Acórdão nº 02S4298 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório. "A - EMPREITEIROS, SA", na presente acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho que foi intentada por B, recorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que, confirmando a sentença de primeira instância, a condenou num pedido indemnizatório por despedimento ilícito Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões: 1ª O douto acórdão recorrido contém, salvo melhor entendimento, um discurso legitimador da incúria, da falta de zelo no exercício da actividade profissional do trabalhador, de comportamentos causadores de sinistralidade grave, ao pretender desculpabilizar condutas que em si mesmas configuram, pelo menos, negligência grosseira. 2ª Não é aceitável, à luz do critério de um homem médio e das regras que regem a condução de veículos e máquinas, que um condutor não atente com os seus próprios olhos no sentido em que circula ou pretende circular, como sucedeu com o Autor na manobra em marcha atrás que efectuou e que constitui o acidente dos autos; não é aceitável, para um homem médio, que a manobra de veículos ou máquinas ocorra com base em "convicções profundas" que o sentido da visão - indispensável à condução de veículos e máquinas -, não confirmou. A sentença da primeira instância e o douto acórdão recorrido não esclarecem (nem tão pouco aludem à questão) em que se baseava a "profunda convicção" do Autor de que o camião em que veio a embater já não se encontrava no vazadouro; a matéria de facto provada nada nos diz quanto aos fundamentos de tal "convicção profunda" do Autor, mas já é clara quanto ao facto de que o Autor não tinha visto o veículo quando iniciou a manobra de marcha atrás e durante a mesma - cfr. a matéria de facto provada e o douto acórdão recorrido. 3ª A conduta do Autor que ocasionou o acidente dos autos não é tão só e apenas (como amiúde se lê na douta decisão recorrida) "uma manobra menos feliz"; "um momento de infelicidade"; "um acidente como tantos outros"; "um momento de distracção"; a consequência do risco normal de "quem anda à chuva e por isso molha-se"; "uma nódoa", num curriculum impoluto e sem mácula. 4ª O condutor de um qualquer veículo que efectua uma manobra de marcha atrás sem olhar à sua rectaguarda, age, pelo menos, com negligência grosseira, senão mesmo com dolo eventual; esta negligência é mais intensa se o veículo for um veículo pesado, uma máquina Bulldozer, como a dos autos, conduzida pelo Autor, pois que a sua condução encerra um grau de perigosidade mais elevado do que um comum veículo. 5ª É exigível a um homem médio, colocado na situação do Autor, o dever de cuidado de efectuar a manobra de marcha atrás depois de verificar efectivamente, "com os seus próprios olhos", que à sua rectaguarda não se encontra qualquer obstáculo que inviabilize a manobra ou que tome as precauções para não embater nesse obstáculo não colocando em perigo pessoas ou bens. 6ª O condutor de uma-máquina pesada, como a conduzida pelo Autor. que efectua duas manobras consecutivas de marcha atrás. nas quais percorre, em cada uma delas cerca de 30 a 40 metros. ou seja. percorre no total cerca de 60 a 80 metros em marcha atrás. sem olhar por uma única vez à sua rectaguarda. viola gravemente os deveres de cuidado elementares e exigíveis à realização daquela manobra. 7ª O facto de a máquina não dispor de espelhos retrovisores não é apto a produzir a desculpabilização ou atenuação da culpa do Autor; bem pelo contrário: à falta desse equipamento meramente auxiliar da condução, que não pode e não deve substituir a visão directa do campo de manobra, era exigível que o Autor aplicasse todo o cuidado na manobra de marcha atrás, o que manifestamente não sucedeu como resulta da matéria de facto provada. 8ª Era exigível ao Autor que tivesse o cuidado de, simplesmente, olhar para a sua rectaguarda ao efectuar a marcha atrás; para utilizar expressão referida no douto acórdão recorrido, era exigível ao Autor que "tivesse tido mais cuidados (e redobrados cuidados)" se, como resultou provado, a falta dos referidos espelhos dificultava a manobra de marcha atrás. 9ª Neste sentido corrobora o douto parecer junto aos autos, onde se lê: "(...) Fazer - e isto pela segunda vez consecutiva - uma marcha atrás com um bulldozer, com total visibilidade no terreno, sem ver um camião e isso ao ponto de bater nele é um acto da maior gravidade. E se fossem peões? E se fosse um transporte de crianças? Se o profissional, ao volante de um Bulldozer não vê um camião, será caso para perguntar: vê o quê? É certo que os autos apuraram que o bulldozer não tinha retrovisores. Todavia, é elementar que, numa manobra de marcha atrás, o condutor não deve actuar pelos retrovisores: antes deve olhar directamente. Além disso, se não houver retrovisores, fica de fora de causa uma marcha atrás "às cegas": ou olha mesmo directamente ou não pega no volante." - cfr. págs. 47 e 48 do citado parecer. 10ª O Autor agiu com negligência grave, grosseira, não vislumbrando ou desinteressando-se em absoluto do eventual resultado danoso da sua conduta. Praticou uma infracção disciplinar culposa e da maior gravidade, em flagrante violação dos deveres de zelo, diligência e lealdade a que estava adstrito pela celebração de contrato de trabalho com a ora Recorrente e previstos no nº 1, alíneas a) e b), do art° 20° do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho. 11ª Esse comportamento do trabalhador é apto a destruir e destruiu a confiança que a entidade patronal nele depositava tornando insustentável a manutenção da relação laboral, pois que, com o acidente provocado pelo Autor, (i) nas circunstâncias em que este ocorreu - em condições atmosféricas que não eram adversas, com boa visibilidade, sem que o Autor tivesse olhado à rectaguarda ao efectuar cerca de 60 a 80 metros de marcha atrás -, (ii) pelas consequências que do mesmo resultaram- destruição total de um camião -, (iii) pela perigosidade inerente à condução da máquina habitualmente guiada pelo Autor - um bulldozer de enorme potencial destruidor -, (iv) pela negligência grosseira e perigosa do comportamento do Autor, a Recorrente deixou de poder confiar ao Autor a condução das referidas máquinas por ter sérias dúvidas acerca da segurança da prestação da actividade do Autor na condução futura daquela máquina. 12ª O Autor, ao causar o acidente descrito nos autos, cometeu uma falha laboral grosseira, indesculpável num trabalhador especializado na condução daquelas máquinas como era o Autor, e que torna impossível a manutenção da relação de...

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