial e, no essencial, aduz que a comercialização, promoção e distribuição dos produtos da R. nas áreas que a A. B1... reclama como “suas” sempre foram realizadas diretamente pela R. ou por (verdadeiros) distribuidores contratados para o efeito, que não a A. Esta comprava e pagava à R. os produtos que vendia, sendo ela também que decidia, encomenda a encomenda, em que local a R. os deveria entregar.

Nunca a R. contratou qualquer das AA. como distribuidora dos seus produtos, desconhecendo os investimentos que a 1ª A. terá realizado na sua empresa, nem lhe fixou qualquer objetivo de vendas.

Não existiu qualquer alteração súbita, irreversível e unilateral de condições contratuais estabelecidas com as AA.

As condições comerciais entre as partes variaram ao longo do tempo e foram sendo livremente acordadas em função dos interesses e possibilidades das partes, bem como das condições do mercado.

A R. não se recusou a fornecer produtos às AA., simplesmente constatou que elas, devedoras de largas centenas de milhares de euros, não desejavam adquirir mais produtos.

Não há qualquer infração ao Direito da concorrência.

Quanto à indemnização por falta de pré-aviso, refere que, além de não existir qualquer contrato de distribuição, foi a 1ª A. que comunicou à R. que não lhe iria adquirir mais produtos. Ainda que que assim não fosse, a própria 1ª A. reconheceu em carta de 3.7.2009 que aquela indemnização estava parcialmente compensada com um débito para com a R., com pagamento do remanescente.

Mesmo que existisse --- mas não existe --- entre as AA. e a R. um contrato de alguma forma análogo ao contrato de agência, a sua denúncia nunca teria de ser realizada no prazo de um ano, mas sim, no máximo, no prazo de 3 meses. Acresce que a 1ª A. reconheceu na carta de 7.4.2009 que os aumentos de preços eram relativos apenas aos últimos três meses, ou seja, a três meses antes do momento em que as AA. assumiram a extinção do contrato; ou seja, sempre teria havido um pré-aviso de três meses, suficiente nos termos do Decreto-lei nº 176/86.

Não se verifica qualquer requisito de que dependa a atribuição da indemnização de clientela.

A A. B1..., antes da comunicação de 7.4.2009 revendia produtos enquanto grossista aos clientes do seu Cash and Carry, não perdeu o acesso aos mesmos, e a R. não beneficiou nem é previsível que venha a beneficiar da extinção da relação comercial com as AA.

A imagem da 1ª A. não foi afetada por qualquer ato da R.

Acrescenta que as AA. litigam de má fé, prosseguindo numa estratégia de recusa injustificada de pagamento de dívidas vencidas e de tentativa de locupletamento à custa da demandada, alegando falsidades e omitindo factos essenciais para a decisão da causa, designadamente que a 1ª A. já declarou em 2002, no âmbito de uma transação judicial celebrada com a aqui R., ter sido totalmente indemnizada pela extinção do alegado contrato de distribuição no qual funda os seus pedidos.

Faz culminar assim o seu articulado: «Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá: a) a A. C... ser julgada parte ilegítima e, em consequência, ser a R. absolvida da instância quanto a ela; b) ser julgada procedente a excepção peremptória alegada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido; Se assim não se entender, c) ser a acção julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.

» (sic) As AA. replicaram alegando que não existe qualquer decisão de mérito sobre a causa de pedir ou fundamento da presente ação, onde está em causa um novo contrato de distribuição comercial celebrado não só entre a A. B1..., mas também entre a A. C... e a R., o qual teve início em abril de 2003 e cessou, por denúncia, em 20.03.2009.

Sustentaram a legitimidade da 2ª A.

Quanto à alegada extinção do direito das AA., defenderam que o objeto, os sujeitos...

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