Acórdão nº 02P4098 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução23 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Pelo colectivo do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Portimão foi julgado o arguido ALGC, devidamente identificado, tendo afinal sido decidido, além do mais: Condenar o arguido, pela prática de um crime de dano qualificado com violência, p. e p. pelos art.ºs 212º, n.º 1, 213º, n.º 1, al. a) e 214º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão. Suspender a execução da referida pena pelo período 3 anos, com a condição de pagar ao lesado SBG a quantia de € 1.500, no prazo máximo de seis meses. Inconformados, recorrem ao Supremo Tribunal, o MP e o arguido - este, solicitando, sem oposição, que «havendo lugar (?) a alegações, sejam as mesmas produzidas por escrito», delimitando respectivamente os seus recursos com este rol conclusivo: A - o MP 1.ª - O arguido ALGC julgado pelo Tribunal Colectivo e condenado como autor material de um crime de dano qualificado com violência previsto e punível pelos artigos 212.º n.º 1, 213,º n.º 1, al. a) e 214.º n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, que lhe foi declarada suspensa pelo período de 3 anos; 2.ª - Em face da matéria de facto provada e, relevantemente, na parte atinente à culpa do arguido, verificam-se como circunstâncias que depõem contra o arguido o elevado grau de ilicitude do facto, o dolo directo e intenso, a conduta do arguido posterior ao facto, que se pautou por uma total indiferença, nada fazendo no sentido de reparar os danos que causou, e os seus antecedentes criminais, já com 4 condenações anteriores; 3.ª - E como circunstâncias que depõem a favor do arguido temos apenas o ter assumido a prática dos factos, mas sem demonstração de autocrítica ou arrependimento, o seu enquadramento familiar, tendo dois filhos menores, e o facto de trabalhar, embora não de forma certa; 4.ª - Devidamente ponderadas todas essas circunstâncias, em face da nítida e substancial prevalência das que depõem contra o arguido em confronto com as que a favor dele concorrem, e em conformidade com o critério legal estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, mostra-se adequada afixação da pena concreta em 5 anos de prisão. 5.ª - Mas admitindo, apenas por hipótese e sem conceder, que seja mantida a pena de 3 anos de prisão que foi aplicada ao arguido, nunca poderá beneficiar da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 50.º do Código Penal, por não se verificarem os necessários pressupostos; 6.ª - Com efeito, em face da matéria de facto provada, não é possível fazer-se um juízo de prognose social favorável ao arguido, por não existir fundada expectativa de que ele sentisse a condenação como advertência bastante para não voltar a delinquir, e passasse a pautar-se na vida futura em conformidade com alei; 7.ª - Ao fixar a medida concreta da pena como o fez, o Tribunal Colectivo violou o artigo 71.º n.º 1 do Código Penal, pois interpretou esta norma no sentido de que, em face dos factos atinentes à culpa do arguido, poderia fixar essa pena no mínimo da moldura penal abstracta de 3 a 15 anos de prisão, enquanto deveria interpretá-la no sentido de que só uma pena de 5 anos de prisão se mostra ajustada ao caso; 8.ª - E ao suspender a execução dessa pena o Tribunal Colectivo violou o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, pois interpretou esta norma no sentido de que no caso dos autos podia dar como verificados os pressupostos que nela se exigem para a suspensão da pena, enquanto que tais pressupostos manifestamente não se verificam. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser-lhe concedido provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido na parte em que fixou a pena concreta aplicada ao arguido e a declarou suspensa, fixando-se agora essa pena em 5 anos de prisão. B- O arguido 1.°- O Colectivo de Juízes que compuseram o 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, condenou o arguido ALGC, pela prática um crime de dano qualificado com violência, p. e p. pelos artigos 212°, n.º 1,213°, n.o 1, al. a) e 214°, n.º 1, al. b), todos do Código; 2.°- Pela prática de tal crime aplicou ao arguido, conforme melhor consta do, aliás douto, acórdão recorrido, condenaram o mesmo arguido numa pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição do arguido pagar ao lesado SBG a quantia de 1.500,00 (mil e quinhentos Euros), no prazo máximo de seis; 3.°- Entenderam os M.mos Juízes que compuseram o Tribunal "a quo" que a conduta praticada pelo arguido deveria ser punida no âmbito das citadas disposições legais, pese embora o valor do dano produzido pelo mesmo tenha sido consideravelmente inferior ao conceito de valor elevado, previsto no artigo 202, al. a) do Código Penal; 4.°- É que, tal como foi dado como provado no, aliás douto, acórdão recorrido, o valor dos danos produzidos pelo arguido ascenderam a cerca de 2.344,35 (dois mil trezentos e quarenta e quatro Euros e trinta e cinco cêntimos), ou seja, em Esc. 470.000$00 (quatrocentos e setenta mil escudos) - cfr. fls. 33 dos presentes autos; 5.