Acórdão nº 03A466 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução03 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Por sentença proferida em 2/2/01, transitada em julgado, foi declarada a falência de A, tendo depois sido aberto concurso de credores, em que foram reclamados numerosos créditos, nenhum deles tendo sido objecto de impugnação. No respectivo saneador sentença, proferido em 10/10/01 e rectificado por despacho de fls. 1045, nos termos do art.º 196º, n.º 2, do C.P.E.R.E.F., foram reconhecidos os aludidos créditos, que foram graduados pela seguinte forma: I - Quanto a um bem imóvel: Em primeiro lugar, o crédito, reclamado pela B, sob n.º 6, garantido por hipoteca, até ao montante de 395.450.000$00; Em segundo lugar, todos os demais créditos reclamados, rateadamente, por serem comuns; II - Quanto aos móveis sobre que incide um contrato de penhor celebrado entre a falida e o C: Em primeiro lugar, o crédito, reclamado pelo C, sob n.º 1; Em segundo lugar, os créditos, reclamados por trabalhadores, sob os n.ºs 10, 11, 13 a 15, 21 a 63, 107 e 110; Em terceiro lugar, os demais créditos reclamados, rateadamente, por serem comuns; III - Quanto aos móveis sobre que incide um contrato de penhor celebrado entre a falida e a B: Em primeiro lugar, o crédito, reclamado pela B, sob n.º 6; Em segundo lugar, os ditos créditos reclamados pelos trabalhadores; Em terceiro lugar, os demais créditos reclamados, rateadamente, por serem comuns; IV - Quanto aos demais bens móveis: Em primeiro lugar, os ditos créditos reclamados pelos trabalhadores; Em segundo lugar, os demais créditos reclamados, rateadamente, por serem comuns. Quase na sua totalidade, os trabalhadores interpuseram recurso da sentença de graduação de créditos, na parte em que graduara os seus créditos em segundo lugar. A Relação proferiu acórdão que julgou improcedentes as apelações na parte em que os apelantes pretendiam que os seus créditos fossem graduados em primeiro lugar relativamente aos bens móveis sobre que incidiam penhores, nessa medida confirmando a sentença ali recorrida, mas alterou a mesma sentença na graduação relativa ao imóvel, colocando: Em primeiro lugar, os créditos dos recorrentes trabalhadores, com excepção da parte relativa à indemnização; Em segundo lugar, o crédito reclamado pela B, sob n.º 6; Em terceiro lugar, o remanescente dos créditos daqueles recorrentes trabalhadores; Em quarto lugar, os demais créditos reconhecidos. É desse acórdão que vem interposta a presente revista, por um lado pela B, restrita à parte da graduação respeitante ao imóvel, e por outro lado pelos trabalhadores apelantes, com excepção de D, E, F, G, H, I, J, L e M. Foram apresentadas alegações, que terminaram pelas seguintes conclusões: I - Da B: 1ª - O Código Civil que entrou em vigor em 1 de Junho de 1967 apenas prevê a constituição de privilégios imobiliários especiais (n.º 3 do art.º 735º); 2ª - Assim, o privilégio imobiliário geral para garantia dos créditos laborais dos trabalhadores, previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 17/86, de 14/6, e no art.º 4º da Lei n.º 96/2001, de 20/8, constitui uma derrogação ao princípio geral consagrado no n.º 3 do art.º 735º do Cód. Civil de que os privilégios imobiliários são sempre especiais; 3ª - A Lei n.º 17/86 não estabelece expressamente que os privilégios imobiliários gerais que instituiu abarcam todos os bens existentes no património da devedora, concretamente, a entidade patronal, nem sequer regula o concurso de tal privilégio com outras garantias reais, in casu, a hipoteca, nem esclarece a sua relação com os direitos de terceiros; 4ª - Assim, aos privilégios imobiliários gerais de que beneficiam os créditos laborais, - por serem de natureza absolutamente excepcional, por não incidirem sobre bens certos e determinados, por derrogarem o princípio geral estabelecido no n.º 3 do art.º 735º do Cód. Civil, por nem sequer existirem na realidade jurídica à data da entrada em vigor daquele diploma legal, por afectarem gravemente os legítimos direitos de terceiros, designadamente os do credor cuja hipoteca se encontra devidamente registada, em virtude de não estarem sujeitos a registo -, é-lhes inaplicável o princípio previsto no art.º 751º do Cód. Civil; 5ª - Donde, a tais privilégios, pelo facto de serem gerais, deve ser aplicado o regime previsto nos art.ºs 749º e 686º do Cód. Civil, constituindo pois meras preferências de pagamento, só prevalecendo em relação aos créditos comuns; 6ª - Consequentemente, face à lei ordinária, os direitos de crédito garantidos por privilégios imobiliários gerais - in casu os créditos laborais dos apelantes - cedem, na ordem da graduação, perante os créditos garantidos por hipoteca (art.º 686º do Cód. Civil); 7ª - Através do Acórdão n.º 160/00, publicado no DR, II Série, de 10/10/2000, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das normas do art.º 2º do Dec. - Lei n.º 512/76 e do art.º 11º do Dec. - Lei n.º 103/80 - créditos pelas contribuições para a Segurança Social e respectivos juros -, o que foi aplicado pelo S.T.J. no Acórdão proferido em 14/3/02 no processo n.º 10873/01 -, e por Acórdão proferido pela 2ª Secção nos autos de recurso n.º 753/00 o Tribunal Constitucional declarou também a inconstitucionalidade da norma do art.º 104º do Cód. do I.R.S. -, todas interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas contido prefere à hipoteca nos termos do art.º 751º do Cód. Civil; 8ª - Tais declarações de inconstitucionalidade fundamentam-se no facto de tais normas violarem o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2º da Constituição da República, bem ainda do princípio da proporcionalidade previsto no n.º 1 do art.º 18º do diploma constitucional; 9ª - Os mesmos princípios e fundamentos aplicam-se, mutatis mutandis, aos privilégios imobiliários gerais instituídos pela al. b) do n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 17/86, de 14/6, e pelo art.º 4º da Lei n.º 96/2001, de 20/8, quanto aos créditos laborais; 10ª - Não obstante, a decisão recorrida interpretou os citados normativos (art.ºs 12º e 4º) no sentido de que o privilégio imobiliário geral aí instituído prefere às hipotecas anteriormente registadas, graduando consequentemente os créditos...

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