Acórdão nº 02P2709 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 03 de Outubro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", devidamente identificado, foi julgado pelo tribunal colectivo de Rio Maior, acusado de ter praticado ao factos constantes da acusação pública e com base em tais factos o Ministério Público imputa-lhe a prática dos seguintes crimes: · Na pessoa da esposa B, um crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152.º, n. ºs 1 e 2, do Código Penal. · Na pessoa da sua filha C, um crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152.º, n. º 1, alínea a), do Código Penal; · Na pessoa do seu filho D e na forma tentada, um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas a), d), g), h), i), todos do Código Penal. D deduziu pedido de indemnização cível contra o referido arguido pedindo a condenação dele a pagar-lhe a quantia de 1.671 Euros a título de indemnização pelos vencimentos por ele não recebidos até finais de Janeiro de 2002 mais trezentos e setenta e dois Euros e cinquenta cêntimos e ainda um valor que se liquidará em execução de sentença, quando requerente estiver curado, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência dos factos supra descritos. Também o Hospital Distrital de Santarém deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido pedindo a condenação deste a pagar-lhe o valor de 2.970,60 Euros, acrescida de juros calculados à taxa legal de 7% ao ano desde a notificação até efectivo e integral pagamento. Efectuado o julgamento foi proferida decisão em que, além do mais, foi decidido: 1. Julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente, condenar o arguido A como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 72º, 73º, 131º, 132º, n. º 1 e n. º 2, alínea g), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Julgar a acusação improcedente por não provada e, consequentemente, absolvê-lo da prática de um crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. 3. Julgar a acusação improcedente por não provada e, consequentemente, absolvê-lo da prática de um crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º, n. º 1, alínea a) do Código Penal. 4. Julgar procedente o pedido de indemnização cível e, consequentemente, condenar o demandado a pagar ao demandante a quantia de 2.033,50 (dois mil e trinta e três Euros e cinquenta cêntimos) a título de danos patrimoniais; 5. Julgar procedente o pedido de indemnização cível e, consequentemente, condená-lo a pagar ao demandante a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença com referência aos danos patrimoniais sofridos pelo demandante desde Janeiro de 2002 e até à data da sua cura. 6. Julgar procedente por provado o pedido de indemnização cível formulado pelo Hospital Distrital de Santarém e, consequentemente, condenar o demandado a pagar a quantia de 2.970,60 (dois mil novecentos e setenta Euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 7% desde a data da sua notificação e até integral pagamento. Inconformado, recorreu o arguido a este Supremo Tribunal, culminando a sua motivação com este teor conclusivo: 1.° - O uso de uma espingarda de caça de 12 milímetros na prática de um homicídio doloso não deve por si só ser considerado como sendo " um meio particularmente perigoso" na previsão da alínea g) do n.° 2 do art.º 132.° do C. Penal, por não revelar uma perigosidade muito superior á dos meios normalmente usados para matar. 2.°- Não se encontrando provada a agravante prevista na alínea g) no n.° 2 do art.º 132° do C. Penal, mas entendendo-se que a actuação global do arguido é reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, deverá o arguido ser absolvido da previsão normativa da alínea g) do n.° 2 do art.º 132.°, só devendo ser condenado pela previsão normativa do n.° 1 do art.º 132° do C. Penal, se se verificarem as circunstâncias qualificadoras na acção típica, pelo que foi violado o disposto no n° 1 do art.º 132.° e o disposto na alínea g) do n° 2 do art.º 132° do C. Penal. 3 ° - O Recurso à figura do Homicídio Qualificado Atípico, na forma tentada, deve fazer-se só quando por parte da actuação do agente exista um grau especialmente elevado de Ilicitude ou de Culpa. 4 ° - Em face da matéria de facto dada como provada não existe um grau elevado de Ilicitude ou de Culpa, pelo que a douta Sentença sob Recurso violou o disposto no n.° 1 do art.º 132.° do C. Penal. 5° - Atentos os factos da personalidade do arguido e os seus antecedentes criminais dados como provados, e caso o mesmo fosse condenado pela prática de Homicídio Qualificado, p.p. pelo art.º 132.° n° 1 do C.Penal, na sua forma tentada, a Pena que lhe foi aplicada ultrapassa a medida da sua Culpa, pelo que a mesma deveria ter sido inferior a 3 anos de prisão, pelo que foi violado o disposto nos arts. 23.°, 72.° e 73.° do C. Penal. 6° - O arguido em face da matéria de facto dada como provada deveria ter sido condenado pela Tentativa de um Crime de Homicídio Privilegiado, p.p. pelo art.