Acórdão nº 02S3494 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução04 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "A" intentou, em 26 de Abril de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, contra B, pedindo a condenação da ré: (i) a reconhecê-lo como seu trabalhador subordinado desde 2 de Março de 1987, com todas as legais consequências daí decorrentes, integrando-o no nível correspondente da categoria de "aderecista" com treze anos de antiguidade; e (ii) a pagar-lhe as retribuições de férias e os subsídio de férias e de Natal correspondentes aos anos de 1987 a 1997 e os subsídios de irregularidade do tipo "B", de turnos, refeição e transporte e respectivos juros, tudo no montante de 14.484.487$00, acrescido de juros desde a citação sobre a quantia de 8.696.251$00.

Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) desempenhou com subordinação e ao serviço da ré, ininterruptamente, desde 2 de Março de 1987, as funções inerentes à categoria de aderecista, definida em Anexo ao Acordo de Empresa em vigor; (ii) desde o início do contrato, a ré não lhe concedeu férias até à integração do autor no quadro de pessoal da ré, não lhe tendo pago a retribuição de férias nem subsídio de férias; (iii) jamais lhe pagou o abono complementar para refeições; (iv) também nunca lhe pagou o subsídio de refeição, nem o de transportes, nem o de Natal, subsídios esses que paga a todos os seus empregados do quadro; (v) também nunca lhe pagou o subsídio de turno; (vi) a ré aplica as disposições do Acordo de Empresa a todos os seus trabalhadores do quadro, independentemente de os mesmos se encontrarem, ou não, filiados nas associações sindicais signatárias do mesmo Acordo de Empresa; (vii) o autor foi integrado no quadro da ré em 1 de Abril de 1998.

Frustrada tentativa de conciliação (fls. 49 e 50), a ré contestou fls. 51 a 64), alegando que: (i) no período em causa, de Março de 1987 a Abril de 1998, o autor executou trabalhos em regime de autonomia, ou seja, de prestação de serviços, sem que estivesse sujeito a qualquer subordinação técnica ou outra, à excepção das indicações indispensáveis à delimitação do resultado que ela (ré) visava obter da prestação de tais serviços; e (ii) caso assim não fique demonstrado, sempre o seu pedido seria abusivo, consistente num venire contra factum proprium, pois toda a relação contratual foi iniciada e influenciada por ele (autor), que levou a contestante a contratar nos termos em que o fez, e que, em todo o caso, o demandante litiga de má fé, porquanto no mesmo período auferiu quantias sensivelmente idênticas àquelas que receberia se fosse trabalhador subordinado dela (ré).

Por despacho de fls. 81 consignou-se não existirem excepções, nulidades ou questões prévias de que cumprisse conhecer, não se justificar a convocação de audiência preliminar e revestir-se de simplicidade a selecção da matéria de facto controvertida, o que dispensava a fixação da base instrutória.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, no final da qual foi decidida a matéria de facto pela forma consignada na respectiva acta (fls. 341 a 343), tendo a ré apresentado reclamação, por considerar meramente conclusivo o facto, julgado provado, de a ré aplicar o Acordo de Empresa em vigor a todos os seus trabalhadores, reclamação que foi indeferida por despacho de fls. 345.

Por sentença de 16 de Julho de 2001 (fls. 371 a 379), foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a reconhecer que o autor foi admitido ao seu serviço como trabalhador subordinado em 2 de Março de 1987 e a integrá-lo no nível correspondente da sua categoria profissional de aderecista com antiguidade reportada à referida data de admissão (2 de Março de 1987), e, em consequência: (i) a pagar-lhe, com efeitos desde aquela data (2 de Março de 1987), as quantias inerentes ao estatuto retributivo estabelecido para aquela categoria profissional no Acordo de Empresa vigente (nomeadamente remuneração de férias, respectivo subsídio, subsídio de Natal, subsídio por horário irregular tipo "B", subsídio de refeição, subsídio de transporte e abono complementar para refeições), estando vencido até 1 de Abril de 1998 o montante global de 8.346.357$00, não incluindo o referido abono complementar para refeições, cuja liquidação foi relegada para execução de sentença; e (ii) a pagar-lhe juros moratórias calculados à taxa legal (actualmente de 7% ao ano), desde as datas de vencimento mensais respectivas de cada uma das prestações devidas e até integral pagamento.