°- Deveria o Tribunal "a quo", de acordo com o alegado pelo arguido na sua contestação, ter efectuado uma interpretação restritiva do citado artigo 231°, n.º 1, al. a) do Código Penal, 6.°- E que, como bem considerou o Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, em sede comentário ao artigo 213° do Código Penal, in "Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial", Tomo II, Coimbra, 2001, págs. 243 e seguintes, deve efectuar-se uma interpretação restritiva e correctiva da norma legal em questão, uma vez que ". ..nem todas as condutas em abstracto subsumíveis no teor literal do preceito suportam o juízo de ilicitude qualificada subjacente à incriminação, nem merecem, por isso, as reacções particularmente drásticas que ela comina( ...) "; 7.°- No caso em apreço, tendo em conta o disposto no artigo 204°, n.º 4 do mesmo código, aplicável ao crime ora em análise, ex vi do disposto no n.º 3 do mesmo preceito, deveria ter-se efectuado tal interpretação restritiva, pois de outra forma estaremos a dar um tratamento penal "distorcido" aos crimes de dano qualificado como o que foi objecto dos presentes autos: o valor dos danos não atinge o valor elevado, de acordo com o artigo 202°, al. a), mas o crime é punido como se o valor do dano fosse superior a tal montante; 8.°- E não se diga, tal como o faz o douto acórdão recorrido, que aquilo que está aqui em causa, no tipo de ilícito em análise, é o valor da coisa danificada e não o valor dos danos causados. 9.°- É que tal interpretação que, salvo o devido respeito, não podemos subscrever, tem apenas em conta o elemento literal da norma em questão, esquecendo de forma evidente toda a coerência intrínseca da norma em questão e, sobretudo, de todas as normas que tutelam o património no nosso Código Penal. 10.°- Tal entendimento, para além de não respeitar o disposto no artigo 9°, n.o 1 do Código Civil, iria acarretar uma evidente contradição na aplicação das normas penais incluídas no Título II do Código Penal; 11.º- Andou mal o Tribunal "a quo", pois deveria ter efectuado tal interpretação restritiva do artigo 213°, n.º 1, al. a) do Código Penal, punindo o arguido no âmbito do art. 212° do mesmo diploma legal; 12.°- Ao decidir desta forma, violou o Tribunal "a quo" o disposto nos artigos 204°, n.ºs 3 e 4 e 213°, n.º 1, al. a), todos do Código; 13°- Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica de admite, não deveria o arguido ter sido condenado pela prática do criem previsto no artigo 214°, n.º 1, al. b) do C. P. 14.°- Para que se ache preenchido o tipo de ilícito do citado artigo, a violência deve ser exercida directamente contra as pessoas, a menos que a violência exercida directamente contra as coisas atinja indirectamente as pessoas. 15.°- No caso sub judice, no que diz respeito à pessoa dos ofendidos, não se poderá falar na prática de um crime de dano com violência, uma vez que os mesmos não foram atingidos por qualquer violência, directa ou indirecta; 16°- Deveria o Tribunal " a quo" ter entendido que o arguido não praticou tal crime; 17.°- É que se a norma legal em apreço pretendesse proteger a tranquilidade das pessoas, far-se-ia referência a tal bem jurídico na previsão da mesma. 18.°- Ao usar-se a expressão "(...) violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física (...)", entendemos que o bem jurídico que em concreto se quis proteger foi exactamente a integridade física da vítima, ressalvando-se, porém, a situação de ela não ser atingida mas produzir-se uma ameaça iminente contra a mesma; 19.°- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal "a quo" o artigo 214°, n.º 1, al. c) do Código Penal. Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Ex.as. doutamente suprirão, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que efectue uma interpretação restritiva do artigo 213° do Código Penal, condenando apenas o arguido pela prática de um crime de dano simples e que absolva o mesmo arguido da prática do crime p. e p. pelo artigo 214°, nº. 1, al. c) do C. P. Decidindo desta forma Venerandos Conselheiros, V. Ex.as. farão a tão esperada e devida Justiça! Respondeu o MP ao recurso do arguido, sustentando em suma 1.ª - O arguido ALGC julgado pelo Tribunal Colectivo e condenado como autor material de um crime de dano qualificado com violência previsto e punível pelos artigos 212.º n.º 1, 213.º, n.º 1, al. a) e 214.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, que lhe foi declarada suspensa pelo período de 3 anos; 2.ª - O arguido embateu propositadamente com o seu veículo na roulote de "comes e bebes" pertencente ao ofendido SB, causando danos na própria roulote e nos objectos que continha, no valor de 2,350; 3.ª - Uma vez que a referida roulote, incluindo o equipamento que a compõe e o alvará necessário ao seu funcionamento, tem o valor de 51.000 (valor elevado, nos termos do artigo 202.º, al. a) do Código Penal) , a...

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