Acórdão nº 02P3212 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBORGES DE PINHO
Data da Resolução27 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:I1 . No processo comum colectivo nº 2/02 da 2ª Vara Mista de Guimarães, foram julgados e condenados os arguidos referidos, e melhor identificados nos autos: a. A, na pena de 10 anos de prisão pela prática de um crime p. p. pelo art. 21, nº 1, do D.L. 15/93, de 22/1, e na de 100 dias de multa, à taxa diária de 2.000$00, pela prática de um crime p. p. pelo art. 1º, b) e 6º da Lei 22/97; b. B, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão pela prática, na forma tentada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelos arts. 21, do D.L. 15/93, de 22/1, e 22, nº 1, 22, nºs 1 e 2-b), 26, 29 e 73 do CP, e na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 2.000$00, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. p. pelos arts. 1-b) e 6 da Lei 22/97. c. C, como cúmplice do crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 21, nº 1, D.L. 15/93, e 22, nº 1, 22 nºs 1 e 2-b) e 73 do C. Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 4 anos. 2. Não concordando com a decisão, dela interpuseram recurso para o Tribunal da Relação os arguidos D e B, que, por acórdão de 10.7.2002, constante de fls. 2234 a 2285, decidiu: a. rejeitar o recurso interposto pelo arguido A, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 414, nº 2, 420, nº 1, do CPP; b. julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B, condenando-o na pena de 4 anos de prisão pela prática do já referido crime de tráfico de estupefacientes na forma tentada. c. manter, no mais, a decisão recorrida. 3. De novo inconformados com a decisão, interpuseram os referidos arguidos recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, e nos termos seguintes: A - A, apresentou as motivações que se alongam de fls. 2292 a 2325, concluindo: 1. Do erro na interpretação e aplicação do Direito do Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso apresentado pelo arguido A da decisão proferida pelo Tribunal a quo, por considerar que o mesmo é extemporâneo. 2. Decide o Tribunal ad quem neste sentido, por entender que são improrrogáveis os prazos em processo penal, determinando, assim, a revogação da concessão da prorrogação de 10 dias ao prazo de apresentação da motivação de recurso, por impossibilidade de aplicação subsidiária do art. 698º, do C. P. Civil, ex vi do art. 4º do C. P. Penal. 3. Apesar da intenção de celeridade e eficácia processual das duas mais recentes alterações legislativas do C. P. Penal (DL 317/95 de 28.11 e L. 59/98 de 25.08), que não consagram a prorrogação do prazo de recurso, jamais esta poderá colocar em crise os meios de defesa do arguido constitucionalmente garantidos, como o de recorrer de todas as decisões que lhe sejam desfavoráveis. 4. É evidente que por mais exaustiva que seja a regulamentação penal essa não pode nunca considerar-se completa, necessariamente fechada a qualquer hipótese de integração, como resulta desde logo da imprescindível previsão do art. 4º do C. P. Penal. 5. Assim, dúvidas não restam que a eficácia e a celeridade como elementos inovadores reclamam os interesses do próprio arguido, sendo aliás, totalmente compatíveis com as garantias de defesa consagradas constitucionalmente, nos termos do art. 32º nºs 1 e 2. 6. O recorrente para garantia do seu direito ao recurso da matéria de facto quis, com certeza absoluta, que lhe fosse garantido e reconhecido o direito a um prazo mais alongado para a elaboração do recurso, com vista a efectuar as transcrições a que está obrigado, sob pena de rejeição, pela aplicação subsidiária do artº 698, nº 6 do C. P. Civil. 7. Assim requereu a prorrogação ao Mmº Juiz de Direito - (autoridade judiciária que dirigia essa fase do processo - artº 107º, nº 2 do C. P. Penal). 8. A Mmª Juiz deferiu tal pretensão aplicando o artº 698º, nº 6 do C. P. Civil, ex vi 4º C. P. Penal, prorrogando por 10 dias o prazo para interposição do recurso. 9. Confiando o arguido no despacho proferido por quem se considera guardião da legalidade e com poderes estadualmente reconhecidos, no dia 1 de Abril de 2002, o recorrente deu entrada do recurso no Tribunal Judicial de Guimarães, dentro do prazo que acreditava ser legítimo porque concedido por um Juiz de Direito. 10. A decisão de rejeitar o recurso por extemporâneo surge a final, no momento de proferir o Acórdão e não antes. Não foi levantada a questão pelo Ministério Público, nem no exame preliminar. 11. Não pode, pois, o arguido conformar-se com tal decisão que tão eficaz e frontalmente viola os seus direitos fundamentais. 