º 133° do C.Penal, e não num crime de Homicídio Qualificado, p.p. pelo alínea g) do n.° 2 do art.º 132° do C.Penal na sua forma tentada. 7° - Devendo a Pena a aplicar ao arguido ser inferior a 3 anos de prisão, e atendendo à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime é às circunstâncias deste, deveria concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada as finalidades da punição, pelo que deveria a Pena ter sido Suspensa, pelo que ao não suspender-se a Pena foi violado o disposto no n° 1 do art.º 50° do C. Penal. Pelo exposto deverão V.Ex.as revogar a douta Sentença recorrida, e substituí-la por outra que absolva o arguido do crime de Homicídio Qualificado na forma tentada em que foi condenado, com a agravante da alínea g) do n° 2 do artigo 132° do C.P., e simplesmente condenado pela Tentativa de um Crime de Homicídio Privilegiado, p e p. pelos arts. 22°, 23°, 72° e 133° do C.P., numa pena de prisão não superior a 3 anos, a qual atentas a personalidade do arguido deverá ser suspensa por tempo não superior a 3 anos, ou quando assim V.Ex.as, não entendam deve a mesma ser substituída por outra que atentas a personalidade do arguido, o seu bom comportamento e a ausência de antecedentes criminais, não o condene em Pena de Prisão superior a 3 anos, a qual deverá ser Suspensa por tempo não superior a 3 anos, pelo que farão, V.Ex.as, Venerandos Juízes, Justiça. Ao que respondeu em suma o MP junto do tribunal a quo defendendo o julgado. 1. -A qualificação jurídico-penal da matéria de facto dada como provada mostra-se correcta, 2. Uma vez que a conduta do ora recorrente revela uma especial censurabilidade na respectiva actuação, ao disparar por duas vezes em direcção a seu filho uma arma de grande poder de fogo, sempre visando zonas vitais e encontrando-se a curta distância da vítima, tendo ainda escolhido um local de fraca visibilidade onde não podia ser avistado e de onde era difícil o ofendido evitar tal conduta ou a ela reagir. 3. A isto acresce que o meio escolhido pelo recorrente ( que agiu com o intuito de tirar a vida a seu filho D, não tendo logrado fazê-lo apenas por motivos alheios à sua vontade) mormente o instrumento utilizado) apresenta elevada perigosidade pelos resultados possíveis da sua utilização., 4. Por outro lado e ao invés do pretendido pelo recorrente não resulta da matéria de facto que o mesmo tenha agido motivado por uma forte e compreensível emoção, 5. Cuja verificação é indispensável para o preenchimento do tipo legal do crime de homicídio privilegiado - art.º 133° do Código Penal - o qual assenta numa exigibilidade diminuída de uma conduta em conformidade com o direito, em resultado dessa mesma emoção . 6. A qual deve aliás perdurar no decurso da conduta do agente. 7. Tais pressupostos unanimemente exigidos para O preenchimento do tipo legal do crime p.p. pelo artigo 133° do Código Penal não se verificam in casu. 8. Pelo que bem andou o tribunal colectivo ao proceder à qualificação da matéria de facto como integrando um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelas disposições conjugadas do artigos 131°, 132° n.º 1 e 2 al. g), 22°, 23°, 72° e 73°, todos do Código Penal. 9. - Além disso também a medida da pena imposta ao recorrente de mostra bem doseada, em conformidade com os ditames estabelecidos pelo art.º 71 ° do Código Penal . 10.- Atenta a medida concreta da pena aplicada nunca a mesma poderia ser suspensa na respectiva execução - vide artigo 50.º n.º 1 do C. Penal 11. E mesmo que a pena fixada o fosse em medida não superior a três anos - o que se entende como manifestamente escasso - nunca a simples ameaça da prisão seria suficiente, em face das circunstâncias concretas em que foi cometido o ilícito. 12. O douto acórdão recorrido não viola pois qualquer normativo legal que ao mesmo seja aplicável. 13. Pelo que deve der integralmente mantido, negando-se provimento ao recurso. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto não viu óbice a que os autos seguissem para julgamento. As questões a decidir centram-se, como se vê do transcrito acervo conclusivo, na qualificação jurídica dos factos - homicídio qualificado, como foi entendido no acórdão recorrido e quer o MP ou privilegiado como defende o recorrente - e na medida concreta da pena com eventual reflexo na própria espécie de pena aplicada que o recorrente entende dever ser a pena suspensa. 2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir. Vejamos antes de mais os factos provados: 1. O arguido é casado com a ofendida B desde do dia 28 de Setembro de 1975; 2. Deste casamento nasceram dois filhos, os ofendidos C , nascida em 5.11.1985 e D nascido em 3.7.1976; 3. O arguido A esteve como responsável pelo café/restaurante "O ..." até há cerca de sete anos; 4. Durante o período da sua gestão do...
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