Acórdão nº 02P4625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Assistente/recorrente: A Arguida/recorrida: B 1. O DESPACHO DE ARQUIVAMENTO 1.1. Em 7 Mai 97, o Lic. A participou criminalmente da Lic. B, por «denúncia caluniosa p. p. art. 365.1 e 3.a do CP/95, e ainda pelo crime p. p. art. 369.1 e 2 do mesmo diploma». E isso porque, segundo o participante, a participada, enquanto procuradora adjunta do MP da comarca de Benavente, lavrara em 27Out95 despacho, no inquérito 381/93.0TABNV de Benavente, do seguinte teor: «Porque nestes autos se fazem referências à atenção especial dada pelo magistrado titular do mesmo, hoje procurador da República em Évora, Dr. A, sendo que a queixa que lhe deu origem, tal qual foi formulada, apenas traduzia a violação de contrato promessa de compra e venda de imóveis, extraia certidão de fls. (...) e remeta-a com fotocópia deste despacho ao Ex.mo Procurador-Geral Adjunto de Lisboa (...), para averiguar da prática eventual de crime de promoção dolosa p. p. art. 417.º do CP (art. 265.1 do CPP)» 1.2. Aliás, a participada já em 13Fev95 entendera que «os factos participados (1) apenas traduzem a violação de um contrato promessa de compra e venda de imóveis, sancionada, por parte do promitente vendedor, pela restituição em dobro do sinal entretanto pago», sendo, por isso, «excessivo e inadequado o procedimento criminal a que a queixa dera origem»(2) . 1.3. A arguida, no seu interrogatório de 19Jun98, alegou - quando à sua «denúncia» - que a fez «no estrito cumprimento daquilo que a lei processual penal lhe manda observar, quando e sempre que por força das suas funções haja suspeitas da prática por alguém de factos ilícitos». Aliás, «o inquérito da qual foi extraída a certidão foi objecto de acusação pública (...) contra os que naquele inquérito eram queixosos, imputando-lhe a prática de crimes de denúncia (caluniosa), tentativa de extorsão e burla agravada»(3). 2. A DECISÃO INSTRUTÓRIA 2.1. O inquérito veio a ser encerrado, por arquivamento, em 14 Jul 98 (4), mas o denunciante/assistente, em 30 Set 98, requereu a abertura de instrução: O Magistrado do Ministério Público junto da Relação de Lisboa, reconhece que "a suspeita de burla, em abstracto, é uma hipótese admissível, consentida pela leitura da queixa inicial", nos termos ali referidos. Mas esse é apenas um ângulo. Com efeito, quando o requerente foi ouvido no inquérito supra referido, como participante, teve oportunidade de demonstrar que tal queixa e documentos juntos indiciavam burla ainda nos seguintes ângulos: 1°- O denunciado E, ao lograr cancelar indevidamente os registos na Conservatória, válidos por 3 anos, ao fim de apenas 6 meses, sem dar conhecimento ao seu comprador dos imóveis, estava a enganar e a burlar tal comprador; 2° - O denunciado E, ao lograr cancelar tais registos na Conservatória, válidos por 3 anos, ao fim de apenas 6 meses, depois de feito o contrato-promessa com eficácia real a favor da queixosa D e ter declarado ter recebido todo o preço dos imóveis, de valor consideravelmente elevado, enganara a Conservatória com prejuízo para aquela queixosa, pois retirara a esta a possibilidade de efectivamente dispor de tais bens ou de dar execução real ao contrato-promessa, com o correspondente prejuízo patrimonial para esta ("Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos (enganar a Conservatória sobre a validade dos registos iniciais, que de facto eram de 3 anos e não 6 meses, tendo-os esta cancelado ilegalmente ao fim de 6 meses) que lhe causem ou causem a outra pessoa (a queixosa D) prejuízos patrimoniais (vd. supra) será punido " (art. 313° do C.Penal/82, em vigor à data dos factos, e que define crime de burla). Mas ainda se indiciava, várias vezes, outro ilícito criminal. Com efeito, cancelados tais registos nos termos expostos, o denunciado E fez registos definitivos e provisórios dos mesmos imóveis a favor de terceiro, ou seja, teve de usar documentos autênticos falsos (certidões da Conservatória com os iniciais registos cancelados ilegalmente) para poder efectuar contratos-promessa ou escrituras públicas de venda dos imóveis - registos provisórios e definitivos referidos -, ou seja, praticar os crimes p. e p. pelo art.º 228°, n° 1, c) e n° 2 do C. Penal/82 - aplicável à data - com pena de prisão de 1 a 4 anos. Ou seja: a queixa inicial e documentos juntos indiciavam burla agravada (e outros ilícitos) pelo que o despacho do Requerente foi absolutamente legal e correcto. É verdade que o Magistrado do Ministério Público junto da Relação de Lisboa afirma que "a posição assumida no despacho de 27.10.95 pela ora arguida leva a supor que o participante deveria conhecer a realidade apurada no final do inquérito, o que não está demonstrado". Mas esta suposição de que "o participante deveria conhecer a realidade apurada no final do inquérito" é urna mera constatação "lógica" a tirar da conduta da arguida pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto da Relação