Acórdão nº 03P2402 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Julho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCOSTA MORTÁGUA
Data da Resolução08 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido em 03.10.2002 no Processo Tutelar Educativo nº 37/02.5TMLSB, do 4º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que aplicou ao menor A a medida tutelar educativa de internamento em Centro Educativo, em regime fechado, pelo período de 2 anos, pela prática, em co-autoria material, de actos integrativos de ilícitos penais típicos, designadamente: - um crime de roubo, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 8 anos, nos termos do artigo 210º, nºs 1 e 2, al.b), referido ao artigo 204º, nº 1, al.d), do CP, não operando, porém, a qualificação do ilícito em virtude do diminuto valor do objecto, nos temos do disposto no nº 4, do citado artigo 204º; e, - um crime de homicídio qualificado, previsto e punível com pena de prisão de 12 a 25 anos, nos termos dos artigos, 14º, nº 3, 26º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al.g), todos do CP, agindo o menor com dolo eventual, considerando-se que não ocorreram as demais circunstâncias qualificativas referidas no requerimento de abertura da fase jurisdicional do Ministério Público por se considerar que aquelas apenas se reportam a actuação com dolo directo. As conclusões da motivação apresentada: 1. O teor da decisão proferida no Tribunal Criminal de Lisboa mostra-se decisivo para se proceder à revisão do acórdão proferido nestes autos. 2. Na verdade, existe manifesta oposição de julgados, do que resultam graves dúvidas sobre a justiça da decisão. 3. Os factos que serviram de fundamento à decisão nestes autos são inconciliáveis com os dados como provados no Tribunal Criminal de Lisboa. 4. No Tribunal de Menores, entendeu-se que o A, inimputável à data dos factos, representou como possível a morte da vítima, conformando-se com o resultado. 5. No Tribunal Criminal, dera-se como provado que apenas o arguido que passou com a motorizada por cima da vítima representou a morte, resultado que não só previu, mas também quis. 6. Relativamente aos outros arguidos, grupo de que fazia parte o então menor A, o Tribunal Criminal deu como provado que eles agiram movidos da intenção de ofender corporalmente a vítima, sabendo que estavam a causar perigo para a sua vida, mas que, embora tendo representado a morte, não se conformaram com tal resultado. - 7. Desta forma, o Tribunal Criminal afastou a prática do crime de homicídio pelos arguidos que, tendo causado lesões corporais à vítima, não lhe passaram com a motorizada por cima do corpo - 8. O A pertence ao grupo de jovens que ofendeu corporalmente a vítima, mas que não lhe passou com a motorizada por cima. 9. Por isso, deve rever-se a sentença na parte em que lhe imputa o crime de homicídio, a título de dolo eventual. 10. Deverá, pois, ser decidido que, em vez do crime de homicídio, o A praticou o crime de ofensas corporais graves, agravadas pelo resultado morte. 11. Só desta forma, deixará de verificar-se a oposição inconciliável entre o teor dos dois acórdãos. 12. Mas ainda que assim não seja entendido, impõe-se nova apreciação, devido ao conjunto de elementos existentes no processo tutelar educativo que, combinados com o acórdão da 7ª Vara Criminal suscitam sérias dúvidas sobre a justiça da decisão. 13. Na verdade, foram lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo menor A perante agente da Polícia Judiciária. 14. Mas só por errada interpretação do artigo 106º, nº 2 al.a) da LTE poderá admitir-se a leitura de autos de menores, em que não foram observadas as formalidades previstas nos artigos, 46º nº 2 e 47º da LTE. 15. Face ao conteúdo do artigo 47º da LTE, que impõe a audição do menor perante autoridade judiciária, não deveria ser atribuído ao auto de inquirição o excessivo relevo que efectivamente conduziu a uma apreciação demasiado baseada na convicção e não em factos objectivos. 16. O que teve como consequência a opção pelo regime fechado, que nem sequer existia na jurisdição tutelar, em Julho de 2000. 17. E não existindo regime fechado nessa altura, jamais deveria ter sido decidida a sua aplicação, visto que isso constitui violação do princípio constitucional da não retroactividade da Lei Penal, salvo a de conteúdo mais favorável. 18. Por isso, além do artigo 2º, nº 4 do Código Penal, foi violado também o artigo 29º, nº 4 da Constituição da República. 19. Como foram violados, por errada interpretação, os artigos, 13º, 14º, nº 3, e 15º, al.a), todos do Código Penal. 20. Sendo certo que o relatório da autópsia, apesar da extensão e gravidade das lesões, conclui pela não intenção de matar . 21. A perícia de personalidade também aponta para a aplicação de medida menos restritiva da liberdade. 22. E cotejados assim os elementos constantes do processo, com o documento ora apresentado, impõe-se uma nova apreciação, ao abrigo do que é permitido pelo disposto no artigo 449º, nº 1, seja pela aI. c), seja pela aI. d) do C. P. Penal. 23. De forma a evitar uma clamorosa injustiça, derivada de um tratamento demasiado severo, não deverá o A ser identificado como homicida, quando dos seus comparticipantes mais velhos, apenas um deles, que sem qualquer plano prévio passou com uma motorizada por cima da vítima, viu esse crime ser-lhe imputado. 24. Deverá, pois, ser reexaminada a sua conduta, à luz deste novo documento, que por si só, cria no espírito de quem o analisa, sérias dúvidas sobre a justiça da decisão. 25. Sendo, porém, mais graves ainda as dúvidas, se ponderarmos o conjunto de todos os elementos do processo, designadamente as interpretações erradas das disposições legais, que só foram possíveis devido à forte convicção que animou o llustre Tribunal Misto, no sentido de a actuação do menor ser caracterizada pela conformação pelo resultado morte. 26. Mas a convicção apenas deverá fundar-se em elementos objectivos, pois a subjectividade conduz à presunção e esta está vedada na decisão sobre o dolo. 27. Deverá, pois, ser aplicada ao A uma medida de internamento em regime semi-aberto. 28. Caso não se entenda que deva cessar de imediato a execução da medida, deverá ela ser reduzida para um período de quinze meses, devido ao lapso de tempo já decorrido (quase três anos), à evolução positiva do menor, ao facto de já ter completado 18 anos e de estar prestes a perfazer um ano de internamento. A informação da Exmª. Juíza (artigo 454º do CPP): A) O acórdão objecto do presente recurso de revisão, foi proferido por este Tribunal de Família e Menores em 3/10/02, (e cuja certidão constitui fls. 92 a 105 dos presentes autos de recurso de revisão), e tendo-se aí considerado ter o menor A, praticado factos integrativos de um crime de roubo, ao qual corresponde a pena abstracta de prisão de 1 a 8 anos, previsto e punível pelos artigo 210º, nºs 1 e 2, al.b), com referência ao artigo 204º, nº 4, do Código Penal, e, um crime de homicídio qualificado, com dolo eventual, ao qual corresponde a pena abstracta de prisão de 12 a 25 anos, previsto e punível pelos artigos, 14º, nº 3., 26º, 131º, e 132º, nºs 1 e 2, al.g), todos do Código Penal, foi-lhe aplicada a medida tutelar educativa de internamento em Centro Educativo, em regime fechado, pelo período de dois anos, nos termos da legislação aplicável decorrente da Lei Tutelar Educativa. B) Tendo sido interposto recurso do referido acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Ministério Público, por requerimento de 14/10/02, foi proferido acórdão por aquele Tribunal superior a rejeitar tal recurso (cfr. doc. de fls. 106/116 e 117/118 dos presentes autos). C) Tendo transitado em julgado o acórdão proferido por este Tribunal de 1ª instância e ora em apreciação, manteve-se em execução a medida tutelar educativa decretada, prevendo-se o respectivo terminus para 3/10/2004. D) Tendo A atingido a maioridade em 1/12/2002, manteve--se a execução da medida tutelar educativa decretada por força da disposição especial do artigo 5º da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei nº 166/99, de 14/9, (aliás, como a própria Digna Magistrada do MP ora recorrente pediu em alegações finais na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT