Acórdão nº 03P2032 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça: Arguidos/recorrentes: A (1) e B (2) 1. OS FACTOS (3) No dia 14.5.1999, pelas 16 horas, nas imediações das bombas de gasolina "Galp - da Avenida do Porto, sentido Sul - Norte, em Lisboa, os arguidos detinham 2.066,237 gramas líquidos de cocaína, que transportavam no automóvel Renault Clio HM, e que destinavam à venda a terceiro indivíduo, por eles conhecido como C. A cocaína em causa fora adquirida, em data anterior, pelo arguido A, em Espanha, a indivíduo não identificado, e por aquele transportada para Portugal. Abordados por agentes da Polícia Judiciária, que se identificaram, os arguidos esboçaram a fuga, embatendo mesmo com o veículo noutra viatura, tendo o arguido B em seu poder, também, uma pistola semi-automática, calibre 7,65 mm, Browning, FN, 1910, com o número de série 22377, carregada com seis munições, uma das quais na câmara, outro carregador com mais seis munições e um porta - carregador, e arguido A um telemóvel "Ericsson" e 1.500$. Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fê-lo consciente e voluntariamente, agindo em conjugação, e comunhão, de esforços, após prévio acordo, conhecendo, com actualidade, as características estupefacientes da cocaína, e sabendo proibidas tais condutas. O dinheiro, pistola, telemóveis e objectos apreendidos, descritos a fls. 17 e 30/32, transportados pelos arguidos na viatura, estavam relacionados com a descrita actividade, relativa a estupefacientes. - O arguido A confessou deter aquela cocaína, tê-la trazido de Espanha para venda, e ter negociado a sua entrega a um indivíduo que conhecia por C. Residia, à data dos factos, em Espanha, onde exercia actividades ocasionais várias. O arguido B, reformado da Direcção Geral das Alfândegas, residia, à data dos factos, fora de Lisboa. O arguido A tem antecedentes criminais (CRC de fls. 102 a 103 e acórdão de fls. 116 a 140) (4). O arguido B não tem registados antecedentes criminais. 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a 2.ª Vara Criminal de Lisboa (5), em 15Jul02, condenou A e B, como autores de um crime de tráfico de estupefacientes, nas penas, respectivamente, de 5,5 anos de prisão e 4,66 anos de prisão: A matéria de facto provada integra a prática, em autoria material ou imediata pelos arguidos A e B, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.1 do Decreto-Lei 15/93 de 22Jan (...). À unidade de facto em referência corresponde - considerada isoladamente - uma acção, aqui tida em sentido final, isto é, nos diversos crimes em causa prefiguram-se condutas de um processo casual, seja por nexo mecânico de causa-efeito, seja por nexo lógico de condições, para um fim determinado. O crime referenciado é, assim, consequência típica, normal e previsível das condutas de cada um daqueles arguidos, a quem, respectivamente, é imputado, na forma descrita, tudo isto segundo as regras da experiência comum e as circunstâncias particulares de cada caso - o que sempre se pode aferir por um juízo de prognose póstuma. Em sede dos elementos objectivos dos tipos, as mencionadas previsões estão preenchidas, dando lugar à imputação, uma vez que as condutas dos mencionados arguidos, quanto ao crime que cada um deles cometeu, provocaram os resultados previstos na descrição dos factos. Os arguidos, ao agirem como descrito, representaram perfeitamente a realidade fáctica que provocaram, conhecendo, com actualidade, os elementos objectivos dos tipos: normativos, descritivos e previsão do processo causal apto a atingir os resultados representados. Cada um dos arguidos, além de conhecerem os elementos essenciais da já descrita factualidade típica, a si referida, actuou com a intenção de provocar a sua realização e, querendo esse resultado, pôs em marcha o processo causal adequado. Agiu, pois, cada um, e nessa medida, com dolo directo - cfr. n.º 1 do art. 14º do Código Penal. A provada acção típica, referida, nos termos expostos, a cada um dos arguidos, é reveladora de ilicitude, dado que não se provou, por forma a excluir esta, qualquer circunstância susceptível de, integrando, colocar tais acções (ou algumas delas) a coberto de uma causa de justificação legal, das previstas nos art.s 31º e ss. do Código Penal. A ilicitude é, em primeiro lugar uma qualidade do facto - cfr. art.s 28º, n.º 1, e 31º do Código Penal - e, em segundo lugar, a contrariedade do facto à ordem jurídica na sua totalidade (art. 31º do mesmo diploma). A fundamentação da responsabilidade penal em que cada um dos arguidos incorreu assenta, assim, uma vez que se caracteriza a ilicitude como qualidade do facto, nas realidades descritas integráveis nas diversas condutas a eles referidas. A qualidade do comportamento dos arguidos é, assim, e nos aludidos termos, de provado desvalor das respectivas acções típicas, se o estupefaciente tivesse entrado no circuito do consumo. Os arguidos, tendo a possibilidade de conhecer a ilicitude dos factos que praticavam, decidiram livremente a sua actuação. Por outro lado, eram os arguidos, quanto às aludidas condutas, portadores da necessária inteligência e liberdade para se conduzirem, possuindo o conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para serem passíveis de um juízo de censura por não terem agido de outra maneira - cfr. art.s 19º e 20º do Código Penal. Os arguidos não podem, sequer, em termos da sua atitude anterior, ver-lhes ser considerada uma particular estrutura psico-biólogica, se não em termos de sempre serem censurados e punidos por não terem orientado a modelação do seu modo de ser de maneira a poderem motivar-se como os indivíduos do tipo médio. A culpa jurídico-penal de cada arguido prefigura-se como uma violação do dever de conformar, respectivamente, o seu existir, de modo a que, no seu viver do dia a dia, não sejam violados ou postos em crise valores tutelados pela ordem jurídica. A culpa, neste sentido, conquanto formalmente referida à factualidade da lei, deve materialmente dirigir-se à personalidade que a fundamentou. O concreto agir é o ponto de partida para a avaliação do concreto ente que agiu, materialização a que se não pode fugir, pela sua própria natureza. Não se esgotará, ainda, aí, a operação de determinação do grau de culpabilidade, devendo-se, também, procurar atingir a devida gradação valorativa, posta em causa, e o "quantum" do sujeito que foi envolvido nessa desconformidade ética e social. Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a ordem jurídica, e a gravidade de reprovação que se há-de fazer ao agente (conteúdo do injusto e da culpabilidade). Neste equilíbrio, entre factores objectivos e subjectivos, se buscará a resultante de um juízo de reprobabilidade sobre as condutas e a personalidade, de modo a alcançar-se a justa medida da pena (v., a propósito, Mir Puig, Introducción a las bases del Derecho Penal, Barcelona, 1976 e Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 1983). A matéria de facto reflecte distanciamento, em termos de ultrapassagem das contra-motivações éticas, entre uma determinação normal pelos valores e a dos arguidos, reflecte uma atitude reveladora de motivos rejeitados pela sociedade, bem como reflecte, ainda, censurabilidade especial da motivação pela própria violação da norma - procura de satisfação na violação desta, traduzindo, assim, total "inimizade" pelas regras ético-sociais básicas e pela ordem jurídica vigente. De acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados por lei, será feita em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção e de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido. Culpa e prevenção são, por conseguinte, os dois termos do binómio com o auxilio do qual se há-de construir a medida da pena. A culpa jurídico-penal vem a traduzir-se, como escrito, num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - Das Consequências Jurídicas do Crime", p. 215). O limite superior da pena corresponde ao máximo grau de culpa e o limite mínimo à referência abaixo da qual se frustram as expectativas da comunidade, devendo tal pena situar-se ao nível que melhor corresponda aos componentes aludidos (e a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, como se referiu). Com o recurso à prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. Com o recurso à prevenção especial, almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade. Dando concretização aos mencionados vectores, o n° 2 do art. 71º do Código Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias - atendíveis - para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente. 3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformados, os arguidos recorreram em 23Set03 à Relação: O colectivo não apreciou os factos na sua globalidade. Ignorou ostensivamente a matéria da acção provocada pelo plano de agente infiltrado desenvolvida pela Polícia Judiciária. Ignorou a alegação de que a Polícia Judiciária sabia - a contumácia do arguido tinha sido publicada no Diário da República - que A tinha contra si um mandato de captura emitido por um tribunal português. Mesmo que não fosse publicada a contumácia no D. República, sempre seria inverosímil que uma polícia não tivesse o registo criminal do visado num acção planeada! Os autos mostram que até à fase do debate instrutório a PJ encobriu o plano de agente infiltrado, relatando parcelarmente os factos e deturpando-os inclusive. Foi o arguido A quem acabou por descobrir a situação, sendo certo que no teatro dos factos (estação da Galp). Em audiência só uma testemunha veio a relatar como os...

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