Acórdão nº 02P4406 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLEAL-HENRIQUES
Data da Resolução06 de Março de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINALDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REC.te: "A" - REC.do: M.º P.º e B 1. Na 2ª Vara Mista de V. N. de Gaia respondeu o arguido A, melhor id. nos autos, vindo a ser condenado na pena de 17 anos e 6 meses de prisão e na indemnização de 27.500,00 euros ao ofendido B, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. g), do C. Penal. Em desacordo com o decidido, dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a respectiva motivação: - «O douto acórdão, com todo o respeito, incorreu no "erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso" (nas palavras avisadas do Prof. Figueiredo Dias) pois não pode considerar-se um pequeno ferro da construção civil como meio particularmente perigoso. - Um ferro encontrado no chão, tipo "verguinha", com aproximadamente 50 cm de comprimento, habitualmente utilizado na construção civil, não revela uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para matar (primeiro requisito para preencher a al. g) do n.º 2 do art. 132º). - Da utilização desse ferro não resulta uma especial censurabilidade ou perversidade do agente (segundo requisito cumulativo). - Os exemplos-padrão constantes do n.º 2 do art. 132º do C.P. exigem ainda o preenchimento efectivo da regra do n.º 1 do mesmo artigo, "especial censurabilidade ou perversidade". - Acresce que o arguido não era acusado na pronúncia de ter utilizado um meio particularmente perigoso, pelo que não podia ter sido condenado por facto que não constava da acusação. - Estamos perante o típico crime passional enquadrável no art. 133º como homicídio privilegiado. - É compreensível que um apaixonado, com debilidade mental e pouca escolaridade, se deixe emocionar com violência e entre em desespero quando a mulher objecto da sua paixão, com quem partilhava o projecto de vida em comum (sem drogas e moralmente irrepreensível), depois de um acto sexual de amor, lhe diz que vai continuar a drogar-se e a prostituir-se e se envolve em confronto físico, insultando-o e empurrando-o para um silvado. - O comportamento posterior do arguido (ficar junto ao cadáver cerca de 1 hora e só depois se aperceber que está morta e a tentativa de suicídio do alto de um poste de alta tensão) revelam o estado de grande emotividade e desespero que lhe diminui sensivelmente a culpa. - As atenuantes apuradas em favor do arguido e a sua debilidade mental justificam que a pena seja consideravelmente reduzida. - Alguns dos factos dados como provados são conclusivos e opinativos extravazando a qualificação de factos. - A indemnização cível fixada é excessiva face à pouca capacidade económica e a baixa condição social do arguido, da vítima e do demandante. - Foram violadas as seguintes normas jurídicas: arts. 133º, 72º e 73º do C. Penal». Respondeu o M.º P.º na comarca a pronunciar-se sobre a improcedência do recurso, primeiro, porque os dados factuais tidos como provados mostram que «o recorrente utilizou um ferro, tipo "verguinha", com o comprimento de aproximadamente 50 cm, espetando-o mais de uma dezena de vezes no corpo da vítima, designadamente na região do tórax - zona vital por excelência -, sendo da experiência comum o conhecimento da particular aptidão letal de um instrumento com tais características aplicada nessa região por várias vezes, desde logo pela sua adequação à comissão de golpes profundos, atingindo órgãos vitais com rapidez e facilidade», não havendo assim dúvidas de que foi utilizado um meio particularmente perigoso; segundo, porque «o número de vezes que o arguido espetou o ferro no corpo da vítima, aliado à patente inferioridade física da mesma, revelou um particular desprezo pela sua vida, ou seja, uma atitude interna do arguido particularmente censurável face à violação do bem jurídico, a vida, protegido pela ordem jurídica», o que torna a sua conduta especialmente censurável; terceiro, porque, embora se não duvidando de que «o recorrente actuou em estado emocional ..., não se pode de todo surpreender, no conjunto dos factos que culminaram na sua actuação visando tirar a vida à ofendida, um juízo de culpa cuja menor intensidade leve à aplicação da norma do homicídio privilegiado»; e finalmente, porque atento todo o circunstancialismo atenuativo e agravativo provado, «compaginado com o grau de culpa do recorrente», há que considerar correcta e «perfeitamente adequada a pena concreta cominada». Houve alegações escritas, consoante texto de fls. 358 a 368, onde se insiste pela tese sugerida pela motivação. Neste Supremo Tribunal o M.º P.º considerou correcta a qualificação jurídica dos factos apurados pela 1ª instância, mas entendeu que, dada a debilidade mental do arguido, a censura deve ser reduzida ao mínimo da moldura estabelecida no art. 132º do Código Penal. Colhidos os vistos legais, teve lugar a Conferência, havendo agora que proferir decisão. 2. Deram-se como provados os seguintes factos: - «Entre Março e Junho de 2001 o arguido manteve uma relação amorosa com C, toxicodependente e prostituta. - No dia 30 de Setembro de 2001, por volta das 24 horas, o arguido veio a encontrar-se com a C junto à casa onde esta morava, sita na Rua ..., S. Félix da Marinha, nesta comarca, tendo ali se deslocado no seu veículo ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Golf, azul-escuro, matrícula IF. - Após ter estado na rua com ela à conversa durante algum tempo, o arguido prontificou-se a levá-la ao Bairro de S. João de Deus, no Porto, dado a C pretender comprar estupefacientes para seu consumo, tendo ambos dali saído no Golf conduzido pelo arguido em direcção àquele bairro. - No decurso da viagem e ainda a curta distância do local da partida, o arguido fez um desvio para a Carreira da Corga, no lugar de Vilares, Arcozelo, nesta comarca, constituído por um troço de estrada de terra batida, rodeado por mato e silvas e, dentro do carro, após uma ligeira discussão relacionada com a vontade da C em ir de imediato para o Porto comprar droga, manteve com esta cópula completa. - Após o acto sexual, e depois de a C ter abandonado o Golf, ambos continuaram a discutir no exterior deste, pois esta insistia com o arguido para que a levasse ao Porto a fim de comprar droga. - Na sequência dessa discussão os dois iniciaram um confronto físico, tendo o arguido caído sobre umas silvas que o arranharam nas pernas e braços. - Durante o confronto, o arguido muniu-se de um ferro que encontrou no chão, tipo "verguinha", com aproximadamente 50 centímetros de comprimento, habitualmente utilizado na construção civil, e espetou-o, pelo menos, por dezasseis vezes no tórax e membros superiores da C. - Como consequência directa e necessária sofreu a ofendida C lesões traumáticas torácicas, nomeadamente, orifício arredondado de bordos...

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