Contra esta sentença apelou a ré, suscitando as questões da alteração da matéria de facto (factos n.ºs III e XXVIII), da qualificação do contrato (se de prestação de serviços ou se de trabalho subordinado), do correcto enquadramento do autor no nível correspondente à categoria profissional, da não aplicabilidade do Acordo de Empresa e das consequências daí decorrentes (não pagamento dos montantes relativos a subsídios de refeição, transporte, horário irregular do tipo "B" e abono complementar de refeição), da data a partir da qual surgiu o direito a subsídio de Natal (apenas desde Dezembro de 1996) e da data a partir da qual são devidos juros de mora (apenas desde a citação, por ter sido este o respectivo pedido do autor), mas, por acórdão de 24 de Abril de 2002 (fls. 434 a 452), o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedentes todas as questões suscitadas, negando provimento à apelação e mantendo a sentença recorrida.

Ainda inconformada, interpôs a ré, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 460 a 474) com a formulação das seguintes conclusões: "1.ª - A expressão referida no ponto III da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância segundo a qual «O autor exerce funções inerentes à categoria de aderecista» é manifestamente conclusiva e não corresponde a qualquer facto notório, nos termos do artigo 514 do Código de Processo Civil, mesmo que se admita, o que não se concede, unicamente por mera hipótese de raciocínio, que seja conhecida dos sectores teatrais, cinematográficos ou televisivos; 2.ª - A questão constante do ponto XXVIII da sentença de primeira instância e confirmada pelo douto acórdão recorrido segundo a qual «A ré aplicou e aplica as disposições do instrumento de regulamentação colectiva vigente a todos os trabalhadores do quadro independentemente de os mesmos se encontrarem, ou não, filiados nas associações sindicais outorgantes do mesmo» é meramente conclusiva, sendo um juízo de valor que somente se poderia extrair se tivesse sido previamente alegado e provado quais as situações concretas a que a recorrente aplica o AE a todos os seus empregados, que sentido e interpretação retira das suas normas e a partir de quando é que passou a aplicá-lo; 3.ª - O autor, ora recorrido, não alegou nem provou ser filiado em qualquer organização sindical subscritora do Acordo de Empresa e seus anexos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 20, 1.ª Série, de 29 de Maio de 1992, em vigor na recorrente, nem foi publicada nenhuma portaria de extensão, nos termos previstos nos artigos 7.º, n.º 1, e 27.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro; 4.ª - À relação profissional que se estabeleceu entre a ora recorrente e o recorrido, anteriormente a 1 de Abril de 1998, não é invocável a aplicação do referido Acordo de Empresa, tendo a sua remuneração sido fixada de comum acordo e o autor sido remunerado por um conjunto de funções efectivamente exercidas e para as quais fora contratado; 5.ª - Para além de que nunca a recorrente poderia aplicar o AE ao autor pela simples razão de que anteriormente a 1 de Abril de 1998 não o considerava como seu empregado; 6.ª - Também não fez o recorrido qualquer prova de que se encontrava filiado nalguma organização sindical, o que viola o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79; 7.ª - Consequentemente, o Tribunal da Relação, ao ter fundamentado o douto acórdão recorrido com base em juízos de valor, violou o disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, devendo a matéria dos pontos III e XXVIII da sentença da 1.ª instância ser considerada não escrita, o que deverá ser decidido por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 722.º e n.º 2 do artigo 729.º do Código de Processo Civil; 8.ª - Por outro lado, mesmo que assim não seja, o que somente se admite por mera hipótese de trabalho, também não poderia o douto acórdão recorrido fazer apelo ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, porquanto nunca poderia constituir-se na recorrente um uso quanto à aplicabilidade do referido AE a todos os seus empregados, por tal uso, a existir, o que não se admite, violar expressamente o disposto no artigo 7.º, n.º 1, e artigo 27.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro, isto é, contrariar expressamente uma norma legal de regulamentação de trabalho; 9.ª - Para além de que, não tendo sido alegados quaisquer factos relativos à quantidade de trabalho, natureza do trabalho e qualidade do trabalho, também não poderia o tribunal a quo fazer apelo aos princípios...

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