ou tal suposição já existia na cabeça da arguida? Se tal suposição não existia na cabeça da Arguida e se esta participou apenas porque "quis" ver na queixa inicial uma mera questão cível (o que não é verdade, como vimos, e a própria Arguida o reconhece, na parte introdutória da acusação), então há que tirar a conclusão de que a arguida, temerariamente (para ela) e visando denegrir e molestar o Requerente, optou desde logo por participar por escrito contra o Requerente, imputando-lhe a prática de crime no exercício das suas funções, e que aquela arguida, sem estudar devidamente as consequências criminais da sua própria (dela) conduta e quis, como nos parece, protagonizar um "caso" contra um Procurador. Em tal caso é inevitável concluir não haver qualquer "erro" de facto por parte da arguida, mas antes dolo intenso e má-fé declarada contra o Requerente. E se "erro" houve por parte da arguida foi um "erro" sobre a ilicitude criminal da sua (dela, Arguida) própria conduta, isto é, quis participar contra o Requerente, que este fosse perseguido criminalmente, "esquecendo-se" de que, fazendo-o desse modo, cometia o crime de denúncia caluniosa ou, julgando-se acima da lei e que tal ilícito lhe não era imputável. Mas este "erro" eventual (sobre a sua (dela) própria ilícita e criminosa conduta) não é, nem pode ser, para uma acusadora pública desculpável seja a que título for. E tal "erro", a existir e porque indesculpável, deve ser punido como doloso, nos termos do art. 17°, n° 2 do C. Penal vigente. Por outro lado, como é que tal suposição (de que o Requerente conhecia a realidade apurada no final do inquérito - o que não está demonstrado) já existia da parte da Arguida? Onde foi ela buscar elementos para tal? Sonhou? Fabricou-os nebulosamente na sua mente? Foi-lhe soprado ao ouvido? E por quem? Ou quis protagonizar parangonas de jornais para ganhar fama por ter "apanhado" um superior hierárquico? Ou quis protagonizar um processo "kafkiano"? Não se admite que um acusador público que seja competente, de boa-fé, com humildade de espírito, isenção e objectividade que caracterizam os verdadeiros Magistrados, participe por escrito e num outro processo, que, agora, até já deixou de estar em segredo de justiça, de um ex-colega que, na altura até já é seu superior hierárquico, sem fundamentos sérios e comprovados. Onde estão tais fundamentos? Ora, a arguida é que tem o ónus de provar em que "indícios" ou "fontes" ou "informações" e que foi alicerçar tais suposições. E tais provas deve a Arguida apresentar no seu julgamento por denúncia caluniosa contra o Requerente. Entretanto, deve a Arguida ser pronunciada por tal ilícito. Por outro lado - admitindo por hipótese académica que o Requerente sabia do final do inquérito (e nada garante que o final do inquérito conduzido pela arguida e ainda não julgado, retrata a verdade material!) -, onde estão os elementos que permitiam à Arguida dizer que o Participante iria torcer a verdade ou perseguir inocentes? Em NADA! Ou melhor, na má-fé dolosa e caluniosa da Arguida! Finalmente, afirmar que a Arguida, no final do inquérito e porque este deu um resultado diferente do que se dizia na queixa inicial, a levou, assim, a laborar em "erro" é, no mínimo, risível, porque qualquer pessoa normal a quem se explique o que é um processo - meio de canalizar elementos e provas e buscar a verdade material - nunca laboraria em tal. "erro" (e, repetimos, falta saber se o final do inquérito conduzido pela Arguida apurou a verdade material, já que ainda não foi julgado). E, que saibamos, a arguida é dada, oficialmente, como pessoa normal. Em resumo: como vimos e o Magistrado do Ministério Público junto da Relação reconhece, a queixa inicial no inquérito de Benavente indiciava crime de burla agravada (e outros) pelo que o despacho de 20.12.93 do ora Requerente foi absolutamente correcto e legal. A arguida participou do Requerente, com má-fé e dolosamente e, se "erro" houve da parte Arguida, foi ter-se esquecido de que, apesar de exercer funções de acusadora pública, também tem responsabilidade criminal, designadamente quando participa caluniosamente de um Magistrado com vista a instaurar procedimento criminal contra este, sabendo bem e conscientemente ser falsa a imputação. Assim sendo, deve a Arguida ser pronunciada pelo crime de denúncia caluniosa p. e p pelo art. 365° do C. Penal. 2.2. Em 01 Out 02, foi proferido, finalmente, decisão instrutória de confirmação do arquivamento do inquérito (5): Em suma, são elementos constitutivos do crime de denúncia caluniosa: a) Fazer por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, denúncia ou lançamento sobre determinada pessoa de suspeita da prática de infracção penal. b) Ter a consciência da falsidade da imputação, mesmo sendo esta sob a forma de suspeição. c) Ter a intenção de conseguir que contra essa pessoa seja instaurado procedimento atinente. Ou seja, é necessário que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT