Acórdão nº 02P4670 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARMANDO LEANDRO
Data da Resolução30 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:1. Pelo Tribunal Colectivo da comarca de Santa Comba Dão foi julgado o arguido - A, casado, servente de pedreiro, nascido a 10.05.1970, filho de B e de C, natural de Currelos, Carregal do Sal, residente habitualmente na R...., Carregal do Sal, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de Viseu, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material e concurso efectivo, de 5 crimes de incêndio, 1 deles na forma tentada e os restantes 4 na forma consumada, p. e p. pelo Art. 272º, nº 1, a), do C. Penal. Por douto acórdão daquele Tribunal foi a final decidido: «(...) Julgar provada e procedente a douta acusação pública deduzida nos autos contra o arguido, A, e, consequentemente: a) Condenar como autor material e em concurso real, pela prática de um crime de incêndio em habitação na forma tentada, p. e p. pelos Arts. 22º, 23º Nºs 1 e 2, 73º e 272º, nº 1 a), todos do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão, de um crime de incêndio em habitação na forma consumada, p. e p. pelo Art. 272º, Nº 1 a) do C. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e, por cada um de três crimes de incêndio florestal na forma consumada, p. e p. pelo Art. 272º, Nº 1 a) do C. Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão. b) Efectuar o cúmulo jurídico de tais penas, condenando o mesmo arguido na pena única de 7 (sete) anos de prisão.» O arguido recorreu desta decisão, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1- A condenação do arguido na pena parcelar de 4,6 meses de prisão pelo crime de incêndio do imóvel melhor identificado nos autos mostra-se desajustada ante a matéria de facto que lhe serviu de base. 2- Tal pena resultou da confissão integral e espontânea do arguido quanto à autoria de todos os factos. 3- Em sede de fundamentação de direito, foi dada primordial relevância às considerações doutrinais do âmbito dos crimes de perigo comum onde se enquadram os factos dos autos. 4- O arguido preencheu o tipo legal de crime de incêndio p. e p. pelo art.º 272° n.º 1, al. a) do C. P. no imóvel em apreço causando como causou o resultado verificado sem que porém se devesse em adição valorar a conduta daquele em atenção ao dano e prejuízo efectivamente desencadeado para efeitos de pena. 5- A punibilidade em apreço não dependeu de maior ou mais dolosa conduta em relação aos demais crimes, mas sim, da versão do douto acórdão do resultado verificado, donde se infere que a pena aplicada não dimanou da culpa, mas sim da gravidade do resultado daquela quando na verdade não está em causa um crime de dano, mas sim um crime de perigo. 6- As condutas do arguido em si mesmas e em todos os crimes praticados, não variavam em grau de culpa. Sendo que a noção de prejuízo sempre deveria ter antes o seu reporte em eventual sede cível. 7- Tais discrepâncias com implicações inevitáveis na pena global aplicada ao recorrente redundam em violação do princípio consagrado no art.º 40° do C. Penal. Termos em que: Pelas razões expostas e por outros que V.Ex.ªs doutamente suprirão, deve o douto acórdão em apreciação ser revogado e substituído por outro que reduza a pena de prisão a que foi o arguido condenado e consequentemente reduzida a pena final em cúmulo jurídico.» Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo a improcedência do recurso, por entender que, ao contrário do defendido pelo recorrente, a decisão recorrida observou adequadamente os critérios legais de determinação da pena, sendo correcta a ponderação da gravidade das consequências dos actos típicos ilícitos praticados pelo arguido e resultando respeitado o princípio segundo o qual a medida da pena não pode exceder a correspondente à medida da culpa. O recurso foi dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, mas foi determinada a sua subida ao S.T.J. Quando da vista nos termos do art. 416º do C.P.P., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se doutamente no sentido de o processo ser devolvido ao Tribunal de 1ª instância, por não lhe caber alterar a indicação do Tribunal superior a que o recorrente pretende dirigir o recurso, ou, em alternativa, ser remetido directamente ao Tribunal da Relação. Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do C,.P.P., o recorrente nada disse. No despacho liminar entendeu-se ser competente o S.T.J. para conhecer do recurso, por se limitar à impugnação de matéria de direito, conforme posição do relator que tem obtido vencimento. Foi por isso determinado, considerando evidentes razões de economia e celeridade processual, o prosseguimento dos autos, sem prejuízo do conhecimento a final da correspondente questão prévia. Após vistos, teve lugar audiência, cumprindo decidir.II.Impõe-se apreciar a referida questão prévia, relativa à determinação legal do tribunal competente para conhecer de recurso de acórdão final proferido pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente matéria de direito. Continuamos a entender, salvo o respeito devido pela opinião contrária, que não se verifica a situação de um verdadeiro recurso per saltum, mas de um recurso que por imposição legal é interposto directamente para o S.T.J. Baseamos esse entendimento nas razões já expostas em outros recursos (1), que aqui reproduzimos no essencial: Tal questão consiste em saber se de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, objecto de recurso visando exclusivamente o reexame de matéria de direito (como é manifestamente o caso dos autos), se recorre obrigatoriamente para o S.T.J. ou se fica na disponibilidade do recorrente a opção de interpor o recurso desses acórdãos para o Tribunal da Relação ou directamente para o S.T.J. Salvo o muito respeito devido pela opinião contrária, expressa na douta promoção, em alguns doutos acórdãos do S.T.J. (2) e em doutrina significativa (3), afigura-se-nos que no sistema de recursos adoptado no C.P.P., tal como resulta das alterações introduzidas pela Lei nº 59/98, de 5 de Agosto, os interpostos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, só o podem ser directamente para o S.T.J., não podendo o recorrente optar pela interposição perante o Tribunal da Relação (4) São as seguintes as razões fundamentais que nos levam a propender para o referido entendimento, por o julgarmos mais harmónico com a letra e o espírito das disposições legais aplicáveis. A letra da lei, tendo em conta o seu sentido normal e comum e a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3, do C.C.), aponta claramente para que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, devem ser interpostos directamente para o S.T.J. e não, como defende a douta opinião contrária, que a regra é a interposição para o Tribunal da Relação, só o sendo para o S.T.J. se essa for a opção do recorrente, em harmonia com a lógica do recurso per saltam que a lei consagraria. É o que nos parece resultar da letra das seguintes disposições conjugadas dos arts. 427º e 432º, al. d), do C.P.P. (5) , directamente aplicáveis à questão: Art. 427º- Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação. Art. 432º- Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: ..... d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito. (Sublinhados nossos) Como se constata da letra destas disposições, nenhuma menção se faz a recurso per saltum, antes se prevê expressamente, de forma imperativa, o recurso directo. E, sabido que é característica essencial do recurso per saltum a possibilidade «de saltar sobre o tribunal normalmente competente para conhecer dos recurso» (6), e a inerente previsão da salvaguarda da posição dos restantes sujeitos processuais, designadamente os recorridos (7), verifica-se que nada na letra da lei expressa ou sugere que se trata de uma possibilidade ou que foi prevista a referida salvaguarda. O que tudo leva a concluir, para mais tendo presente a anterior consagração (8) do recurso per saltum no C.P.C. (art. 725º), que o legislador, a ter querido com as citadas disposições introduzir, de forma manifestamente inovadora, o mesmo tipo de recurso em processo penal, tinha expresso o seu pensamento em termos incompreensivelmente inadequados, o que, como já mencionámos, não é de presumir. Porém, e como se acentua na douta argumentação em favor da opinião contrária à que vimos defendendo, o pensamento legislativo correspondente a essa opinião não deixaria de ter na lei um mínimo de correspondência verbal (ainda que bastante imperfeita, como concluímos), impondo-se por isso buscar o espírito dessas disposições com o recurso ao essencial elemento teleológico de interpretação, porventura iluminado pelos elementos histórico e...

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