Acórdão nº 02B4702 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução25 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 14 de Junho de 1993, A, B, C e D intentaram, no Tribunal de Círculo de Anadia, contra "E - CERÂMICA TÉCNICA, SA", "F - INVESTIMENTOS CERÂMICOS, SA", G e mulher H, I, J e L, acção com processo ordinário, em que pedem: - se declare nulo e de nenhum efeito o contrato de arrendamento, celebrado por escritura pública de 7 de Janeiro de 1993, através do qual o presidente do conselho de administração da E deu de arrendamento à F, pelo prazo de 20 anos, e pela renda mensal de 300.000$00, o prédio onde estava instalado todo o complexo industrial daquela sociedade, atribuindo-lhe ainda o direito de preferência na venda do complexo; - se condenem solidariamente os réus G, I, H, J e L, em indemnização a favor da E e dos autores, a liquidar em execução de sentença; e - seja anulado e cancelado o registo do contrato de arrendamento sobre o dito prédio. Alegaram, em síntese, serem eles, autores, titulares de 57.000 acções, no valor nominal de 57.000.000$00, correspondentes a 14,25% do capital social (400.000 contos) da E, sociedade que se dedica à indústria e comércio de produtos cerâmicos, objecto que prossegue através da fábrica de que é dona. O conselho de administração da E ficou, em 11 de Maio de 1991, constituído pelos réus G, H, sua mulher, I, irmão desta, J e L, filhas dos dois primeiros, sendo o G o seu presidente. Em 16 de Dezembro de 1992 estes réus, juntamente com o marido da L, M, constituíram a F, tendo esta por sede, desde a sua criação, a própria sede da E, e por objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de produtos cerâmicos, ficando o seu conselho de administração constituído pelos réus G, como presidente, J e L, todos membros do conselho de administração da E. Em 07.01.93, o presidente do conselho de administração da E deu de arrendamento à F, representada pela J, pelo prazo de 20 anos, o prédio urbano de que a E é proprietária, sito na Malaposta e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1453, onde esta tinha instalado todo o seu complexo industrial, contrato de que resulta ficar a E em irremediável situação de falência, pois fica reduzida ao recebimento da renda, de 300.000$00/mês,, podendo, quando muito, vender as matérias primas e os produtos existentes em 31.12.92, cujo valor não ultrapassa os 200.000 contos. O aludido contrato conferiu ainda à F o direito de preferência na venda de todo o complexo. Este contrato foi pelo réu G celebrado com nítido abuso de direito e carência de poder, sendo um contrato consigo mesmo, em claro prejuízo dos autores. Os demandados contestaram. Os réus pessoas singulares fizeram-no, excepcionando a ilegitimidade dos autores, no que concerne ao pedido de indemnização por eles formulado, e impugnando a versão factual apresentada na petição inicial, sustentando, em súmula, que foi para evitar a falência da E - que se encontrava, em consequência de diversos factores exógenos, em estado de gravíssima ruptura financeira - que se avançou, como única solução viável, com a associação dela à F, nos termos do acordo entre ambas ajustado, na sequência do qual a E deixou de ter prejuízos e passou a gerar lucros de mais de 40.000 contos por ano, diminuindo gradualmente o seu passivo junto de bancos, fornecedores e locadoras. O contrato de arrendamento celebrado - tal como o contrato de aluguer também celebrado entre as duas sociedades, respeitante aos móveis, maquinismos e equipamentos da E - não é desconforme ao interesse social, pois visou apenas acautelar e preservar a estabilização financeira desta sociedade, não envolvendo a sua celebração, por isso, abuso de direito. Por seu turno a ré F - Investimentos Cerâmicos, SA, defendeu igualmente que foi para evitar a sua falência que a E encontrou como única solução viável associar-se com a contestante, tendo sido ajustado um acordo - cujos termos explicitou - que envolve prestações recíprocas proporcionadas e equitativas, por via do qual a E deixou de gerar prejuízos e passou a ter lucros anuais superiores a 40.000 contos, iniciando a caminhada para a sua estabilização financeira. Finalmente, a ré E - Cerâmica Técnica, SA apresentou a mais alargada defesa, impugnando os factos alegados pelos autores, e alegando que o poder de dar ou tomar de arrendamento ou de aluguer pertence, por via do que estabelece o pacto social da demandada, ao seu conselho de administração, sendo, por isso, despropositado falar de carência de poder. Também não se configura a alegada situação de negócio consigo mesmo, nem o invocado abuso de direito, relativamente ao qual a ré faz uma extensa alegação que retoma a explicação já avançada nas contestações dos seus co-réus. Os autores replicaram, em articulados distintos, respeitante cada um a cada uma das contestações, afirmando a sua legitimidade e reafirmando o já alegado na petição inicial. E os réus treplicaram, salientando, com interesse, a inadmissibilidade total ou parcial das réplicas apresentadas. Julgada, no despacho saneador, improcedente a excepção de ilegitimidade dos autores, e elaborados a especificação e o questionário, seguiu o processo a sua subsequente tramitação, vindo a efectuar-se a audiência de julgamento e a ser proferida sentença, na qual o Ex.mo Juiz julgou a acção parcialmente procedente, declarando nulo o contrato celebrado entre as rés E e F, pelo qual a primeira deu de arrendamento à segunda o prédio urbano de que é proprietária, sito no lugar de Malaposta, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1453, e ordenando o cancelamento do respectivo registo, e absolvendo os réus do pedido de indemnização contra eles formulado pelos autores. Da sentença interpôs a ré F recurso de apelação, com o qual subiu um agravo interposto pela mesma ré. A Relação de Coimbra, em acórdão adrede proferido, negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Em novo recurso, agora de revista, para este Supremo Tribunal, a mesma ré reage contra o acórdão da Relação, tendo apresentado as suas alegações no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, e requerido a dispensa do pagamento da multa respectiva - o que lhe foi deferido. Já neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Conselheiro-relator ordenou a baixa dos autos à Relação, para cumprimento dos arts. 668º/4 e 744º/5 do CPC. Aí foi entendido, em acórdão oportunamente proferido, que o acórdão recorrido não enferma de nenhuma das nulidades invocadas pela recorrente, nas suas alegações. Retornados os autos a este Supremo Tribunal, aqui foi, pelo novo (e actual) relator, exarado despacho, no qual entendeu que as alegações apresentadas pela recorrente não continham conclusões, e formulou convite à sua apresentação, sob pena de não se conhecer do recurso. A recorrente, notificada do dito despacho, manteve-se inerte, guardando absoluto silêncio relativamente ao teor da notificação, a que não deu cumprimento. E, como consequência, o relator lavrou novo despacho, julgando findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objecto. A recorrente veio requerer, nos termos do art. 700º/3 do CPC, que sobre a matéria desse referido despacho recaísse um acórdão. E, submetido o caso à conferência, foi proferido o acórdão de fls. 1216/1217, deferindo a reclamação e determinando que se seguissem os ulteriores termos tendentes ao conhecimento do recurso, "tendo-se como conclusões da alegação da recorrente, nos moldes supra aludidos, a explanação de fls. 1173/74". Cumpre, agora, conhecer do recurso. 2. Vêm, das instâncias, provados os factos seguintes: I - A E é uma sociedade comercial com o n.º de identificação de pessoa colectiva 500 062 536, cujo capital é de 400.000.000$00, totalmente realizado; II - Nesse capital, os autores são titulares de 5.700 acções, representativas de 5.700.000$00, III - e o autor A de mais 49.400, representativas de 49.400.000$00; IV - O objecto social da E é a indústria e o comércio de produtos cerâmicos; V - Tal objecto é prosseguido através de fábrica de que é proprietária; VI - Em 11.05.91, o conselho de administração da E ficou constituído por G, presidente, I, H, J e L; VII - A ré F foi constituída em 16.12.92, por escritura outorgada por G, casado com H, segundo o regime de comunhão de bens, J, L, N e M, casado com a outorgante L; VIII - A F, que tem o NIPC 502 917 873, tem a sua sede social em Malaposta, Arcos, Anadia; IX - O objecto social da F é o fabrico, comércio, importação e exportação de produtos cerâmicos; X - O seu capital é de 5.000.000$00 e, embora integralmente subscrito, foi realizado apenas quanto a 30%, XI - e o presidente do conselho de administração ficou logo autorizado, no pacto, a movimentar o capital depositado (apenas 1.500.000$00); XII - O conselho de administração da F ficou assim constituído: - G, presidente; - J; e - L; XIII - Entre as disposições transitórias do pacto social da F há uma que reza assim: O conselho de administração fica desde já autorizado, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 19º do CSC, a celebrar contratos de arrendamento em nome da sociedade arrendatária, com vista à instalação da sua sede e estabelecimentos fabris ou comerciais, outorgando as respectivas escrituras, bem como a praticar actos necessários ao exercício do objecto social; XIV - Em 7 de Janeiro de 1993, o presidente do conselho de administração, tanto da E como da F, "na qualidade de presidente do conselho de administração e em representação" da primeira, deu de arrendamento à F "o prédio urbano de que (a E) é proprietária, sito no lugar de Malaposta, composto por um edifício destinado a indústria cerâmica, com dois pavilhões, tendo o primeiro um armazém, forno com duas linhas de fabrico, duas prensas, oficina de serralharia, gerador eléctrico, e o segundo um forno com duas linhas de fabrico, duas prensas, dois moinhos para preparação de vidros, armazém de matérias primas, dois moinhos para preparação de pastas, gerador eléctrico, lavabos, vestiários, escritórios com gabinetes de reuniões de gerência, secretaria e...

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