Acórdão nº 03B1550 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução12 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na falência da sociedade por quotas A foram, entre outros, reclamados créditos pelos trabalhadores da falida, B, C, D e E, compreendendo salários em atraso, férias e subsídios de férias, e indemnização por cessação do contrato de trabalho. Na sentença de graduação, e no tocante ao bem imóvel apreendido para a massa, estes créditos foram graduados em segundo lugar, como créditos comuns, a seguir ao crédito reclamado pelo F, que goza de hipoteca sobre o dito imóvel. Os nomeados trabalhadores, inconformados com o assim decidido, apelaram da sentença para o Tribunal da Relação do Porto, limitando o recurso a essa parte da graduação de créditos. A Relação julgou a apelação parcialmente procedente, decidindo pela forma que a seguir se transcreve: - os créditos a ter em conta na sentença de graduação e verificação de créditos, relativamente ao imóvel, que gozam de privilégio imobiliário, são os créditos pedidos pelos recorrentes B, C, D e E, a fls. 118 e reconhecidos a fls. 182, que derivam de salários em atraso de Junho e Julho de 1998, férias e subsídios de férias e respectivos proporcionais, identificados a fls. 118 (salários e remunerações em atraso), menos os créditos de indemnização; - tais créditos graduam-se em primeiro lugar, a preceder o da hipoteca, que será em 2º lugar; - seguir-se-ão os créditos comuns. Deste modo, os créditos reclamados pelos apelantes e constantes de fls. 118, serão repartidos e graduados, conforme se trata de salários e remunerações em atraso ou de indemnização, como créditos privilegiados em 1º lugar, aqueles, ou como comuns, estes. Em primeiro lugar aqueles, porque precedem a hipoteca existente - art. 751º do C. Civil. Estes, porque sucedem à hipoteca. Em consonância com o decidido, a Relação revogou, em parte, a sentença apelada, alterando-a por forma a que os créditos reclamados ficassem graduados e verificados de acordo com a transcrição acabada de efectuar. De novo inconformados, os apelantes pedem revista. E, nas alegações de recurso oportunamente apresentadas, formulam o seguinte leque de conclusões: 1º - Os créditos dos recorrentes, enquanto trabalhadores que foram da falida, emergem dos respectivos contratos de trabalho e da sua violação e cessação e respeitam a indemnizações não pagas e a indemnização legal decorrente do respectivo despedimento. 2º - Ora, o art. 12º/1 da Lei 17/86, de 14 de Junho, estabeleceu que os créditos emergentes do contrato individual de trabalho gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral. 3º - Tal dispositivo legal deverá ser interpretado no sentido de que, com tal expressão, se pretendeu abranger quer os créditos laborais decorrentes da existência e normal desenvolvimento do contrato de trabalho quer os créditos emergentes da sua violação, seja por virtude de rescisão pelo trabalhador com justa causa, seja em razão do respectivo despedimento, seja por força de qualquer outra causa para a qual o trabalhador não tenha contribuído, não fazendo tal normativo qualquer distinção quanto à origem ou natureza dos créditos laborais. 4º - Nem há razão para distinguir, sob pena de violação dos princípios da justiça e da igualdade de tratamento que enformam o nosso sistema jurídico-constitucional (art. 13º da CRP) e da criação de flagrantes injustiças relativamente aos trabalhadores que se mantiveram na empresa até ao fim por comparação com outros que porventura tivessem rescindido os respectivos contratos de trabalho por falta de pagamento atempado dos salários. 5º - A entender-se que a Lei 17/86, na parte ora em questão, apenas cobriria os casos em que estivessem em causa o não pagamento de salários em atraso e a rescisão dos contratos de trabalho com base nesse facto, estar-se-ia a aceitar que tal lei constituiria um incentivo ao próprio despedimento, na medida em que os trabalhadores, particularmente os mais avisados e dotados, num momento em que a empresa careceria do seu apoio, seriam como que compelidos e incentivados, pelo jogo das indemnizações garantidas (ao abrigo dos arts. 6º e 12º), a pôr cobro ao vínculo laboral, abandonando a empresa. 6º - É patente a inconstitucionalidade de tal entendimento, por violação dos arts. 13º e 58º da CRP. 7º - Por isso, os créditos dos recorrentes respeitantes às indemnizações por despedimento sem justa causa, resultando, como resultam, da violação e cessação dos respectivos contratos de trabalho, provocadas por razões estranhas à sua vontade, devem ser enquadrados no âmbito da norma do aludido art. 12º da Lei 17/86, gozando como tal dos privilégios ali mencionados, quer mobiliário geral quer imobiliário geral, e sujeitos às regras preferenciais ali também vertidas, o que determina a sua graduação em igualdade de circunstâncias e ao mesmo nível dos créditos decorrentes das retribuições não pagas e, como tal, em primeiro lugar no que respeita também aos bens imóveis da falida. 8º - Por outro lado, a Lei 96/2001, de 20 de Agosto, deverá ser aplicada ao presente caso. 9º - Com efeito, o seu art. 4º veio atribuir expressamente privilégio imobiliário geral aos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 17/86 ainda que preexistentes à data da entrada em vigor daquela Lei, sendo que o que consta do n.º 3 daquele artigo não significa que a preferência resultante daquele privilégio seja relegada para lugar inferior ao que é atribuído à preferência inerente aos créditos emergentes da Lei 17/86 e aos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da lei em causa. 10º - E isso porque a intenção da lei vai claramente no sentido de obstar à iniquidade acima mencionada. 11º - Assim, ao decidir pela não graduação ao mesmo nível das retribuições em dívida aos recorrentes dos créditos resultantes das indemnizações que lhes são devidas em razão do respectivo despedimento sem justa causa, o acórdão recorrido fez errada interpretação do art. 12º da Lei 17/86 e não tomou em devida conta o disposto nos arts. 13º e 58º da CRP, interpretando também de modo incorrecto o disposto no art. 4º da Lei 96/2001, assim violando esses normativos. O F apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso. Corridos os vistos, cumpre decidir. 2. São os seguintes os factos provados, que interessam à decisão do recurso: I - Por sentença de 17.06.98, já transitada, foi decretada a falência de A , com sede no Porto; II - Foram apreendidos para a massa falida bens móveis e um imóvel; III - Publicado o respectivo anúncio no DR - III Série, de 17.07.98, foram apresentadas as consequentes reclamações de créditos; IV - Entre outras pessoas e entidades, reclamaram créditos: - o F; e - os ex-trabalhadores da falida acima nomeados; V - O F reclamou um crédito de 181.690.526$00, garantido por hipoteca voluntária sobre o imóvel aludido em II, celebrada por escritura pública de 14.03.94, provisoriamente registada a favor do Banco em 08.02.94, tendo tal registo sido convertido em definitivo em 06.04.94; VI - Os ex-trabalhadores...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT