Acórdão nº 02P121 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARMANDO LEANDRO
Data da Resolução20 de Março de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi confirmado douto acórdão do Tribunal do Círculo Judicial de Almada que, em processo comum a correr termos na comarca de Sesimbra, condenara o arguido A, solteiro, pescador, nascido em 04/07/76 na freguesia do Campo Grande - Lisboa, filho de ... e de ..., residente em Sesimbra, actualmente em situação de prisão preventiva, na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/01. Inconformado, o arguido recorreu para o S.T.J., formulando na sua motivação as seguintes conclusões: A) Por douta decisão de fls. , confirmada pelo douto Acórdão da Relação foi o arguido A condenado Pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°. n°. 1 do DL n°. 15/93, de 22/01, na pena de quatro anos e seis meses de prisão. B) - Tal condenação teve como origem o facto do arguido no dia 12/10/2000 ter sido encontrado na posse de 0.448 gr. de estupefaciente e, em 25/10/2000, com 0.187 gr. de heroína e 0.095 gr. de cocaína. C) O arguido é consumidor há dezasseis anos e as quantidades de estupefacientes atrás referidas que detinha, não excediam a necessária para o consumo médio individual, durante um período de cinco dias (art. 40º, nº 2, nº 2, do DL 15/93), à altura. D) No entanto, o douto acórdão entendeu tratar-se de "um crime exaurido...". E) Mas mesmo que assim se entenda, o mesmo deve ser avaliado em face dos factos ocorridos, a personalidade do arguido e outros factores laterais que condicionem a ilicitude da conduta do agente, como sendo o avançado estado de fragilidade física e emocional sempre desculpável. F) Assim como a sensação de carência a que chega o toxicodependente torna-o obcecado para que por qualquer forma consiga o precioso produto. G) Assim como não foi tida em conta a conduta pretérita do arguido, sem quaisquer antecedentes criminais, trabalhava na restauração com zelo e aptidão, era honesto, trabalhador, respeitador, tem um regular comportamento institucional na prisão. H) Pelo que em face da prognose de todos estes condicionalismos e circunstâncias o enquadramento jurídico-penal dos factos, não sendo no art. 26° como traficante consumidor, seria no máximo no art. 25° como traficante de menor gravidade, com uma pena efectiva que não devia exceder os dois anos de prisão, que se considera ajustada à factualidade vertida nos autos. I) Pelo que o douto Acórdão recorrido violou por errada interpretação os artºs 21°. n°. 1, 25°. al. a) e o artº. 26°, nºs 1 e 3 do DL 15/93 de 22 de Janeiro; o nº.1 e alíneas a), b), c) e d) do nº 2 do art. 72º e art. 73 do C. Penal. Nestes termos e nos mais de direito que esse Venerando Tribunal mui doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser reformulada a douta sentença no que concerne ao enquadramento juridico-penal, por forma a adequar-se a pena à matéria de facto apurada em sede de julgamento e à personalidade do arguido, com o que se fará a costumada Justiça. Na sua douta resposta, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa defendeu a improcedência do recurso, concluindo: - É correcta e adequada, não merecendo o mínimo reparo, a qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados no Acórdão impugnado; - Quer na sua espécie, quer também na sua medida concreta, a pena aplicada - e agora confirmada - mostra-se graduada de acordo com os critérios aplicáveis maxime os arts. 40º e 71º do C. Penal; - O douto acórdão recorrido é, pois, de confirmar nos seus precisos termos. Subidos os autos ao S.T.J., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de nada obstar a que se conheça do recurso. O despacho preliminar pronunciou-se no mesmo sentido e fixou prazo para alegações escritas, requeridas, sem oposição, pelo recorrente. Apenas o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto apresentou alegações, nas quais defendeu doutamente o provimento do recurso, nos termos seguintes: "Da matéria de facto fixada pela 1ª Instância resulta que o arguido, durante um curtíssimo período de tempo (inferior a 15 dias!), vendeu a diversos indivíduos pequenas quantidades de heroína e cocaína. Em seu poder foram encontradas pelas autoridades quantidades muito reduzidas dessas substâncias (0,505 g de heroína, duma vez; 0,216 g de heroína e 0,109 g de cocaína de outra vez). Por outro lado, provou-se que o arguido na altura dos factos não trabalhava, mas que anteriormente tinha trabalhado com zelo e aptidão na restauração até dois meses antes dos factos e que era honesto trabalhador e respeitador e ainda que é de equacionar o regresso a essa actividade. Mais se provou que é toxicodependente, tendo feito diversos tratamentos, estando actualmente inserido num programa de metadona, e determinado em prosseguir o tratamento. Analisemos primeiro a questão da qualificação dos factos. Afastada fica, à partida, a possibilidade de integrar os factos no art. 26º do DL nº 15/93, já que não se provou que o arguido destinasse a totalidade (ou tão-só a maior parcela) dos lucros ao financiamento do consumo pessoal. É certo que o acórdão é omisso quanto ao destino dos produtos das vendas e parece que essa matéria era de indagação oficiosa. Em todo o caso, perante o silêncio do arguido nesta matéria, nada se oporá ao decidido. Já quanto à eventualidade de qualificação dos factos no art. 25º, é de referir que este STJ tem ultimamente vindo a adoptar uma interpretação mais lata do art. 25º do DL nº 15/93, de que são exemplo os acs. de 7.12.99 e de 15. 12.99, ambos publicados no BMJ 492, pp. 149 e 215, respectivamente, e o ac. de 30.11.00, proferido no proc. nº 2849/00, da 5ª Secção, a publicar no BMJ 501. Neste último se diz expressamente que o crime do art. 25º corresponde genericamente a uma tipologia de médios e pequenos traficantes, e de todos esses acórdãos se retira a ideia de que a moldura penal do art. 21º pressupõe uma ilicitude acentuada, e que o art. 25º funciona, pois, para situações em que, sendo embora ainda significativa a ilicitude, ela não justifique a moldura gravosa do art. 21º (4 a 12 anos de prisão). É à luz desta orientação hoje dominante no STJ que se impõe analisar os factos provados. O arguido exerceu a sua actividade de traficante durante um período curtíssimo e as quantidades vendidas, mesmo tendo conta que eram «drogas duras», não podem deixar de ser consideradas diminutas, ou mesmo ínfimas. Não refere o acórdão expressamente qual a motivação do arguido, mas não é difícil inferir, perante o quadro fáctico descrito (toxicodependência), que parte do produto das vendas se destinasse a financiar o consumo pessoal. A propósito, referir-se-á que também parece em declínio a orientação que considerava a toxicodependência uma agravante («culpa na formação da personalidade»!), desenhando-se uma tendência no sentido de que a toxicodependência, não afastando a ilicitude, deve ser valorada não só como atenuante, em termos de medida concreta da pena, mas também em sede de ilicitude, face aos efeitos danosos que provoca na capacidade de o...

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