Acórdão nº 03B3497 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução23 de Setembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A - Estudos, Projectos e Construção, S.A.", sediada na cidade de Lisboa, instaurou, a 17 de Dezembro de 2001, em tribunal arbitral adrede constituído, contra o Comandante B, também residente nesta cidade, acção ordinária tendente a obter deste o pagamento de parte do preço de empreitada entre ambos celebrada, no dia 22 de Julho de 1996, para construção de uma moradia na Quinta do Perú, em Azeitão (1).

Pede na qualidade de empreiteira a condenação do réu, dono da obra, a satisfazer-lhe o quantitativo líquido global de 11 852 002$00, compreendendo a fracção do preço ainda em dívida no valor de 8 596 258$00 (7 200 000$00 + 1 396 258$00 correspondentes ao IVA), acrescida dos juros legais vencidos por altura da instauração da acção, no montante de 3 255 744$00, e vincendos até integral pagamento.

Contestou o réu por impugnação e excepção, invocando neste segundo plano a compensação do crédito accionado com um crédito seu de 7 200 000$00, precisamente, resultante da multa diária de 20 000$00 desde 1 de Novembro de 1997 a 30 de Outubro de 1998, que aplicara à autora devido a atraso na conclusão da obra.

Reclamou ademais em reconvenção a condenação da demandante a solver-lhe a quantia de 825 925$00 que despendera na reparação de diversos defeitos por aquela não corrigidos.

Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida a decisão do colectivo arbitral, em 3 de Junho de 2002, que julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção, com a consequente condenação do demandado a pagar à autora as quantias peticionadas no valor global de 11 852 002$00 (59 117,54 €), mais os juros vencidos no montante de 3 255 744$00, e os vincendos à taxa legal sobre a importância de 8 596 258$00 (42 877, 95 €), desde 14 de Dezembro de 2001 até integral pagamento (2).

Apelou o réu impugnando a matéria de facto e, bem assim, a decisão jurídica do pleito, mas sem sucesso, posto que a Relação de Lisboa negou provimento à apelação nas duas vertentes, confirmando na íntegra a decisão arbitral.

Do acórdão neste sentido proferido, em 1 de Abril de 2003, vem a este Supremo Tribunal a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão recorrida, reside no problema da responsabilidade do réu pelo crédito demandado, pressupondo a resolução dos seguintes temas, adiante melhor precisados: a interpretação do acordo adicional ao contrato, de 15 de Janeiro de 1998; e a questão do ónus da prova relativamente ao contra-crédito excepcionado pelo réu; em ligação com a qual se perfila a dúvida de saber se quaisquer atrasos na execução da empreitada devem considerar-se plenamente provados por confissão da autora.

Advirta-se ademais que a reconvenção foi julgada improcedente, mas o recurso não se estende a esse aspecto pretérito do litígio.

Anotar-se-á por fim que a alegação da revista se apresenta alicerçada em Parecer de ilustre jurisconsulto (3), sobre o qual oportunamente nos debruçaremos.

II1. A Relação considerou, portanto, assente a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância arbitral, que se reproduz: 1.º «Em 22/7/96, o Comandante B, como dono da obra, e a "A-Sociedade de Construções, Lda.", como empreiteiro, celebraram o contrato de empreitada para a construção de uma moradia na Quinta do Perú, em Azeitão, pelo preço de 54 755 212$00, no prazo de 300 dias a contar do auto de consignação e com as demais cláusulas que constam do escrito junto como doc. 1 da petição inicial; 2.º «Em 1/10/96 teve lugar a consignação da obra, data também da emissão da licença de construção da moradia (doc. 2 da p. i.), e, nesta conformidade, o prazo de 300 dias para a construção da moradia terminava em 31/7/97; 3.º «As partes acordaram em retirar do contrato trabalhos, no valor de 5 351 363$00, e na execução de trabalhos não previstos no contrato, no valor de 22 717 838$00, que a A veio realmente a executar (docs. 3 e 4 da p. i.); 4.º «O valor, sem IVA, dos trabalhos executados pela A, a solicitação do réu, foi de 72 121 687$00 (= 54 755 212$ + 22 717 838$00 - 5 351 363$00) (doc. 4 da p. i.); 5.º «Por fax de 22/12/97, a A comunicou ao réu que, em virtude de algumas dificuldades verificadas nos fornecimentos e na mão-de-obra e das alterações entretanto apresentadas pelo réu, as obras estariam concluídas até 31/3/98 (doc. 3 da contestação); 6.º «Em 15/1/98, as partes acordaram, por escrito, além do mais, o seguinte: - os trabalhos adjudicados até 15/1/98, ‘sem que haja qualquer alteração a partir de hoje, devem ficar concluídos até ao dia 31/3/98'; - o empreiteiro fica sujeito à aplicação de uma multa de 20 contos por dia, desde 1/11/97 até à conclusão da obra, se os trabalhos não ficarem concluídos até 30/4/98 (doc. 5 da p. i.); 7.º «Em 29/10/98, foi lavrado o auto de recepção provisória dos trabalhos respeitantes ao contrato de empreitada de 22/7/96 nos termos e com as reservas constantes do doc. 4 da contestação; 8.º «O auto de recepção referido no quesito anterior diz respeito às obras que integraram o contrato de empreitada, no valor de 54 755 212$00, e à totalidade dos denominados ‘Trabalhos Extracontratuais (Trabalhos a Mais)', no valor de 20 657 871$00, descritos no doc. 3 da p. i.; 9.º «Em 3/2/99, as partes acordaram que o réu tinha pago à A a quantia de 60 317 531$00, que o saldo final dos trabalhos executados era de 11 864 156$ a favor da mesma A, que para pagamento desta quantia de 11 864 156$00 o réu entregara à autora a importância de 4 684 156$00 e que, em consequência, o crédito da A era de 7 200 000$00 (doc. 4 da p. i.); 10.º «Por carta de 23/2/99, o réu comunicou à A que à quantia de 11 864 156$00 deduzira a importância de 7 200 000$00, por lhe haver aplicado a multa diária de 20 000$00, devido a atraso na conclusão da obra, no período compreendido entre 1/11/97 e 30/10/98 (doc. 4 da p. i.); 11.º «Entre os dias 15/1/98 e 31/3/98, e com o acordo do réu (doc. 3 da p. i.), a A efectuou, entre outras, as seguintes obras nos trabalhos que lhe haviam sido adjudicados: a) Substituição da espessura de 5mm para 10mm no vidro das portas P6 e P7, sugerida pela Autora; b) Substituição de algumas serralharias e alumínios, acordada por ambas as partes; c) Substituição do xisto por vinílico no pavimento da cave, solicitada pelo réu; 12.º «As substituições previstas no quesito antecedente importaram para a A um acréscimo de despesa, sem IVA, nas importâncias de 117 140$00, 1 160 546$00 e 300 600$00, respectivamente, para as substituições indicadas nas alíneas a), b) e c) (doc. 3 da p. i.); 13.º «A substituição das serralharias e alumínios implicou uma demora de mais 6 semanas para aquisição de materiais e ainda de mais 2 semanas para execução dos trabalhos (docs. 7 e 8 da p. i.); 14.º «Em 28/3/98, a A comunicou ao réu, através da carta junta como doc. 12 da contestação, entre outras coisas, que tinha a obra com atraso, mas que continuavam também a surgir trabalhos não previstos; 15.º «Em 7/7/98, a A remeteu ao réu o fax junto como doc. 14 da contestação, no qual, além do mais ‘assume a culpa e lastima 50% do atraso da obra'; 16.º «O réu ainda não efectuou o pagamento à autora da quantia de 1 396 285$00, correspondente ao IVA da factura respeitante à importância de 7 200 000$00 (doc. 45 da p. i.); 17.º «A natureza e valor de cada um dos trabalhos que, no quesito 3 estão referidos como trabalhos não previstos no contrato, pelo valor de 22 717 838$00, são os que constam do fax enviado, em 20/11/98, pelo réu à A, junto como doc. 3 da p. i., com a classificação de ‘Trabalhos Extracontratuais (Trabalhos a Mais)'; 18.º «Entre data indeterminada após o dia 31/3/98 e o dia 29/10/98, por acordo das partes, foram executados, pelos valores referidos entre parêntesis, os seguintes ‘Trabalhos Extracontratuais (Trabalhos a Mais)", no exterior da moradia, constantes do doc. 3 da p. i.: caseta da piscina (2 480 950$00); envolvente da piscina, abertura e tapamento de valas, assentamento de descarga da piscina e tubagens de aspiração, compressão, vácuo e alimentação de energia (254 800$00); regularização do terrenos entre os lotes 81 e 80 com rectroescavadora JCB (33 000$00); espalhamento das terras provenientes da escavação da piscina ao longo da área do lote (100 000$00); fornecimento e montagem de lava-pés em 4 pedras de vidraça aparelhadas a pico fino, incluindo chuveiro inox (145 000$00); iluminação do jardim (2 580 350$00); e arranjos exteriores (3 122 800$00) (docs. 18, 19, 23, 24 e 25 da p. i.).» 2. A partir da factualidade descrita, à luz do direito aplicável, o acórdão arbitral julgou a acção procedente, considerando o réu devedor da parte do preço peticionada pela autora - 7 200 contos mais o valor correspondente ao IVA -, condenando-o nesse pedido e nos juros moratórios legais.

A decisão foi como sabemos integralmente confirmada em apelação, e pelos mesmos fundamentos de facto e de direito, perfilhados sem divergência na Relação de Lisboa, consequenciando que as subsequentes considerações de análise em torno do julgado arbitral - pese a extensão, devido às complexas cambiantes do caso sub iudicio - valem mutatis mutandis no tocante ao acórdão da 2.ª instância sob recurso.

2.1. Consoante o tribunal arbitral, o cerne da questão litigiosa processualmente estruturada na presente acção reside no aspecto seguinte.

Peticionada no articulado inicial a aludida fracção do preço da empreitada ainda em dívida, o réu, reconhecendo embora o crédito, excepcionou em compensação a titularidade de um contra-crédito de 7 200 contos emergente de multa que aplicara à autora, por esta não ter concluído a obra até ao termo do prazo fixado em acordo celebrado a 15 de Janeiro de 1998 entre os contratantes (cfr. supra, II, 10.º).

Bem se compreende, por conseguinte, a importância processual do crédito da multa oposto pelo réu, susceptível de imobilizar e extinguir através do mecanismo da compensação a pretensão obrigacional da empreiteira autora.

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