12. Parece, pois, evidente que a segurança jurídica e as garantias de defesa do arguido são inelutavelmente postas em causa com a decisão de rejeição do recurso. 13. Aliás, muitos despachos de diferentes Tribunais são no sentido da aplicação subsidiária do artº 698º, nº 6 do C. P. Civil ao Processo Penal, "Assim, se o recurso a apresentar tiver por objecto a reapreciação da prova gravada o prazo estabelecido no artº 411º, nº 5 será acrescido de 10 dias." 14. Pelo exposto, entende o recorrente que bem andou a Mmª Juiz do Tribunal de 1ª instância ao deferir a prorrogação do prazo de interposição de recurso pela aplicação subsidiária do art. 698º, nº 6 do C. P. Civil, ao C. P. Penal, não podendo, agora, ser o recorrente impedido, coarctado, cerceado no seu direito de recorrer e de lhe ser apreciado o recurso. II - VIOLAÇÃO DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS 15. Como observa Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", 3ª edição, pág. 87: "Desta necessária consonância resulta também necessária que a regulamentação processual não pode nunca eliminar o núcleo essencial de tais direito". 16. São muitas as normas da Constituição que respeitam, directa ou indirectamente, ao processo penal, contudo, é no art. 32º que se condensam os mais importantes princípios materiais, considerados a "Magna Carta" do Processo Penal. 17. O art. 32º, nº ,, consagra que: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". 18. Como referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 5ª Edição, anotações ao art. 32º da C.R.P.. "A fórmula deste nº 1 é, sobretudo uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. 19. Ora, contrariando a tese dos que defendem a improrrogabilidade dos prazos em processo penal, sem prejuízo das garantias de defesa do arguido, plasmadas no nº 1 do art. 32º do diploma fundamental, bastará referir o nº 2 deste mesmo preceito legal, onde se estabelece: "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto espaço de tempo compatível com as garantias de defesa". 20. Como ressalva com particular acuidade o Prof. Gomes Canotilho, na obra supra citada "Note-se, porém, que a aceleração do processo tem que ser compatível com as garantias de defesa do arguido, o que implica a proibição do sacrifício dos direitos inerentes ao estatuto processual do arguido a pretexto da necessidade de uma justiça célere e eficaz. 21. "É de julgar inconstitucional, por violação do artº 32º, nº 1 da Constituição, os artigos 107º, nº 2 do C. P. Penal e 146º, nº 1 do C. P. C. (quando aplicado subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas do julgamento (quando tenha sido requerida a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos do artº 364º, nº 1 do C. P. Penal), por as mesma não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal. Entendemos que esta interpretação é aplicável ao recurso interposto nos termos do artº 363º do C.P.P." 22. Ainda neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão 61/88 (Acs. do TC 11º Vol. Pág. 621: "Esta cláusula constitucional (art. 32º) apresenta-se com um cunho "reassuntivo" e "residual" - relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do mesmo artigo - e, na sua abertura, acaba por revestir-se, também ela, de um carácter acentuadamente "programático". Mas, na medida em que se proclama aí o próprio princípio da defesa, e portanto indubitavelmente se apela para um núcleo essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter "um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária". 23. A Rejeição do recurso do arguido A é efectivamente inconstitucional, designadamente por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, porquanto traduz uma "diminuição inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável" (para usarmos as palavras do Acórdão nº 61/88), das garantias de defesa do arguido, dado que para essa diminuição não se encontra uma justificação racional suficiente em função de outros interesses constitucionalmente garantidos. 24. Em suma, quanto à aplicação subsidiária e analógica do processo civil cabe aflorar que: Se no C.P.Penal não se encontra disposição aplicável por analogia (porque não há caso análogo regulado no C. P. Penal) então tem de se proceder à aplicação das normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal. 25. A lei processual penal prevê no seu art. 412º, o ónus de proceder à transcrição e consequente junção ao recurso, ao arguido que impugne a decisão sobre a matéria de facto, no prazo e 15 dias. 26. O Processo Penal não contempla, nem acautela qualquer...

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